Enfrentando uma manhã fria de inverno, milhões de zimbabuanos foram às urnas para votar em seu próximo presidente nesta segunda-feira (30). Esta é a primeira eleição desde 1980 que não apresenta o nome de Robert Mugabe na cédula de voto, sendo amplamente vista como uma oportunidade para o Zimbábue embarcar em um caminho diferente, mais em sintonia com uma região democratizada e com uma economia globalizada, a exemplo da vizinha África do Sul.
Mais de 5,6 milhões de pessoas se inscreveram para participar da eleição que, além de escolher o presidente, vai eleger 270 membros para a Assembleia Legislativa, 60 para o Senado e representantes de governos locais. Atualmente o Frente Patriótica Nacional-União Africana do Zimbábue (Zanu-PF), partido fundado pelo Mugabe, controla 196 assentos da Assembleia e 57 no Senado.
O resultado das eleições deve ser divulgado até sábado (4). Segundo pesquisas de intenção de voto, é provável que haja segundo turno entre os principais candidatos em 8 de setembro.
Os principais candidatos
A competição está acirrada entre dois nomes: Emmerson Mnangagwa e Nelson Chamisa. Ambos prometeram as mesmas coisas básicas: investimento estrangeiro, empregos e dignidade. Mas suas origens imensamente diferentes revelam um apelo bem distinto.
Mnangagwa, 75 anos, é membro da velha guarda do partido que há anos ocupa o poder, o Zanu-PF. Como Mugabe, ele participou na luta de libertação do Zimbábue contra o domínio branco na década de 1970. Serviu por décadas no gabinete de Mugabe e é acusado de estar intimamente envolvido em alguns de seus piores abusos de poder, incluindo um genocídio nos anos 80, repressão às eleições e violência política frequentemente brutal.
Com a popularidade de Mugabe e a economia em decadência, Mnangagwa colaborou com os militares para forçar o ex-líder a renunciar em novembro do ano passado. Com isso, ele se tornou presidente e, embora tenha falado que é capaz de transformar o Zimbábue, o que ele poderia garantir é uma mudança gradual.
Chamisa, 40 anos, era criança quando o Zimbábue conquistou a independência. Em 1999, liderou protestos anti-Mugabe e depois se juntou ao Movimento pela Mudança Democrática (MDC), que se tornou o principal partido de oposição do Zimbábue. Chamisa rapidamente conquistou espaço dentro do partido e se tornou o presidente da sigla quando seu líder de longa data morreu de câncer em fevereiro. O MDC, mesmo com poucos recursos, conseguiu atrair multidões para seus comícios - algo que antes era impensável para o partido. Se for eleito, Chamisa será o presidente mais jovem da África.
Ambos os homens atraíram um apoio fervoroso, beirando a militância. Enquanto os apoiadores de Mnangagwa geralmente mostravam confiança, os de Chamisa estavam cheios de desejo, já que muitos deles são jovens e desempregados.
Há anos o Zimbábue está em uma difícil situação econômica: a inflação astronômica levou Mugabe a abandonar a moeda nacional em 2009 pelo dólar americano, que é muito escasso no país; e pelo menos um milhão de zimbabuanos migraram para a vizinha África do Sul em busca de trabalho.
Eleições justas?
Depois de quase duas décadas de turbulência política, uma eleição confiável ajudaria a fornecer à nação do sul da África algo sólido para que possa começar a reconstruir sua reputação internacional e sua economia.
Esta é a primeira vez desde 2000 que observadores eleitorais internacionais estão no Zimbábue - naquele ano Mugabe os expulsou por que eles perceberam interferência do governo durante o pleito. Entretanto, um selo de aprovação de observadores internacionais para este pleito é improvável. O período pré-eleitoral tem mostrado melhorias em relação aos anos anteriores e há sinais claros de maior liberdade de expressão, mas há resquícios do sistema autoritário instaurado por Mugabe e pesquisas mostram que a confiança na credibilidade das eleições é altamente polarizada.
"Chega uma época em que um país tem a oportunidade de sair do passado", disse Ellen Johnson-Sirleaf, ganhadora do Prêmio Nobel da Paz, ex-presidente da Libéria e principal observadora do Instituto Republicano Internacional, com sede nos EUA. "Apenas uma eleição bastante livre pode fornecer isso. No Zimbábue, e na África, isso é desesperadamente necessário".
Na segunda-feira de manhã, foram poucos os relatos de irregularidades, embora grupos da oposição e de direitos civis tenham documentado intimidação generalizada e compra de votos.
A desconfiança quanto à legitimidade da eleição pode desencadear a violência. Chamisa já alegou que a votação não é credível e que a comissão eleitoral independente está agindo em nome do partido que ocupa o poder. Ele chegou a afirmar que seus apoiadores "sabem o que fazer" se Mnangagwa vencer.
Mugabe contra o próprio partido
Neste domingo Mugabe falou sobre as eleições pela primeira vez. Em uma coletiva de imprensa ele denunciou o Zanu-PF, que ele mesmo fundou, e sugeriu que votaria em Chamisa.
"Afaste os hipócritas", disse Mugabe, sentado em uma poltrona verde. "Que amanhã seja a voz do povo dizendo que nunca mais iremos experimentar um período em que o exército é usado para colocar uma pessoa no poder”, referindo-se à sua renúncia forçada em novembro do ano passado.
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"O que resta? É apenas Chamisa", complementou.
Aproveitando a declaração, Mnangagwa divulgou um vídeo afirmando que Mugabe e Chamisa tinham "forjado um acordo". Tanto Mugabe quanto Chamisa negaram que tivessem conversado.
"Devo dizer muito claramente que não posso votar naqueles que me atormentaram", disse Mugabe sobre os atuais líderes do Zanu-PF.
Mugabe e sua esposa, Grace, quem ele cogitou como sua sucessora, estão reclusos desde novembro, em sua mansão fora da capital, Harare, conhecida como Blue Roof. O antigo ditador ganha uma pensão de US$ 467 mil ao ano - um zimbabuano ganha, em média, menos de US$ 2 mil.
A crítica de Mugabe à intervenção militar na política pode parecer um pouco hipócrita. Os militares e o ZANU-PF sempre estiveram intimamente ligados: generais se tornaram ministros e houve forte presença do exército nas urnas em eleições anteriores. Em 2008, Mugabe perdeu o primeiro turno de uma eleição para o candidato do MDC. Nas semanas entre o segundo turno e o segundo turno, mais de 200 partidários da oposição foram mortos e milhares, incluindo jornalistas, presos. Naquele ano, ele acabou sendo reeleito.