Um relatório do Human Rights Watch em parceria com a ONG Foro Penal, lançado nesta quarta-feira (9), mostra que os serviços de inteligência e as forças de segurança venezuelanas prenderam e torturaram militares e seus familiares acusados de "conspirar contra o governo".
O documento diz que os oficiais detidos sofreram tortura enquanto eram questionados para obter informações sobre supostas conspirações contra a ditadura de Nicolás Maduro. As ações contra os militares estariam sendo levadas adiante pela Direção Geral de Contra-Inteligência Militar (DGCIM) e pelo Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (Sebin).
Uma das pesquisadoras responsáveis pelo trabalho, Tamara Taraciuk, disse à reportagem que o estudo permite ver que dentro das Forças Armadas já há integrantes que sentem a crise do país do mesmo modo que a população civil.
"Os de alta patente continuam recebendo benefícios, e por isso seguem fiéis a Maduro. Mas os de médio ou baixo escalão nos contam que estão perdendo peso, que não ganham para alimentar a família, ou seja, começam a pensar em algum tipo de rebelião ou em deixar o país".
O diretor do HRW para as Américas, José Miguel Vivanco, qualificou a ação da ditadura venezuelana contra esses militares de "brutal".
O relatório se baseia em 32 de casos de pessoas, militares de distintas patentes ou seus familiares que teriam sido vítimas desses abusos. Entre os recursos de tortura usados estariam golpes, tentativas de asfixia, descargas elétricas, privação de comida e de acesso a banheiros.
A ditadura classifica os delitos dos militares presos como "traição" e "estímulo à rebelião". Segundo advogados das vítimas, porém, na maioria dos casos as acusações são feitas sem a apresentação de evidências.
O documento ainda acrescenta que as mesmas acusações e prisões com tortura estariam sendo praticadas contra oficiais da Guarda Nacional Bolivariana e contra policiais considerados insubordinados ou suspeitos de participar em tentativas de desestabilizar o regime.
Vítimas
Entre os casos analisados está o do cirurgião José Alberto Marulanda Bedoya, de 53 anos, que foi sequestrado por não querer informar onde estava sua mulher, a sargento do Exército Emmy Mirella da Costa Venegas, acusada de participar de uma conspiração contra o governo. Segundo seu relato, levou socos no estômago e golpes com barra de metal. Disse ter perdido a audição em um dos ouvidos.
Detido em maio, Marulanda segue na prisão militar de Ramo Verde. A acusação é que, junto à mulher, ele havia se encontrado com oficiais do Exército colombiano para planejar ações contra Maduro.
Outro caso é o de Juan Antonio Gómez, 46, que foi sequestrado em sua casa em janeiro do ano passado, diante da filha de sete anos. Goméz é taxista e foi acusado de ter ajudado o policial Oscar Pérez – que sequestrou um helicóptero e teria tentado atacar o Tribunal de Justiça de Caracas –, que terminou sendo abatido pelo Exército.
Em outubro do ano passado, foram libertados depois de quatro anos de prisão, os dois primeiros-tenentes Luis Hernando Lugo Calderón, 33, e Carlos José Esqueda Martínez, 32. Eles foram julgados por um tribunal militar e acusados de fazer parte de uma tentativa de golpe em 2015.
Pressão internacional
O HRW pediu ao governo venezuelano resposta sobre esses delitos, mas não obteve retorno. Desde 2014, quando começaram de modo mais intenso os protestos contra Maduro, mais de 12.800 pessoas foram presas, segundo o Foro Penal. Destes, 7.500 foram liberados, mas seguiram sob vigilância ou com a liberdade restrita. E, desde 2017, a Justiça militar já processou mais de 800 civis, algo que contraria tratados internacionais.
Em setembro, foi encaminhado por seis países da região um pedido à Corte Penal Internacional para que investigue os abusos de direitos humanos no país. Ainda estão sendo estudados os parâmetros para a investigação.
Para Taraciuk, o posicionamento do Grupo de Lima tem sido muito importante, e que se espera do Brasil "que siga ativo nas determinações que o último documento dos países membros anunciou." Entre elas, a pesquisadora dá ênfase à importância de congelar ativos e de não permitir a entrada em seu território de funcionários e políticos ligados à ditadura. Apesar de assinado por 13 países, porém, apenas o Peru e a Argentina já anunciaram que essas regras entrarão em vigor rapidamente.