Em março, quando o secretário de Estado Mike Pompeo se sentou para a entrevista com o Christian Broadcasting Network em um hotel de Jerusalém, comentou que aquela conversa talvez fosse a mais reveladora desde que assumiu o cargo, há quase um ano.
Evangélico, tinha acabado de voltar de um passeio pela Igreja do Santo Sepulcro, construída no local onde dizem que Jesus foi crucificado e enterrado, e pelos túneis sob o Muro das Lamentações, o local mais sagrado do judaísmo. O entrevistador começou falando da história bíblica da rainha que salvou os judeus de serem mortos por um oficial persa e engatou a pergunta: "O senhor acha que Donald Trump ascendeu para uma ocasião como essa, como a rainha Ester, para ajudar a salvar o povo judeu da ameaça iraniana?"
"Como cristão, acho perfeitamente possível. Foi inacreditável caminhar por túneis onde se veem três mil, dois mil anos de história, pensar no caminho que a fé percorreu aqui, e no trabalho que nossa administração tem feito para garantir que esta democracia no Oriente Médio, este Estado judeu continue. Tenho certeza de que o Senhor atua aqui", respondeu ele.
Os brancos evangélicos são uma força poderosa no Partido Republicano; o vice-presidente Mike Pence é religioso fervoroso, como também o ex-presidente George W. Bush. Entretanto, nenhum secretário de Estado nas últimas décadas foi tão aberto e veemente quanto Pompeo ao discutir religião e política externa no mesmo fôlego, o que vem levantando altas dúvidas sobre até que ponto a crença evangélica vem influenciado a diplomacia norte-americana.
Eleitorado evangélico
Em um discurso recente na conferência anual do Comitê Israelense e Norte-Americano de Questões Públicas, grupo pró-Israel, ele contou a história de Tibor Baranski, um cristão que salvou três mil judeus na Hungria durante a Segunda Guerra Mundial, e disse: "Como secretário de Estado e cristão, tenho orgulho de liderar a diplomacia norte-americana no apoio ao direito de Israel de se defender."
No dia seguinte, anunciou uma expansão das políticas antiaborto do governo Trump, dizendo que os EUA iam parar de injetar fundos em organizações estrangeiras que apoiam grupos que fazem abortos; a política é popular entre os conservadores, católicos e evangélicos.
Embora Trump seja secular, os brancos evangélicos compõem a maior parte de seu eleitorado, e algumas de suas decisões mais importantes em matéria de política externa, planejadas ou apoiadas por Pompeo, têm como objetivo angariar esse apoio político. E os exemplos mais flagrantes disso envolvem Israel: quando Trump decidiu transferir a embaixada de seu país de Tel Aviv para Jerusalém, os evangélicos aplaudiram.
Vários estudos mostram que há bem mais probabilidades de o branco evangélico acreditar que Israel cumpre uma profecia bíblica do que outros norte-americanos. Conhecidos como cristãos sionistas, creem que Deus prometeu a terra aos judeus e que a reunião deles em Israel é anunciada na profecia do arrebatamento, isto é, a ascensão dos cristãos ao reino divino.
Pompeo já mencionou o conceito. "Continuaremos a enfrentar essas batalhas, porque é uma luta incessante até o arrebatamento", disse ele no "God and Country Rally" de 2015; na igreja Summit de Wichita, no Kansas, ele pediu: "Façam parte dessa luta."
Em novembro, disse a um repórter da "The New York Times Magazine" que a Bíblia "é a base" de tudo que faz. E, realmente, o jornalista notou o livro sagrado aberto em seu gabinete, com um canivete suíço marcando o fim do Livro de Ester.
Pompeo, de 55 anos, se tornou evangélico dedicado na Academia Militar dos EUA, onde fazia parte de um grupo de estudos bíblicos. Depois de se mudar para o Kansas, virou membro da Igreja Presbiteriana Eastminster, em Wichita, afiliada à Igreja Presbiteriana Evangélica, relativamente conservadora.
O Departamento de Estado não respondeu às nossas perguntas sobre a combinação da crença religiosa de Pompeo e suas políticas.
Apoio à Israel
Os evangélicos norte-americanos que apoiaram a decisão presidencial de transferir a embaixada também gostaram da ideia de Israel incorporar a Cisjordânia, parcial ou totalmente. Depois de Trump reconhecer formalmente a soberania israelense sobre as Colinas de Golã em encontro com Benjamin Netanyahu, muitos conservadores daquele país têm esperança de que a anexação seja apenas questão de tempo.
E há também o teor do plano de paz Israel-Palestina, idealizado por Jared Kushner, assessor e genro de Trump, e o que recomendará para os territórios disputados de Jerusalém e da Cisjordânia.
Para Martin Indyk, ex-assistente do departamento para questões do Oriente Próximo, é pouco provável que as negociações envolvam alguma proposta de cessão de quaisquer territórios ocupados pelos israelenses na Cisjordânia aos palestinos ou um caminho para a soberania palestina por causa da influência evangélica no governo Trump.
"Na visão dos evangélicos, essa é a terra que Deus deu aos judeus, ou seja, eles se opõem veementemente a qualquer concessão territorial. Se houver qualquer coisa nesse sentido, a oposição do pessoal mais religioso será imediata e intensa", resume.
Em outros locais do Oriente Médio, Pompeo também fez questão de deixar clara sua crença. No início de um discurso que fez em janeiro no Cairo, disse que, para ele, a viagem foi "especialmente significativa" pelo fato de, "como um cristão evangélico, chegar ali logo depois da comemoração do Natal dos coptas. Deixo a Bíblia aberta no meu gabinete para ter sempre Deus, Sua palavra e a verdade em mente".
Para os observadores, é inacreditável que um secretário de Estado abra um discurso em um país de maioria muçulmana destacando sua fé cristã; vários críticos também já mencionaram o fato de Pompeo, antes de ocupar o cargo atual, ter feito afirmações do tipo "nós contra eles" entre cristãos e islâmicos ao falar de terrorismo e guerra. Por outro lado, ele também defendeu os direitos dos muçulmanos oprimidos em alguns países asiáticos, citando liberdade religiosa.
Criticou Mianmar pela limpeza étnica dos rohingya, embora tenha se negado a descrevê-la como genocídio, além de denunciar a China pela detenção de mais de um milhão de islâmicos.
Horas antes de embarcar para um giro por Kuwait, Israel e Líbano, Pompeo participou de uma videoconferência oficial apenas com agências da "imprensa da fé", da qual ficaram de fora os jornalistas que normalmente cobrem o departamento.
Embora duramente criticado pela decisão, tanto o secretário como sua agência se negaram a dizer quem participou da ligação e a divulgar a transcrição.
A deputada democrata pela Pensilvânia Susan Wild disse a Pompeo, durante uma audiência no Congresso, que sua atitude "levantava temores sobre a violação da Primeira Emenda"; o secretário, por sua vez, afirmou que a modalidade não era em nada diferente das entrevistas seletivas. E acrescentou: "Repetirei a dose se assim o desejar."
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