Há dois meses no cargo, o chanceler do Chile, Teodoro Ribera, chegou ao Brasil na quarta-feira passada com a missão de ampliar a relação bilateral entre os países e atrair mais investimentos brasileiros em seu país. Logo que o avião pousou, teve um batismo de fogo: responder aos ataques do presidente Jair Bolsonaro à ex-presidente Michelle Bachelet envolvendo um tema sensível em seu país, a ditadura militar de Augusto Pinochet.
O chanceler disse que Bachelet merece respeito mesmo estando em um campo ideológico oposto ao dele, e lembrou que, no Chile, há uma grande unidade sobre a questão dos direitos humanos. A seguir os principais trechos da entrevista:
No dia da sua chegada ao Brasil o presidente Bolsonaro deu declarações sobre a ex-presidente Bachelet e seu pai, vítima da ditadura Pinochet. Como isso foi recebido no Chile? Como fica a situação daqui para frente?
A visita foi marcada com muito antecedência. A habilidade da diplomacia é dialogar nos momentos de maior tensão. O que fizemos foi na escala em São Paulo dar uma declaração acertada com o presidente da República e traçar uma linha diferenciada. No Chile, temos um absoluto respeito pelo que aconteceu no passado. Temos talvez avaliações distintas de por que isso aconteceu e do que aconteceu, mas temos absolutamente uma grande unidade sobre os direitos humanos, as violações e no respeito às vítimas e seus parentes. E entendemos que Michelle Bachelet tem dois papéis. Como ex-presidente, ela tem algumas prerrogativas na Constituição chilena, tem foro especial e é parte do nosso protocolo. Por isso, merece todo nosso respeito, mesmo que não concordemos com suas políticas. Outro papel é como alta-comissária da ONU. Ela é uma funcionária de alto nível das Nações Unidas e está submetida ao escrutínio de 190 Estados, suas conclusões podem ser discutidas e é parte do jogo democrático.
Brasil e Chile têm tratamentos distintos quanto ao tema dos direitos humanos, principalmente relativos às ditaduras dos anos 1970 e 1980?
Cada país tem vivências próprias. Cada país processa de forma distinta e isso é parte da política interna de cada país. Talvez quando eu deixar de ser chanceler e voltar a ser professor (é docente da Universidad de Chile) possa te dar uma resposta diferente.
O presidente Bolsonaro esteve no Chile como seu primeiro destino após a eleição. Após nove meses de governo, o que mudou na relação bilateral e quais são os pontos positivos e negativos?
A relação entre Chile e Brasil não é entre governos ou de pessoas, mas de Estados. É uma relação larga e profunda. O investimento chileno no Brasil é de US$ 35 bilhões. O brasileiro no Chile é de US$ 4,5 bilhões e esperamos que cresça. Nós vemos a relação com o Brasil com uma perspectiva de médio e longo prazos. Gostaríamos de criar com a chancelaria brasileira um grupo de avanços estratégicos que pense a relação até 2040. As visitas presidenciais são interessantes porque mobilizam as agendas da chancelaria. E nós gostaríamos de aproveitar a presidência pró-tempore do Brasil no Mercosul e a do Chile na Aliança do Pacífico para acelerar nesse campo temas de relevância.
O Mercosul e o Brasil fecharam um acordo com a União Europeia. O senhor mencionou a Aliança do Pacífico. Como o Chile pode aproximar esses três blocos?
O Chile pode servir como um país que viveu essa experiência. Se alguém precisa de um prognóstico da relação com os Estados Europeus tem de olhar o Chile, seu comércio e como conseguiu elevar o padrão de vida de seus habitantes. Hoje temos um PIB per capita de US$ 24 mil, mais alto do que em outros países. Olhar para o Chile é olhar um país que há muito tempo optou pela abertura comercial. Uma abertura que o Brasil tomou como um de seus desafios e está levando consigo para outros países. O exemplo chileno tem de ser olhado com os pontos positivos e negativos. A virtude é compartilhar experiências.
O presidente Piñera esteve recentemente na cúpula do G-7, na França, e atuou como intermediário entre os líderes ocidentais e a América do Sul e o Brasil no tema meio ambiente. De que forma o Chile pode ajudar o Brasil neste tema?
Primeiro, nós acreditamos que é possível conciliar a defesa do meio ambiente com a soberania. Isso é absolutamente conciliável. A soberania acarreta o exercício das responsabilidades no cuidado ao meio ambiente. Quem cuida melhor do meio ambiente que seus próprios donos? Portanto, temos de conscientizar a opinião pública e internamente de que a preservação do meio ambiente é uma parte essencial do exercício da soberania. Diante disso, o que o presidente Piñera tem feito é buscar conciliar posições. Fez isso no G-7, com países que fazem parte da Amazônia e viam de uma certa maneira um questionamento a sua soberania. O mundo não nasceu com uma floresta só. Nasceu com várias Amazônias em diversos continentes. E, sendo esse um desafio universal, não pode acontecer de alguns países adotarem uma posição e outros países adotarem outras. Isso é um desafio universal. Todos os países devem fazer um esforço e não apontar o dedo a outros.
Em relação à Venezuela, o que se pode fazer para sair do impasse atual?
Temos trocado pontos de vista sobre a crise. A situação é um atentado aos direitos humanos e uma ruptura democrática. E é um tema que é um problema hemisférico. No Chile, temos 400 mil venezuelanos para 20 milhões de habitantes. Imagine o Brasil com 4 milhões de pessoas em um ano. A solução da crise tem de ser pacífica, democrática e com o retorno de parte dos refugiados. A continuação do problema pode provocar um fluxo ainda maior de refugiados. Seria uma cifra quase possível de absorver.
Impasse sobre apoio a Lula provoca racha na bancada evangélica
Símbolo da autonomia do BC, Campos Neto se despede com expectativa de aceleração nos juros
Eleição de novo líder divide a bancada evangélica; ouça o podcast
Eleição para juízes na Bolívia deve manter Justiça nas mãos da esquerda, avalia especialista