A China terá sucesso na construção de uma poderosa indústria tecnológica que vai rivalizar com os Estados Unidos, mesmo que o presidente Donald Trump inicie uma guerra comercial para detê-la. A razão pode ser encontrada no quarto andar de uma fábrica em uma cidade que já foi famosa pela manufatura barata e pela prostituição.
Situada na cidade chinesa de Dongguan, ao sul e perto de Hong Kong, ela chegou a empregar "um mar de gente", como disse um funcionário. Os custos trabalhistas cada vez mais altos e uma nova geração com pouco interesse no trabalho operário exigiram uma abordagem diferente; agora, os funcionários estão sendo substituídos pelo zumbido de máquinas, cada uma executando o trabalho que 15 pessoas levavam 26 etapas para terminar.
A fábrica sugere que a visão de Pequim para o Made in China 2025 – o ambicioso plano estatal de retomada da indústria chinesa para competir em áreas como automação, microchips e carros autônomos – não está sendo promovido apenas pela cúpula do Partido Comunista. A movimentação ocorre de baixo para cima, dos negócios e das cidades por todo o país, que sabem que é preciso modernizar para não acabar.
Desestabilização futura
A administração Trump não está errada em confrontar Pequim em relação ao Made in China 2025; esse tipo de abordagem dá vantagens injustas às empresas e pode continuar a desestabilizar as relações comerciais globais muito tempo após a aposentadoria de Trump em Mar-a-Lago, seu resort particular na Flórida
Mas o programa está sendo impulsionado por empresas como a Mentech Optical & Magnetic Co. de Dongguan, a proprietária da fábrica, que se preocupam com custos trabalhistas e seu próprio futuro. Isso ocorre nos governos locais, que buscam maneiras de permanecerem relevantes, em uma rede cada vez maior de empreendedores do setor privado, entre acadêmicos e políticos locais que trabalham de modo cada vez mais coeso para reformular as fábricas chinesas e seu futuro. Além disso, outras cidades – como, por exemplo, Suzhou, Wenzhou, Xuzhou e as áreas industriais em torno de Xangai – revelaram seus próprios planos da automação.
A modernização pode não acontecer em 2025; na verdade, pode vir muito depois disso, mas a China chegará lá, principalmente porque precisa. "Se o Made in China 2025 fosse um carro, a partida foi dada e ele já começou a se mover", disse Zhang Guojun, diretor do Instituto Guangdong de Robótica Inteligente em Dongguan, um dos diversos centros de pesquisa locais que ajudam na atualização das fábricas quem contam com o apoio municipal. "A cidade já estava se automatizando bem antes de o plano ser divulgado em 2015, mas a política lhes deu uma orientação clara", disse ele.
Mudança de rumo
Cidade de oito milhões de habitantes no delta do Rio Pérola, Dongguan dependia da produção e da exportação de sapatos, brinquedos e peças eletrônicas para os Estados Unidos e a Europa. Sob vários aspectos, era o cenário da China industrial existente na imaginação popular, com áreas inteiras permeadas por fileiras de fábricas, uma após a outra.
Então, veio a crise financeira de 2008; as encomendas desapareceram. Dongguan acabou sendo conhecida como a capital chinesa da prostituição, até que a repressão governamental limpou o local.
Além da crise financeira, a própria prosperidade da China ameaçou o futuro de Dongguan. A renda média do trabalhador quadruplicou na última década. Menos jovens queriam trabalhar em linhas de montagem monótonas e estressantes, preferindo postos no setor de serviços – como garçons e entregadores do comércio eletrônico –, que permitem a interação com pessoas ou facilitam a movimentação. Algumas fábricas se mudaram para países de baixo custo ou fecharam.
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As empresas e o governo de Dongguan tiveram que tomar uma atitude, ou seja, comprometeram-se com a modernização.
Antes que o Made in China 2025 se tornasse uma política, Dongguan iniciou a "substituição de seres humanos por máquinas", financiando-a com aproximadamente US$30 milhões anuais. Mais tarde, canalizou dinheiro para outras iniciativas de automação. As empresas que poderiam provar que tinham um projeto de pesquisa digno ou que estavam dispostas a investir em robôs, software ou máquinas avançadas, poderiam ganhar subsídios e incentivos fiscais. O governo bancou entre 10 e 20% da conta. Smartphones, móveis, máquinas e até empresas de confeitaria tiveram apoio, mostram documentos oficiais.
Automação
A Mentech, fornecedora de equipamentos de telecomunicações, já chegou a ter centenas de trabalhadores produzindo, embalando e testando fios magnéticos tão finos quanto um fio de cabelo, tudo à mão. Mesmo hoje, a empresa precisa de trabalhadores. Na parede lateral de uma fábrica está afixada a lista de benefícios que os postos de trabalho oferecem: salários mensais com horas extras de até cerca de US$ 1.100, dormitórios climatizados, Wi-Fi gratuito e até mesmo presente de aniversário. "Ame seus empregados, que eles o amarão cem vezes mais", diz um cartaz.
Mas os custos trabalhistas e a falta de candidatos estavam atrasando o desenvolvimento. Durante o feriado do ano novo lunar, quando a maioria da população fica em casa, cerca de 500 executivos, engenheiros e funcionários administrativos da Mentech tiveram que trabalhar em turnos de três horas após seu dia de trabalho normal para manter a fábrica funcionando, disse Zhang Xiaodong, gerente de pesquisa e desenvolvimento.
A companhia pediu a ele e a outros que descobrissem como automatizar a fábrica. O grupo passou dois anos trabalhando até tarde da noite. As máquinas precisavam de ajustes. Alguns componentes tinham que ser redesenhados para que pudessem ser produzidos. Vários projetos falharam. "Nem todo problema tem uma solução. Sabemos que a fabricação inteligente é o futuro, mas chegar lá não é fácil", disse Zhang.
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Hoje a manufatura, que já precisou de mais de 300 trabalhadores, precisa de 100. Mais da metade da produção foi automatizada. Os empregados reunidos em torno das máquinas serão provavelmente substituídos por outras máquinas em um ou dois anos.
Para ajudar, o governo de Dongguan forneceu US$1,5 milhão em subsídios. Também está atraindo startups e ajudando cientistas a abrir centros de pesquisa para fornecer mais know-how.
Uma startup que ajuda a Mentech é a Precision Intelligent Technology, fornecedora de boa parte das máquinas de que a companhia precisa para se tornar inteiramente automatizada. Porque o equipamento será feito na China, será mais barato do que comprar sistemas de automação do Japão ou dos Estados Unidos.
Forest Tian, ex-capitalista de risco que fundou a Precision Intelligent Technology, disse:
A maior tendência da manufatura é que a automação é irreversível. Haverá uma grande demanda por essas máquinas.
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