Na manhã em que a Arábia Saudita se juntou ao resto do mundo ao permitir que as mulheres de seu país dirijam, a hashtag top-trending entre os usuários do Twitter no país, no entanto, não era favorável.
“As pessoas não querem as mulheres dirigindo”, foi a mensagem mais compartilhada entre a sociedade conectada – espaço que oferece uma saída rara para críticas.
O decreto real de terça-feira (26), que revogou uma proibição duramente condenada pelos ativistas sauditas e organizações globais dos direitos humanos, foi o passo mais ousado durante o reinado do príncipe herdeiro Mohammed Bin Salman para mudar a sociedade - estratégia de um ambicioso programa para modernizar a economia e reduzir a alta dependência no petróleo. No entanto, a Arábia Saudita continua a ser um país islâmico profundamente conservador, e existe o risco de uma reação.
Apesar de elogiar a ordem real, o Conselho de Estudantes Sênior expressou a necessidade de continuar cumprindo a lei islâmica. Em entrevista à emissora Riad (A. Saudita), alguns jovens descreveram a decisão que autoriza as mulheres à licença de condução como um ‘erro’. Além disso, foram criados comitês ministeriais para examinar a implementação. Segundo a Agência Oficial de Imprensa Saudita, dentro de 30 dias será informada a viabilidade do decreto.
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“Não é tão simples permitir que as mulheres dirijam”, disse Ayham Kamel, diretor do Oriente Médio e da África do Norte no grupo Eurasia (Empresa líder mundial em análise e consultoria de risco político internacional). Além da oposição da organização clerical, membros da família real podem acusar o príncipe de impaciência. “Haverá resistência. Não há dúvida”, disse Kamel. “Ele não pode silenciar toda a dissidência”.
Permitir que as mulheres dirijam sempre foi um impasse que colocou os guardiões do estilo de vida islâmico contra aqueles que querem hábitos mais liberais. Os tradicionalistas frequentemente têm criticado a mídia, utilizando-se de ensinamentos religiosos para argumentar que: permitir que as mulheres dirijam conduz ao pecado. Além de serem excluídas das ruas, as mulheres sauditas precisam da permissão de um tutor masculino para se casar ou viajar para o exterior.
Em uma coletiva de imprensa, o embaixador saudita Khalid bin Salman Al Saud anunciou a nova política em uma coletiva de imprensa realizada em Washington, D.C, em vez de fazer isso em sua nação. Descartar a barreira de gênero não era uma questão de “ocidentalizar ou orientalizar”, ele disse. A Arábia Saudita estava, em vez disso, se ‘modernizando’ e ouvindo a sociedade.
"O governo deve dar importância à opinião pública", disse Jane Kinninmont, pesquisadora sênior da Chatham House em Londres - mas nunca o fez. "Proibir a condução feminina era uma escolha política - uma concessão para os conservadores religiosos e uma declaração simbólica de que a Arábia Saudita não estava simplesmente fazendo o que quer que ocidente quisesse".
A assessora de imprensa da Casa Branca, Sarah Sanders, também divulgou uma declaração dando boas-vindas à mudança e prometendo apoio contínuo para "esforços que fortaleçam a sociedade saudita e a economia através de reformas similares e a implementação da Visão Saudita 2030" - nome oficial para uma das reformas do príncipe herdeiro.
Awwad Alawwad, ministro saudita da cultura e da informação, saudou a decisão e em comunicado disse que vai ajudar a "permitir que todos os sauditas participem do desenvolvimento da nação”. Mulheres, "são parte integrante desta jornada", afirmou.
Esta semana definitivamente expôs a linha de falhas sauditas em relação à diferença de gênero. As autoridades estabeleceram regras mais lenientes quem poderia frequentar as comemorações do aniversário de fundação do reino. Mais tarde, homens e mulheres dançaram juntos em uma festa noturna em Riyadh. Nos últimos dias houve apelos nas redes sociais para que a polícia religiosa - despojada de alguns dos seus poderes no ano passado - restaurasse a ordem moral.
Protestos
Mulheres ativistas na Arábia Saudita desafiaram repetidamente a proibição de condução, lançando campanhas em que são filmadas ao volante de carros ilegalmente. Algumas das que se juntaram aos primeiros protestos foram denunciadas publicamente, perderam seus empregos e foram discriminadas por anos.
Aziza Alyousef, que participou de dois deles, disse por telefone que estava grata aos governantes. “Gostaria de agradecer a todas as mulheres da década de 1990 até agora que participaram de campanhas e continuaram a pedir seus direitos”, disse.
Prince Mohammed, de 32 anos, já mostrou ser possível mudanças radicais na política tradicional da Arábia Saudita, incluindo uma proposta de venda de ações na empresa estatal de petróleo Saudi Aramco.
Muitas de suas iniciativas falharam. A Arábia Saudita está atolada em uma guerra no Iêmen e abandonou em grande medida seu esforço para derrubar o presidente Bashar al-Assad na Síria. Embora os objetivos do programa econômico do governo tenham sido amplamente elogiados, algumas de suas medidas já se mostraram difíceis de implementar: cortes em bônus e subsídios para funcionários públicos foram revertidos em meio a sinais de oposição pública.
Autoridades sauditas também silenciaram recentemente alguns críticos que diziam ter afinidade com movimentos conservadores, como a Irmandade Muçulmana. No início deste mês, Jamal Khashoggi, jornalista saudita e ex-conselheiro do governo, descreveu uma nova onda de "medo, intimidação, prisões e vergonha pública" depois que clérigos e ativistas foram presos.
Para a ativista Alyousef, o decreto daquela terça-feira marcou um passo gigante em direção a sua primeira carta de condução. Ela disse que planeja se inscrever assim que puder e ser a primeira na fila: "Eu desejo que meu número de licença seja 0001."
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