"Quando me mudei para cá, há uns 40 anos, lembro que o rio East ainda congelava no inverno. Tinha icebergs boiando nele. Isso não acontece mais", conta Paula Olsiewski. "Sou uma cientista e sei que o clima está mudando. Mas também sei que este governo, quando toma suas decisões, não põe a ciência em primeiro lugar."
Em seu escritório no 22º andar de uma torre no coração de Manhattan, em Nova York, uma das 38 especialistas dispensadas da Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA, na sigla em inglês) comenta o expurgo de cientistas a serviço do país capitaneado pela administração de Donald Trump.
Desde que foi eleito, o presidente americano, que já chamou o aquecimento global de "embuste chinês", vem trocando cientistas que aconselham o governo por pessoas alinhadas com os interesses da indústria - como Scott Pruitt, atual chefe da agência ambiental, que disse ser "insensível" falar em mudança climática na ressaca dos furacões Harvey e Irma no Caribe e no sul dos EUA.
Enquanto jornais, revistas e canais de TV não cansam de mostrar imagens dramáticas de praias reviradas, cidades submersas e casas achatadas, mais um furacão, o José, ruma em direção ao país.
Mas cientistas estão perdendo a voz no governo. Além do caso da EPA, foi desmembrado um conselho de 15 especialistas responsável por elaborar um relatório sobre o clima à Casa Branca a cada quatro anos.
Politização do clima
O estudo mais recente, com lançamento previsto para o ano que vem, chegou a ser publicado antes da hora pelo jornal "The New York Times", que conseguiu uma cópia preliminar do documento com cientistas que temiam que as informações fossem abafadas pelo governo.
Entre as conclusões do estudo estava a previsão de chuvas torrenciais para a região do Texas, alvo do Harvey, e a possibilidade de furacões de altíssimo poder de destruição para a Flórida e o Caribe, antecipando o que seria o Irma.
"Isso estava no radar havia uma década já", diz Katharine Hayhoe, uma das autoras do relatório. "Uma evidência do aquecimento do planeta é o aumento da precipitação, e tem havido volumes enormes de chuva, mas esse governo age como se provas científicas fossem opiniões, como se nada estivesse acontecendo."
Tanto que Trump vem tentando desmontar todas as medidas de proteção ambiental aprovadas no governo de Barack Obama. Ele retirou os EUA do Acordo de Paris sobre o clima, autorizou a mineração de carvão em terras antes protegidas, relaxou regras e limites para indústrias que poluem rios e lagos e cortou verbas de pesquisa.
"É nítido que isso é um ataque à ciência. O governo vem politizando os furacões, só que na direção contrária, fingindo que não há relação com aquecimento global", diz Robert Richardson, outro cientista demitido. "Mas o público já enxerga uma ligação entre isso e as enchentes, os incêndios florestais."
Earthea Nance, ex-colega de Richardson no mesmo conselho da EPA, sabe disso tudo em primeira mão. Ela teve de fugir de sua casa em Houston, onde mora, durante as tempestades provocadas pelo furacão Harvey. "Chegou a hora em que as pessoas estão vendo o que acontece, começaram a ligar os pontos entre as coisas."
Nance acredita que longe de Washington, nas cidades mais afetadas pelo revertério climático, o debate vai ter de mudar. Ela aponta a decisão do governo de restringir a construção em pontos alagados da metrópole do Texas , a quarta maior do país, como um passo na direção certa.
O prefeito de Miami, cidade que viveu momentos de desespero com o furacão Irma, chegou a desafiar o governo de Trump e sua resistência a dar nome à mudança do clima. "Não quero que ele diga que está errado", disse Tomás Regalado à CNN. "Mas temos um problema aqui e precisamos nos preparar para o futuro. E isso quer dizer que Harvey e Irma não foram só uma coisa anormal. Isso é algo real."
Ken Reckhow, outro cientista demitido do governo, acredita que a Casa Branca sabe bem o que está acontecendo. "Eles só preferem negar, mas as evidências são difíceis de contestar", ele diz. "Essas tempestades não vão mudar o que eles dizem em público, mas podem vir a causar uma mudança de atitude, mesmo que seja apenas nos bastidores."
Por que é tão improvável que um furacão como o Irma atinja o Brasil? https://t.co/j5jgRp6tES
â Gazeta do Povo (@gazetadopovo) September 10, 2017