Numa ação que cria novas dúvidas sobre a conturbada transição democrática no país, a Junta Militar do Egito assumiu ontem o Poder Legislativo, depois que a Suprema Corte decretou a dissolução do Parlamento.
A decisão, às vésperas do 2.º turno da eleição presidencial, que começa amanhã, agrava o clima de confronto e polariza ainda mais o país entre islamitas e as forças do antigo regime.
Revoltados com o que consideraram um golpe para perpetuar a ditadura militar, manifestantes entraram em choque com forças de segurança em frente à corte.
À noite, centenas de pessoas se reuniram na Praça Tahrir, epicentro dos protestos que levaram à queda de Hosni Mubarak, produzindo uma cacofonia de angústia e frustração.
"Foi mais um golpe dos militares", dizia o contador Samy Hamdi, 28 anos, em um dos muitos grupos de discussão formados na praça. "Nosso maior erro foi não ter ficado na Tahrir até que os militares deixassem o poder. A revolução agora recomeça do zero."
O Supremo Tribunal Constitucional (corte máxima do país) justificou a dissolução do Parlamento afirmando que as eleições legislativas do início do ano, em que partidos islamitas conquista ram 70% das cadeiras, foram inconstitucionais.
A alegação é que houve violação da regra eleitoral de que um terço das cadeiras deveriam ter sido ocupadas por candidatos independentes. Na prática, boa parte deles era filiada à coligação da Irmandade Muçulmana.
O Parlamento dissolvido era responsável por escrever uma nova Constituição, que agora também tem futuro incerto.
Em outra decisão que enfureceu os manifestantes, a corte aprovou a candidatura presidencial de Ahmed Shafiq, último premiê de Mubarak, rejeitando a lei que bania membros do antigo regime da política por dez anos.
Após sair de décadas na ilegalidade e conquistar quase metade do Legislativo, tornando-se a principal força política do país, a Irmandade vê seu poder ameaçado.
"O país entra num túnel escuro, pois o próximo presidente assumirá sem Parlamento ou Constituição", disse o vice-presidente da Irmandade, Essam el Erian. Apesar da frustração, o candidato da Irmandade, Mohamed Mursi, disse que irá respeitar a decisão.
"A decisão lembra a Argélia de 1991", disse o historiador Khaled Fahmy, em referência ao golpe militar que impediu a chegada ao poder dos islamitas. A Junta Militar do Egito confirmou que o segundo turno das eleições presidenciais serão realizadas amanhã e domingo, tal como estava previsto.
ReviravoltaJunta militar põe em suspenso a revolução egípcia
O que aconteceu?
Fato: A Suprema Corte Constitucional egípcia invalidou a formação atual do Parlamento, liderado por islamitas.
Justificativa: A corte afirma que houve irregularidade nas eleições parlamentares. Um terço das cadeiras deveria ser ocupado por candidatos independentes; na prática, boa parte desses candidatos é filiada à coalizão liderada pela Irmandade Muçulmana.
Reação: A oposição diz que houve um golpe militar no país, com decisões que desfavorecem a Irmandade Muçulmana e privilegiam o antigo regime.
Em aberto
Questões que ainda carecem de resposta:
Quando será a próxima eleição parlamentar?
Como fica o Comitê que vai redigir a nova Constituição?
Haverá violência após a decisão de hoje?
Que tipo de poderes terá o presidente eleito no final de semana?
Cronologia
Fev.2011 Ditador Hosni Mubarak renuncia, após protestos em massa nas ruas
Mar Egípcios aprovam reformas constitucionais, abrindo caminho para eleições
Ago Mubarak vai a julgamento no Cairo pela repressão das manifestações
Nov Início das eleições parlamentares
Jan.2012 Partidos islamitas elegem maioria para o Parlamento
Mai Primeiro turno das eleições presidenciais tem como vencedores Mohamed Mursi, da Irmandade Muçulmana, e Ahmed Shafiq, ex-premiê de Mubarak
Jun Corte sentencia Mubarak à prisão perpétua