Os homens de Shejaiya ainda vêm todos os dias para vigiar as ruínas desoladas de sua vizinhança, bebendo chá e jogando xadrez. Porém hoje, também há grupos de trabalhadores de construção nas estradas de terra de Shejaiya, finalmente colocando cimento novo nas fundações e pregando tábuas.

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Fouad Harara, de 56 anos, chega em sua casa na Rua Montar antes das 6h para comparar o trabalho que foi feito no dia anterior ao desenho de seu maço espesso de plantas de engenharia. Ele volta no meio do dia com frango e arroz para os dez homens que, nas últimas quatro semanas, estão completando o chão de blocos de concreto onde Harara espera reabrir sua loja de serviços elétricos e levantar colunas para o segundo dos sete andares que estão nas plantas.

“ Exatamente do jeito que era”, conta Harara sobre a construção que vai repor a casa que ergueu em 1993, uma das centenas derrubadas pelos ataques israelenses em Shejaiya, bairro de Gaza que fica na fronteira, durante a guerra do verão passado. “Eu vivia confortavelmente aqui. Perdemos tudo, mas ainda está na minha memória”.

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Mais de um ano depois que as hostilidades na Faixa de Gaza entre os militantes de Israel e Palestina pararam em 26 de agosto de 2014, nenhuma das quase 18 mil casas destruídas ou severamente prejudicadas em Gaza está habitável. Cerca de 12% dos seus donos conseguiram aprovação para reconstruir do complexo Mecanismo de Reconstrução de Gaza, criado pelas Nações Unidas, Israel e a Autoridade Palestina, mas menos de 4% já começaram a comprar cimento e outros materiais.

Impasses para reconstrução

Os envolvidos no processo e grupos de defesa atribuem a demora a uma briga política interna na Palestina, ao envolvimento de Israel na aprovação dos projetos e dos participantes e à falta de fundos. No fim do ano passado, doadores internacionais mandaram cerca de US$349 milhões, dos US$2,5 bilhões pedidos para a reconstrução de Gaza, e grande parte desse valor foi gasto na remoção de escombros, em alojamento temporário para 100 mil pessoas ou em reparos menores.

Oficiais de Israel, da Palestina e das Nações Unidas sabem que o mercado negro de Gaza sofreu uma inundação de cimento, com parte dele indo parar sem dúvida nas redes de túneis subterrâneos — exatamente o que o sistema de monitoramento está tentando evitar.

“Sabemos e acreditamos que parte disso vai para os lugares errados”, afirma o major

Adam Avidan, a principal pessoa de Israel no Mecanismo. A certa altura, 18 dos 30 beneficiários compraram toda a sua necessidade de cimento e “no mesmo dia o venderam no mercado negro. Eles não construíram suas casas”.

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Cerca de 37 mil toneladas de cimento estão guardadas nos armazéns de Gaza, perto ou já fora de sua data de validade para os projetos.

Mofeed M. Al Hassaina, ministro da Habitação e de Serviços Públicos que fica em Gaza, estava em Shejaiya em 23 de julho quando Harara ficou entre os primeiros donos a começar a reconstruir, cercado pelos cliques das câmeras. Mas Hassaina afirma ter medo de voltar ao bairro e recusou um convite para a inauguração de uma escola depois de três dias de protestos de moradores na porta de seu escritório.

“Não posso ir até lá porque eles estão bravos. Talvez estejam nos xingando e gritando comigo porque andam frustrados com suas vidas”.

Grupos da sociedade civil da Palestina fizeram uma petição em agosto pedindo o fim do Mecanismo de Reconstrução, dizendo que o acesso de Israel à base de dados de casas destruídas e seu papel na revisão das inscrições só arraigou seu controle sobre Gaza, uma posição que encontra eco em um relatório publicado recentemente pelo Gisha, um grupo israelense que promove liberdade de movimentos para os palestinos.

Mas Hassaina, outros líderes palestinos e representantes das Nações Unidas disseram que Israel fez sua parte em um período de tempo razoável e que permitiu a entrada de cimento em Gaza. O problema principal, segundo eles, são os cofres vazios.

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“Agora temos dois mil nomes que foram aprovados por Israel, eles mandam material, mas onde está o dinheiro?”,pergunta Hassaina.

O Catar forneceu US$ 6 milhões de um pedido de US$ 50 milhões para reconstruir mil casas, explica ele, e o “Kuwait prometeu US$ 75 milhões, mas não recebemos nada ainda”.

Falta de plano

Outros reclamam que a reconstrução está sendo feita de maneira fragmentada, sem um plano de desenvolvimento geral incluindo infraestrutura para vizinhanças como Shejaiya ou mudanças estruturais na economia para resolver a questão do desemprego em Gaza, que está acima dos 40%. O mecanismo esperava ir além da reconstrução das casas destruídas no ano passado para resolver a falta de 85 mil moradias que Gaza tinha antes da guerra.

“Voltar à situação de junho de 2014 não é ok. Longe disso, seria condenar Gaza a mais miséria”, afirma Robert Piper, vice-coordenador especial para o processo de paz. “O desastre em potencial é que não nos movemos rápido o suficiente no software, planejando e coordenando”.

Piper e Bashir Rayyes, coordenador da Autoridade Palestina para a reconstrução de Gaza, diz que o foco nas moradias destruídas foi muito mesquinho. Cerca de 78 mil famílias de Gaza receberam dinheiro para reformar casas que tiveram prejuízos pequenos ou moderados, mas muitos deles revenderam o cimento por três vezes mais do que os 250 siclos, cerca de US$135, por tonelada recomendado pelo Mecanismo.

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Hassaina, o ministro de Serviços Públicos, diz que 455 toneladas de escombros foram removidas; mas ainda há 1,5 milhões de toneladas no local. De acordo com o site do Mecanismo, 115 projetos maiores, como escolas, hospitais e estradas estão sendo construídos, 15 foram terminados e 237 estão na fila de aprovação. Rayyes afirma que 95% da rede elétrica de Gaza e do suprimento de água foram restaurados.

Harara tem uma fotografia de sua casa antiga pregada na tenda que montou depois que a guerra acabou, onde passa todos os dias. A imagem mostra uma castanheira florescente, que ele afirma ter sido derrubada pelas bombas de Israel.

A alguns metros dali, galhos verdes saem do chão, uma parte da árvore aparentemente está revivendo.

“Somos a mesma coisa: nossas casas e nós mesmos”, afirma o irmão de Harara, Abed, de 53 anos. “Não morremos. Nossas raízes são como as dessa árvore.”

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