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Adly Mansur autoriza polícia a usar munição letal em protestos
O Ministério do Interior do Egito autorizou ontem as forças de segurança a usar oficialmente armas e munição letais contra manifestantes que ataquem policiais ou patrimônio público. O anúncio foi feito um dia após o massacre contra militantes islamitas, que deixou mais de 600 mortos no país.
Na ofensiva de quarta-feira, houve confrontos violentos em diversas partes do Egito, em especial na capital, onde foram desalojadas as duas ocupações feitas pelos islamitas desde 3 de julho, quando o presidente Mohamed Mursi foi deposto após uma ação militar.
Houve diversas denúncias de uso de balas letais tanto pela polícia quanto por aliados da Irmandade Muçulmana, o que pode ter contribuído para o alto número de vítimas. A medida pode fazer com que se aprofunde a crise política no país, o que poderia levar a uma guerra civil.
Segundo o ministério, a liberação para munição de verdade aconteceu para que o governo possa "confrontar atos terroristas", como chama a ação dos islamitas.
O governo interino se diz vítima de "um plano criminoso para demolir os pilares do Estado egípcio". Apesar das medidas que podem aumentar a violência, a administração do presidente Adly Mansur diz que busca "um processo político inclusivo", aberto a qualquer um que não esteja envolvido em violência.
A decisão também foi tomada após um ataque à sede do governo da Província de Guizé, ao lado do Cairo. De acordo com a televisão estatal, o prédio atacado por manifestantes que faziam um protesto na região com coquetéis molotov, dando início a um incêndio.
No centro do Cairo, milhares de islamitas protestaram contra as mortes na operação policial.
Folhapress
Curitiba
Um grupo de 22 pessoas saiu de Curitiba na terça-feira para uma viagem de turismo pelo Oriente Médio e desembarcou na quarta-feira no Cairo, dia em que explodiram os conflitos entre forças de segurança e os partidários do ex-presidente Mohamed Mursi. Os brasileiros conheceriam as pirâmides e depois seguiriam por terra para a Jordânia. Com os conflitos, os planos foram alterados. Segundo a operadora curitibana Green Peace, para garantir a segurança dos passageiros, eles foram hospedados no hotel Le Meridien Heliopolis, dentro do aeroporto cairota. Ontem, eles partiram para a Jordânia de avião.
O cheiro forte chegava até as ruas do lado de fora da mesquita. Se, na véspera, máscaras cirúrgicas eram distribuídas nas ruas para amenizar os efeitos de gás lacrimogêneo, agora serviam para sufocar o odor dos cadáveres que se espalhava pelo ar. Dezenas de corpos enrolados em lençóis brancos manchados de sangue estavam perfilados no chão. Pelo menos 200 deles, contados pela reportagem, eram rodeados por parentes que choravam e recitavam em voz alta trechos do Alcorão. Era difícil chegar a um número correto, já que vários chegavam e saíam.
Homens percorriam o salão esguichando aromatizantes, produzindo um incômodo odor que misturava perfume e cadáveres. Grandes blocos de gelo eram colocados sobre os corpos, num esforço de mantê-los minimamente refrigerados. A água que derretia se misturava a sangue no carpete, sentido pelos pés pela tradição, não se usam calçados dentro de mesquitas.
"É uma morte em dobro para esses mártires", disse o médico Mohamed Affan, voluntário na identificação das vítimas. "Primeiro, eles foram mortos de maneira violenta e, agora, nós não podemos dar-lhes um enterro digno. Isto não é correto."
A mesquita Iman foi transformada num necrotério improvisado, onde parte das vítimas da ação das forças de segurança contra simpatizantes do presidente deposto Mohamed Mursi em Cidade Nasser foi levada. Segundo o médico, a maioria dos mortos apresentava ferimentos à bala e familiares não hesitavam em levantar os lençóis para exibir as marcas.
Em uma área distante do salão, outros voluntários se espremiam no chão com documentos em mãos, num extenso trabalho de identificação das vítimas, cujos nomes eram lidos pelos alto-falantes da mesquita.
Nas grades do lado de fora, dezenas de pessoas checavam nomes que eram divulgados no verso de cartazes com fotos de Mursi. Nas escadarias em frente à mesquita, dezenas de homens se acotovelam diante da única porta de acesso. A cada caixão que saía, gritavam em coro: "Allahu Akbar" ("Deus é o maior").
"Nem todos os corpos têm documentos e alguns sequer podem ser reconhecidos", disse a professora Doha Samir, que ajudava no processo de identificação. "Foi um massacre. Era um protesto pacífico, não havia motivos para usar tamanha força."
Ontem, autoridades revisaram diversas vezes o número de vítimas da violência da véspera. No fim do dia, a última estimativa era de pelo menos 202 mortes somente em Cidade Nasser, 638 em todo o país. Voluntários diziam que os corpos na mesquita ainda não haviam sido contabilizados oficialmente.
Epicentro do acampamento erguido por milhares de simpatizantes de Mursi durante seis semanas, a mesquita Rabaa restava sozinha na esquina de duas largas avenidas em Cidade Nasser. Dentro, nada resistiu ao incêndio que destruiu as barracas usadas por manifestantes.
No hospital de Rabaa, estilhaços de vidros, medicamentos e utensílios hospitalares se misturavam a marcas de sangue por toda parte. Veículos militares e oficiais do Exército e da polícia faziam a segurança na área. Pelas ruas, roupas, garrafas de vidro, alimentos e blocos de concreto completavam o rastro de destruição.
Mas a maior devastação parecia ter sido contra o que ainda restava do sentimento de fraternidade no Egito, um país cada vez mais dividido. Em frente de policiais e militares, um grupo de homens e mulheres festejava, com música e danças, a ação violenta que expulsou manifestantes dali.
3.717 feridos foi o número divulgado ontem pelo Ministério da Saúde do Egito, após o massacre durante a ofensiva policial de quarta-feira. A maioria dos mortos e feridos estava na praça de Rabaa al-Adawiya.
638 mortes era o número admitido ontem pelas autoridades egípcias. Ao longo do dia, ele foi revisado diversas vezes. Voluntários disseram que os corpos na mesquita ainda não haviam sido contabilizados oficialmente.