Quando Dimitris Zafiriou conseguiu uma vaga disputada em tempo integral, há dois meses, o salário era apenas metade do que ganhava antes da crise da dívida grega. Porém, depois de anos de dificuldades, foi um passo à frente. "Agora não sobra um tostão para nossa família no final do mês, mas zero é melhor do que o que tínhamos antes, quando não conseguíamos pagar as contas", disse Zafiriou, 47 anos, especialista em infraestrutura de edificações metálicas.
A Grécia alcançou um marco em uma das crises financeiras mais sérias a atingir a Europa: em 20 de agosto, o país oficialmente terminou sua dependência de mais de 320 bilhões de euros, ou cerca de US$ 360 bilhões, em verbas de resgate, abrindo um caminho para uma nova era de independência financeira. A economia lentamente volta a crescer, e os líderes europeus declaram o fim de uma crise de dívida que quase quebrou o euro.
Mas o preço da aparente recuperação grega foi muito alto: uma desaceleração dolorosa, combinada com quase uma década de cortes de gastos acentuados e aumentos de impostos para reparar as finanças da nação deixaram mais de um terço da população de 10 milhões de habitantes perto da pobreza, de acordo com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico.
A renda familiar caiu mais de 30%, e mais de um quinto da população não consegue arcar com despesas básicas como aluguel, eletricidade e empréstimos bancários; um terço das famílias tem pelo menos um membro desempregado; o número de pessoas empregadas vivendo perto da linha da pobreza é um dos mais altos da Europa.
"Qualquer sociedade que tenha perdido um quarto da sua economia terá graves problemas sociais, mas as coisas estão melhorando, e as pessoas veem isso", disse em uma entrevista Euclides Tsakalotos, ministro das Finanças da Grécia.
Volta por cima
Zafiriou acaba de sair de um ciclo de busca constante de emprego e renda esporádica. Como muitos gregos, sua vida virou de cabeça para baixo durante a década perdida, marcada por desemprego, grandes cortes salariais e aumento de dívidas pessoais.
A economia recém-estabilizada levou a construtora que contratou Zafiriou recentemente a retomar o recrutamento de pessoal. Porém, o salário mensal de 800 euros que ele recebe agora está muito abaixo dos 1.500 que costumava ganhar na empresa em que trabalhou durante 20 anos. Quando a crise explodiu, o pagamento dos funcionários começou a atrasar, primeiro por dois meses, depois, quatro – prática que se tornou comum em muitas companhias.
Em 2013, sua esposa, Sotiría, passou quase um ano sem receber salário, depois que a cadeia grega de supermercados onde trabalhava declarou falência. A rede foi adquirida por outra empresa, e seu salário mensal de 1.100 euros caiu para 800 euros. Ela acabou recebendo metade do que lhe era devido, mas Zafiriou disse que nunca recebeu os quase 13 mil euros que seu antigo empregador lhe devia.
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A família logo perdeu a capacidade de manter as contas em dia. Não podia mais pagar a conta de luz ou as prestações do modesto apartamento de dois quartos em Keratsini, um subúrbio operário de Pireu, perto de Atenas. A única coisa que os salvou do despejo – junto com os milhares de gregos que passavam pela mesma situação – foi uma lei que proibia os bancos de tomar a moradia principal de um núcleo familiar.
Eles cortaram gastos com roupas e mantimentos e interromperam a terapia da filha de 13 anos, que tem dislexia. Com pouco dinheiro, Zafiriou vendeu todas as joias, exceto a cruz usada no batizado de Anamaria.
Com o novo emprego, as coisas estão melhorando. O casal recontratou um professor particular para menina e Sotiría não precisa comprar os produtos mais baratos. O objetivo principal é pagar todas as dívidas o mais rápido possível, mesmo que não sobre dinheiro no final do mês. "A Grécia está melhorando, mas isso não significa que as coisas mudaram", disse Zafiriou.
