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Forças militares prenderam o primeiro-ministro do Sudão, Abdalla Hamdok, a maioria dos membros do seu gabinete e vários líderes civis nesta segunda-feira (25), segundo o Ministério da Informação. Hamdok foi transferido para um local não revelado. Milhares de sudaneses saíram às ruas das maiores cidades do país protestar contra o golpe de Estado, e pelo menos três pessoas morreram após teres sido baleadas durante os atos.
A tomada de poder pelos militares ameaça os esforços de transição democrática no país, dois anos após o ditador Omar al-Bashir ser retirado do poder. Os militares deveriam transferir a liderança do país, compartilhada entre civis e militares, para uma administração civil no mês que vem.
O tentente-general Abdel Fattah al-Burhan, chefe do conselho de transição do país, órgão que deveria preparar o Sudão para eleições em 2022, anunciou a dissolução do governo de transição e do conselho soberano, declarando estado de emergência nacional.
"Afirmamos que as Forças Armadas continuam pelo caminho da transição democrática, até a entrega da liderança do país para um governo civil eleito que alcance os desejos do povo sudanês", afirmou o líder do Conselho Soberano.
Além disso, Al Burhan prometeu que seguirão sendo buscados os objetivos estabelecidos no documento constitucional vigente no país, que fixa a data de realização das eleições para a escolha do novo governo nacional. "Trabalhamos todos, a partir de hoje até as eleições gerais de julho de 2023", garantiu o general.
De acordo com o líder do Conselho Soberano, até que o pleito aconteça, um "governo de figuras nacionais independentes, com uma representação justa de todos os sudaneses", assumirá o poder.
Al Burhan justificou os fatos das últimas horas pelo "conflito e divisão" que existe entre os componentes dos órgãos do Executivo de transição, que, segundo ele "representavam um perigo iminente, que ameaçava a segurança da pátria". Por causa disso, afirmou que era necessário "corrigir a trajetória da revolução".
Mortes em protestos e internet cortada
Pouco antes de ser preso, Hamdok pediu que a população "ocupasse as ruas" para "defender a revolução". Em resposta, milhares de cidadãos saíram às ruas de Cartum e Omdurman para protestar.
Os serviços de internet foram cortados no país, relata a imprensa internacional, enquanto os manifestantes queimam pneus para protestar contra as prisões.
Militares uniformizados bloquearam ruas da capital e da cidade vizinha de Omburman, enquanto a televisão estatal transmitia canções patrióticas.
O Ministério da Informação disse hoje que membros das Forças Armadas atiraram contra os manifestantes "com balas reais" no centro da capital sudanesa.
"Se confirmou a morte de um terceiro mártir, por disparos das forças do conselho militar golpista", informou pelo Facebook o Comitê Central de Médicos do Sudão, que ainda indicou o registro de mais de 80 feridos até o momento.
A organização, que desde a revolução de dois anos atrás atende os manifestantes e contabiliza as vítimas da violência, indicou que ainda está checando as informações de todos os que precisaram de amparo e daqueles que morreram hoje.
A Associação de Profissionais do Sudão, que liderou os protestos durante a convulsão social de 2019, alertou os manifestantes que os militares estão tentando retirar as barricadas em várias partes do país, para facilitar a movimentação e "continuar a campanha de detenções".
"Advertimos as revolucionárias e os revolucionários que evitem os confrontos com estes criminosos", indica comunicado publicado pela organização no Facebook.
Executivo responsabiliza militares por consequências do golpe
O governo do Sudão responsabilizou os militares do país pelas eventuais consequências do golpe de Estado ocorrido nas últimas horas, que o Executivo indica ter sido responsabilidade das Forças Armadas.
"Os líderes militares do Estado sudanês têm plena responsabilidade pela vida e segurança do primeiro-ministro, Abdalla Hamdok, e de sua família. Estes líderes têm responsabilidade pelas consequências penais, legais e políticas das decisões unilaterais que tomaram", aponta comunicado divulgado pelo gabinete do premiê.
A nota informa que Hamdok e a mulher dele foram "sequestrados durante a madrugada desta segunda-feira na residência oficial, em Cartum, e foram levados a um local desconhecido por uma unidade militar".
Além disso, o escritório do premiê indicou que os fatos ocorridos nas horas anteriores são considerados "uma ruptura do documento institucional e um golpe completo contra o que a revolução alcançou, com sangue, em busca da liberdade, paz e justiça".
O comunicado faz referência a revolta popular que resultou, em 2019, na derrubada da ditadura Omar al-Bashir, deposto pelos militares após meses de protestos nas ruas e depois de um acordo com que civis e integrantes das Forças Armadas chegarem a um acordo para compartilhar o poder durante o período de transição.
Ao mesmo tempo, o Ministério da Informação divulgou hoje que os militares "dispararam balas contra os manifestantes que se opunham ao golpe militar, diante do Comando Geral do Exército".
Em curto comunicado, a pasta informou que "dezenas de milhares de sudaneses responderam à convocação do primeiro ministro, Abdalla Hamdok, e saíram às ruas em defesa da revolução e rechaçando o golpe militar". Além disso, é considerado provável o registro de feridos.
O Comitê Central de Médicos, organização que atua no país desde a revolução, apontou terem sido atendidos hoje 12 feridos, sem apresentar mais detalhes sobre a situação de casa um deles.
Tensões no Sudão
As tensões no Sudão, entre civis e militares, vinham ocorrendo há um mês, diante de uma tentativa golpista, que fez Hamdok pedir a reforma dos "órgãos militares e de segurança", o que gerou revolta entre os integrantes das Forças Armadas.
Reações internacionais
A Casa Branca manifestou preocupação nesta segunda-feira com o golpe militar ocorrido no Sudão e cobrou a "libertação imediata" do primeiro ministro do país, Abdalla Hamdok, de integrantes do gabinete de governo, além de representantes da sociedade civil que foram presos ao longo do dia.
"Os Estados Unidos estão profundamente alarmados pelas informações sobre a tomada de controle militar do governo de transição", afirmou a porta-voz adjunta da Casa Branca, Karine Jean-Pierre, em declarações dadas a bordo do avião presidencial, que voava em direção a Nova Jersey.
"Rechaçamos as ações dos militares e pedimos a libertação imediata do primeiro-ministro e dos demais detidos sob prisão domiciliar. As ações de hoje são completamente opostas à vontade do povo sudanês e de suas aspirações de paz, liberdade e justiça", completou.
O governo do presidente dos EUA, Joe Biden, segundo Jean-Pierre, "segue apoiando fortemente a reivindicações da população sudanesa por uma transição democrática no país, e seguirá avaliando como apoiar melhor o povo sudanês para que se alcance esse objetivo".
Já a Rússia responsabilizou o governo do Sudão pela criação da crise que motivou o golpe e apelou à comunidade internacional para respeitar o direito de autodeterminação dos sudaneses e a não interferir nos assuntos internos do país.
"A evolução da situação no Sudão é fruto de uma grave crise que atingiu todas as esferas da vida política e econômica do país. É o resultado natural da política fracassada dos últimos dois anos", disse a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores russo, Maria Zakharova.
Segundo a representante da diplomacia russa, "a situação desesperadora e a miséria da grande maioria da população foram ignoradas na prática pelas autoridades provisórias e seus conselheiros e benfeitores estrangeiros".