Foi um massacre com requintes de crueldade. Nove membros de uma família de mórmons americanos - três mulheres e seis crianças - foram fuzilados e queimados na segunda-feira (5) em uma estrada do Estado de Sonora. A chacina evidencia os erros da segurança pública do México, que se deteriorou sob comando do presidente Andrés Manuel López Obrador, que prometeu usar programas sociais para abordar as causas da violência.
No primeiro semestre, 17 mil pessoas foram assassinadas no México - 5% a mais que o mesmo período de 2018, segundo o Sistema Nacional de Segurança Pública (SNSP), órgão ligado à secretaria de governo. Segundo projeções do Instituto Nacional de Estatística e Geografia (Inegi), o país deve bater novo recorde este ano, superando os 30 homicídios por 100 mil habitantes - o triplo do que era em 2007, quando a guerra às drogas do presidente Felipe Calderón completou seu primeiro ano, e 75% a mais que 2015.
O massacre ocorreu em plena luz do dia. Um dos sobreviventes, Julián LeBarón, contou que a família viajava em três carros entre duas comunidades na fronteira com os EUA, quando foram emboscados. Entre as crianças mortas, a mais velha era um garoto de 12 anos. As duas mais novas eram gêmeas de 8 meses. Depois de metralhado, um dos carros foi incinerado. Um dos meninos foi abatido quando tentava escapar.
Segundo autoridades locais, oito crianças sobreviveram. Algumas conseguiram se esconder atrás de uma árvore. Outra, de 12 anos caminhou mais de 20 quilômetros até encontrar ajuda. "Nós não sabemos o porquê, não sabemos quem fez isso", disse Julián. "Todos estão em estado de choque".
Nesta quarta-feira, um suspeito foi preso pela polícia mexicana. Obrador e seu ministro da Segurança, Alfonso Durazo, colocaram a culpa nos suspeitos de costume. "É uma zona de disputa entre diversos grupos criminosos", afirmou Durazo. "O comboio pode ter sido confundido por cartéis".
"É lamentável, triste, porque crianças morreram. Isso é doloroso", disse López Obrador durante sua entrevista coletiva matinal na quarta-feira. "Mas tentar resolver esse problema declarando uma guerra? Em nosso país, foi demonstrado que isso não funciona. Foi um desastre."
Ele se referia à ofensiva apoiada pelos EUA contra cartéis de drogas lançada em 2006, com o destacamento do exército mexicano para combater grupos do crime organizado. Cerca de 200 mil pessoas morreram em atos de violência relacionados ao conflito.
O México continua a trabalhar em cooperação com o governo dos EUA no combate ao narcotráfico. O presidente americano Donald Trump, no entanto, sugeriu uma abordagem mais agressiva na terça-feira: "Agora é hora de o México, com a ajuda dos EUA, realizar uma guerra contra os cartéis e eliminá-los da face da Terra", tuitou o presidente. "Os cartéis ficaram tão grandes e poderosos que, às vezes, você precisa de um Exército para combater um exército".
No início, Obrador hesitou - aceitar ajuda de Trump pode ser um suicídio político no México - e disse que agiria "com independência e soberania". "Acho que não precisamos ter a intervenção de um governo estrangeiro", disse. Mais tarde, ele amenizou o discurso e conversou com o presidente americano por telefone sobre cooperação na fronteira.
"Abraços, não balaços"
O presidente mexicano está sob fogo cerrado por ter feito pouco para conter a violência desde que assumiu, em dezembro do ano passado. Durante a campanha, ele lançou a estratégia chamada "abraços, não balas". Mas, depois que assumiu, o máximo que fez foi criar uma nova corporação, a Guarda Nacional, que manteve o caráter militar do combate às drogas - tática que corroeu a popularidade de governos anteriores.
A Guarda Nacional criada por López Obrador tem 70 mil soldados, mas não conseguiu deter a violência generalizada do crime organizado.
Críticos dizem que a Guarda Nacional não tem sido usada estrategicamente para conter a violência e, em vez disso, foi espalhada por todo o país, conduzindo uma variedade de tarefas, incluindo a detenção de migrantes não autorizados que se dirigem para a fronteira com os EUA.
Alejandro Hope, analista de segurança, observou que em 14 de outubro a Guarda Nacional tinha 3.799 forças na Cidade do México. Em comparação, possuía apenas 4.126 forças nos estados de Sinaloa e Chihuahua, que representam 21% do território nacional. Os assassinatos da família LeBarón ocorreram perto da fronteira dos dois estados.
"Se essa força serve a algum propósito, deveria ser para o controle territorial, para garantir a presença do Estado onde é quase impossível adicionar policiais, patrulhar ruas locais e áreas sem vigilância, combater pistoleiros e ladrões em áreas remotas do país", ele escreveu no jornal El Universal.
Prisão de Ovidio Guzmán
Em outubro, o Exército prendeu Ovidio Guzmán, filho do traficante Joaquín "El Chapo" Guzmán, em Culiacán. Em poucas horas, o cartel de Sinaloa transformou a cidade em praça de guerra - oito pessoas morreram. Reunido com o gabinete de Segurança Pública, Obrador decidiu soltar Ovidio, alegando querer preservar a segurança da população. "Nunca vamos optar por guerra. O que importa para nós é a vida das pessoas".
A decisão provocou uma onda de críticas, até do Exército, que sempre se manteve discreto no México. "Nós nos sentimos afrontados, enquanto mexicanos, e ofendidos, como soldados", disse Carlos Gaytán, general da reserva, sobre a libertação de Ovidio. "Os militares estão realmente incomodados", afirmou o cientista político Javier Oliva Posada, da Universidade Nacional Autônoma do México.
Já o massacre de crianças desta terça parece ter tirado do sério até seus mais fiéis eleitores. "Para que diabos votamos no senhor?", questionou o ator Gael García Bernal no Twitter. "Melhor que o governo assuma sua responsabilidade e faça o impossível para isso não se repita".
Analistas, no entanto, dizem que algumas causas do aumento da violência no México não têm relação direta com o presidente. A principal delas é a prisão ou morte de chefões do tráfico, como Chapo. A ausência de líderes fragmenta os cartéis e novas facções menores buscam ocupar o vácuo de poder recorrendo a ações violentas.
Outro fator, segundo especialistas, é o crescimento do mercado doméstico de consumidores de drogas, que favorece a expansão de gangues que lutam por território em grandes cidades. Em maio, a ONG Citizen’s Council for Public Security and Criminal Justice colocou cinco cidades mexicanas entre as seis mais violentas do mundo: Tijuana, Acapulco, Ciudad Victoria, Ciudad Juárez e Irapuato - todas com mais de 80 assassinatos para cada 100 mil habitantes. Em Tijuana, a epidemia de homicídios chegou ao ápice com 138 homicídios a cada 100 mil moradores.