Cinto apertado
Mesmo após o resgate, o país deve continuar apertando o cinto por anos, enquanto os credores monitoram sua disciplina fiscal e o progresso de suas reformas estruturais. O primeiro-ministro Alexis Tsipras prometeu facilitar as coisas para os mais afetados, com programas sociais melhores e salários mais altos, e falou de uma possível redução de impostos de empresas para estimular a contratação. O desemprego caiu de 28% para 19,5%, mas continua a ser o mais alto da zona do euro.
Tsipras quer aproveitar o embalo depois que a economia cresceu 1,4 por cento no ano passado, recuperando-se lentamente de uma contração semelhante à causada pela Grande Depressão nos Estados Unidos. A Grécia vem mantendo um superávit orçamentário, desconsiderados os pagamentos de juros sobre sua dívida, que ainda é imensa. Tsipras quer retomar a venda de títulos da dívida grega nos mercados financeiros dentro de dois anos. Essa perspectiva dá a sensação de que a crise pode finalmente estar acabando.
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No porto do Pireu, perto da casa da família Zafiriou, milhares de turistas embarcam para férias nas ensolaradas ilhas gregas depois de visitar a Acrópole. O turismo está aumentando, ajudando a revigorar o crescimento. Pequenas empresas surgiram para atender às multidões, e a atividade relacionada à construção está sendo retomada.
Outros postos de trabalho vão sendo criados quando os fabricantes levam as vendas para além do mercado grego, gerando um aumento nas exportações, que agora compõem um terço da atividade econômica (que era de 25 por cento antes da crise). No entanto, para a grande maioria dos trabalhadores, o mercado de trabalho da Grécia continua a ser uma paisagem árida.
Competitividade
Para tornar a economia mais competitiva, os credores da Grécia – o Fundo Monetário Internacional, o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia – definiram termos de austeridade que incluíam a suspensão da negociação coletiva e a atenuação das condições para demissão. Os salários dos setores público e privado caíram mais de 20%. O mínimo mensal foi cortado de 751 euros para 586 euros em 2012, o segundo menor na zona do euro.
Hoje, uma parcela cada vez maior dos postos de trabalho recebe salário mínimo. Pelo menos metade envolve contratos temporários ou de meio período. Embora isso ajude a diminuir os índices de desemprego, muitos funcionários do setor privado ganham salários que os colocam abaixo do nível de pobreza, de acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o mesmo acontecendo com quase metade das famílias gregas com dois filhos. Outros trabalham de modo ainda mais precário, sem nenhum contrato, pois os empregadores procuram evitar o pagamento de horas extras e taxas da seguridade social.
Assistência social
Em um dia de semana, não faz muito tempo, Georgia Pavlioti, mãe solteira de 50 anos, sentou-se com uma assistente social na Praksis, organização humanitária que apoia os gregos que acabaram em dificuldades. Pavlioti, ex-supervisora de uma empresa de pesquisa, nunca sonhou que ia precisar de assistência social. Sua filha nasceu no início da crise, mas no momento em que a licença maternidade terminou, a empresa reduziu seu quadro de funcionários e ela não conseguia encontrar outro trabalho. O marido perdeu o emprego como segurança. A situação financeira difícil desgastou o casamento, e ela pediu o divórcio, algo que aconteceu com muitos gregos desde o começo da crise.
Ela finalmente encontrou um emprego informal fazendo faxina e cuidando de idosos. "Eu não conseguia acreditar que caíra em um buraco tão fundo. Abalou minha autoimagem e confiança", disse Pavlioti, tentando evitar as lágrimas.
A Praksis oferece aconselhamento profissional, além de apoio psicológico e financeiro. Mesmo assim, não é o suficiente. Como mãe solteira, Pavlioti precisa de cuidados infantis financiados pelo Estado, mas não se qualifica porque seu divórcio não foi concluído.
Quanto mais tempo ela fica fora do mercado de trabalho formal, mais difícil é seu retorno. Recentemente, aceitou um emprego de babá com horas flexíveis, ganhando 450 euros por mês – o suficiente para pagar o aluguel e as contas, mas não muito mais. "O fim do resgate não fez diferença em nossa vida. Estamos apenas sobrevivendo, não vivendo", disse Pavlioti.
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