O mosteiro de Banjska, fora de Mitrovica, Kosovo, 25 de janeiro de 2018. Os serbios étnicos ainda dominam a vida em Mitrovica e o mosteiro de 700 anos continua a ser um poderoso símbolo do nacionalismo sérvio em uma cidade dividida em um país dividido que ainda possui cicatriza e enfermeia as baixas guerras que remontam a mais de 600 anos. (Andrew Testa / The New York Times)| Foto: ANDREW TESTA/NYT

“É um pedaço do paraíso na Terra. Quando você está aqui, sente isso”, disse o monge. 

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Usando um longo manto preto e passando a mão pela longa barba escura, suas palavras poderiam parecer uma frase simples, um homem santo falando sobre um lugar sagrado.  

Mas nada é tão simples aqui.  

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Sua casa, o Monastério de Banjska, fica acima de uma vila perto de Mitrovica, no Kosovo – uma cidade dividida em um país dividido que ainda carrega as cicatrizes e se recupera da destruição deixada por guerras que começaram há mais de 600 anos.  

Construído entre 1313 e 1317 pelo rei sérvio Estêvão Milutino, o monastério foi o local onde ficou enterrado até a Batalha do Kosovo em 1389.  

A luta entre os sérvios cristãos e os turcos otomanos é altamente mitificada, e há relatos históricos contraditórios. O que se sabe é que o líder sérvio, o príncipe Lázaro da Sérvia, foi morto. E sua morte se tornou um símbolo do sofrimento e resistência que ainda sobrevive.  

De acordo com a mitologia, na noite anterior à batalha, Lázaro recebeu a visita de um santo na forma de falcão que trazia uma mensagem da Virgem Maria.  

Ele poderia ganhar a batalha e ter um reino na Terra, ou perder a batalha e encontrar um reino no céu. Ele escolheu perder.  

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Em 28 de junho de 1989, no 600º aniversário da batalha, Slobodan Milosevic chegou de helicóptero ao local e reformulou a escolha feita por Lázaro. Era o tempo, disse ele, dos sérvios terem “o paraíso na Terra”.  

Foi um chamado à guerra, e o que ocorreu em seguida foi uma campanha de limpeza étnica contra os albaneses do Kosovo, que só acabou após um bombardeiro da Otan liderado pelos Estados Unidos, que durou 78 dias, em 1999.  

Paz ameaçada

Mas após quase duas décadas do bombardeio que ajudou a pôr fim à violência, e uma década depois de o Kosovo ter se declarado independente da Sérvia, o território permanece mais dividido do que em paz.  

Aqui em Mitrovica, no norte do país, a etnia sérvia é dominante; apenas recentemente os policiais começaram a usar os uniformes oficiais do país.  

Muitas pessoas não se veem como parte do Kosovo como ele é atualmente. Querem ser parte da Sérvia, mas se sentem como peões em um jogo maior, no qual a Sérvia quer ser membro da União Europeia, e esperam ser abandonados por Belgrado se esse dia chegar.  

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Esta foi minha primeira viagem ao Kosovo em meu novo posto cobrindo a Europa Central e Oriental, uma viagem rápida para cobrir uma visita precipitada do presidente sérvio, Aleksandar Vucic, que veio conversar com uma comunidade que está no limite após o assassinato de um proeminente político da etnia sérvia em Mitrovica.  

Em uma reunião na prefeitura, Vucic foi recebido por moradores furiosos e descrentes que perguntaram quem iria protegê-los, dizendo que precisavam de armas.  

Eles se reuniram em um salão lotado, em uma cidade cheia de lembretes diários do quão perto seus antigos inimigos estão e de quanto suas vidas estão distanciadas.  

Todos os dias, uma chamada à oração ecoa em uma mesquita no lado sul de uma ponte que se estende sobre o Rio Ibar, que corta a cidade. Os da etnia sérvia do outro lado da ponte conseguem ouvir o canto do muezim enquanto passam por uma estátua apenas recentemente erguida – dedicada ao príncipe Lázaro. Ele olha sobre a ponte, que é guardada por pacificadores internacionais. Os Carabinieri italianos cumprem essa função atualmente.  

Eles são apenas uma das dezenas de organizações de fora que tentam garantir que a paz não se perca. A mais visível delas é a KFOR, força de segurança liderada pela Otan.  

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Divisões

É fácil dizer quando se está na área da etnia sérvia mesmo antes de ver qualquer tropa internacional. Muitos dos carros não têm placas ou têm placas sérvias, que são consideradas ilegais pelo governo de Pristina.  

As crianças frequentam escolas separadas. Os homens trabalham em indústrias separadas. As famílias comem em restaurantes diferentes. O governo do Kosovo, que é liderado pela etnia albanesa, não reconhece os diplomas dos que se formaram na Universidade de Mitrovica. Até os serviços de telefonia celular são separados, com as áreas sérvias inexplicavelmente geralmente conectadas a um serviço com base em Mônaco.  

Dadas todas essas divisões, é interessante ver – e talvez seja um sinal positivo – que o assassinato do político local, Oliver Ivanovic, não gerou acusações contra a comunidade de etnia albanesa do outro lado da ponte de imediato.  

Ao invés disso, muitos especularam que a luta de Ivanovic contra as redes criminosas na comunidade de etnia sérvia foi o motivo seu assassinato.  

“A sensação de medo dessas pessoas é inacreditável”, disse Ivanovic não muito antes de sua morte.  

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“Quero deixar claro: essas pessoas não têm medo dos albaneses, mas de sérvios, homens poderosos na comunidade, criminosos. A polícia está vendo e não faz nada, e os moradores sentem que não estão seguros, mesmo que sejam nossa gente, sérvios, na polícia do norte do Kosovo”, disse ele.  

O monge, que atende apenas por Georgije, seu nome sacerdotal, concordou. “Há muitas pessoas vivendo em pecado”, disse ele.  

Domínio

Mas sua receita para a mudança parece ignorar as razões da última guerra, a causa de tanto derramamento de sangue, e a carnificina que provavelmente ocorreria para retomá-la.  

Os sérvios em Kosovo estavam perdidos, disse ele, culpando a separação entre Igreja e Estado. A única forma de restabelecer o equilíbrio natural seria ter um governo baseado na Igreja Ortodoxa Sérvia – uma solução que é um anátema para a população muçulmana do Kosovo.  

“Precisamos da união entre o Estado, a Igreja e o povo”, disse ele, citando os princípios adotados pelo antigo rei que esteve enterrado no monastério. “Não dá para ter um sem o outro.” 

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Durante sua história de séculos, o monastério que ele chama de casa foi devastado pelo fogo, abandonado e derrubado. Sob o regime otomano e até o fim da Primeira Guerra Mundial, foi uma mesquita. Passou por uma restauração que começou em 1990, quando foi declarado Monumento de Excepcional Importância pelo governo sérvio. Os sérvios sempre voltam.  

Essa longa história moldou a visão do monge e de muitos que ainda vivem em Mitrovica. Como descendente de Milutino e de Lázaro, ele deu voz ao sentimento sérvio de perseguição.  

“Primeiro, fomos forçados a viver sob o domínio turco. Agora, são os albaneses e os americanos.”  

Mas os sérvios têm memória, afirmou. E ele tinha esperanças de que iriam restabelecer seu domínio medieval sobre o Kosovo mais uma vez. 

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