De um lado, na missa oficial, aplausos de militares e choro de familiares. De outro, a poucos quilômetros de distância, centenas de civis gritando palavras de ordem contra o ex-presidente -e até um caixão vazio queimado, símbolo do ódio das vítimas dos 17 anos de ditadura. A última despedida de Augusto Pinochet dividiu novamente o Chile. O funeral do ex-ditador terminou às 13h35 (14h35 no horário de Brasília) desta terça-feira (12).
Os restos de Pinochet serão trasladados de helicóptero para o local de cremação. Posteriormente, as cinzas serão entregues à família, que as levará para a propriedade de Los Boldos, na costa central chilena, lugar favorito de Pinochet para passar o verão, informou a agência France Presse.
A missa oficial começou pontualmente às 11h locais (12h pelo horário de Brasília) com um coro de religiosos. Dezenas de autoridades militares participaram do evento.
Em discurso no funeral, a filha mais velha de Pinochet, Lucía Pinochet Hiriart, criticou a imprensa internacional por mostrar uma imagem errônea do ex-general. Lucía disse que seu pai acendeu a chama da liberdade quando liderou o violento golpe militar que derrubou o socialista Salvador Allende.
"A imprensa internacional não compreende como centenas de milhares de compatriotas sem pressão são capazes de mostrar seu agradecimento e afeto por quem a imprensa classifica nos piores termos e epítetos com que se possa referir a um ser humano", afirmou ela, recebendo os aplausos dos mais de 3 mil convidados presentes na cremação.
Antes de sua intervenção, um dos netos do ex-ditador, vestido com seu uniforme de cadete do Exército, também fez um inflamado discurso.
Augusto Pinochet Neto disse que "em plena Guerra Fria seu avô foi capaz de derrubar pelas armas o governo marxista de Salvador Allende, entregou um país estável e próspero e, quando deixou o poder, sofreu por causa de juízes que só queriam aparecer".
O neto do ex-ditador terminou o discurso com um "Viva o Chile!", tal como Pinochet costumava fazer quando falava em público.
Outros netos de Pinochet, Rodrigo García e María José Martínez, também falaram na cerimônia, mas não abordaram temas políticos, preferindo destacar as qualidades do ex-ditador como pessoa.
Sem honras de Estado
Pinochet não recebeu honras de Estado em seu funeral. E só um integrante do atual governo federal foi designado para participar da cerimônia oficial, a ministra da Defesa chilena, Vivianne Blanlot.
A decisão foi da presidente Michelle Bachelet, ela própria uma das vítimas da ditadura que deixou cerca de 3.200 mortos e desaparecidos, segundo entidades de direitos humanos. Ela argumentou que fazia isso pelo "bem do país" e a unidade dos chilenos.
Cerca de 60 mil pessoas passaram pela Escola Militar para ver o caixão, desde a manhã de ontem. O enviado especial do G1 a Santiago, Pablo López Guelli, esteve lá e descreve aqui como era o clima no local nesta segunda-feira.
Segundo a agência Efe, a ministra da Defesa chilena foi recebida com insultos por partidários do ex-ditador, que morreu no domingo.
"Que se vá, que se vá", pediram os simpatizantes do ex-ditador, quando a ministra entrou no recinto para onde o corpo do ex-governante foi levado para receber as honras militares programados pelo Exército do Chile. A ministra da Defesa não cumprimentou a viúva de Pinochet, Lucía Hiriart, nem seus filhos, e sentou cercada por chefes militares.
No mesmo momento em que os militares se despediam do ex-general que comandou o país por 17 anos, centenas de pessoas participavam de uma manifestação organizada pelo Partido Comunista (que tem pouca representação política no Chile), na Praça da Constituição. Mas lá as bandeiras e faixas mostravam que o ex-ditador deixou más lembranças.
O momento mais forte desse protesto aconteceu ao meio-dia (13h no Brasil), quando os manifestantes queimaram um caixão vazio para simbolizar seu ódio ao ex-general.
Entre as mil pessoas, segundo a polícia, que participam desse ato está Viviana Dias, uma atuante defensora dos direitos humanos. "Mesmo com a morte de Pinochet as investigações devem continuar, porque há mais pessoas envolvidas nos casos de morte e tortura."
O pai de Viviana foi preso em maio de 1976 e torturado até a morte. Oficialmente, foi considerado um desaparecido. "Estamos aqui para que crimes da ditadura não sejam esquecidas", disse ela ao enviado especial do G1, que acompanhou a manifestação civil.
Os manifestantes usaram vários gritos de guerra: "É o Carnaval. É o Carnaval. Morreu um criminoso!", "Justiça e verdade. Não à impunidade", e "Lucía, sua ladra, devolva o dinheiro", uma referência às acusações de desvio de verbas que cercam Pinochet e poderiam beneficiar seus familiares.
Nova polêmica
Nem mesmo morto e cremado o ex-ditador conseguirá descansar em paz no Chile. Suas cinzas foram motivo de polêmica antes mesmo de o corpo deixar a Escola Militar, onde foram realizadas as missas que deram início ao seu funeral oficial nesta terça-feira (12).
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