A tensão em Caracas, capital da Venezuela, começou nas primeiras horas desta terça-feira (30), com a intensificação do confronto entre a oposição liderada por Juan Guaidó e forças do regime chavista. Ao final do dia, ainda não era possível saber se a "Operação Liberdade", para retirar o ditador Nicolás Maduro do poder, teria sucesso, seria fracassada, ou terminaria em um guerra civil.
Por volta das 6 horas da manhã, o presidente interino Juan Guaidó anunciou na frente da base aérea de La Carlota que contava com o apoio de dissidentes das Forças Armadas para derrubar o regime de Maduro.
Guaidó incitou outros soldados a se juntarem ao que ele chamou de fase final da Operação Liberdade.
O anúncio foi feito ao lado de Leopoldo López, uma figura importante da oposição, que até então estava em prisão domiciliar e, segundo ele, foi liberado por funcionários da Guarda Nacional Bolivariana na madrugada desta terça-feira.
As forças de Maduro não demoraram para responder. A região da base militar foi o cenário do início do confronto, com a Guarda Bolivariana lançando bombas de gás lacrimogêneo para dispersar a manifestação.
Em um momento dramático que foi gravado por câmeras de vídeo e transmitido pelos meios de comunicação, um veículo blindado da Guarda Nacional, do regime de Maduro, atropelou manifestantes da oposição em Caracas.
O Hospital de Chacao, o mais próximo aos arredores da Base Aérea de La Carlota, disse ter atendido ao menos 50 feridos nos protestos desta terça-feira.
Ao menos 30 deles foram feridos com balas de borracha e outros 16 tiveram traumas por pancadas. Outros três apresentaram problemas respiratórios por inalar gás lacrimogêneo e um teve ferimento a bala.
Operação Liberdade
Guaidó, López e centenas de manifestantes caminharam em seguida para outro local, onde o líder da oposição fez um discurso em um palco improvisado:
"Vamos resistir e exigir o fim da usurpação. Vamos encher as ruas amanhã com todo o entusiasmo, porque vamos bem", disse Guaidó à multidão, que gritava "sim, se pode" e "Operação Liberdade".
Os oficiais que deixaram o Exército ou a Guarda Nacional Bolivariana usavam uma faixa azul no braço direito. Ainda não se sabe o número de militares que desertaram, ou quantos seriam de alta patente.
Ainda nesta tarde, 25 militares pediram asilo na embaixada brasileira em Caracas. Segundo o porta-voz da Presidência do Brasil, Otávio Rego Barros, não há militares de alta patente entre eles; todos possuem patente abaixo de tenente. Rego Barros ainda disse que não chegou à Presidência a informação de que Guaidó tenha recebido apoio de algum general da Força Armada Nacional Bolivariana.
Ao final do dia, a situação se mantinha incerta na Venezuela. Especialistas dizem que ainda é cedo para saber qual será o resultado das ações promovidas pela oposição nesta terça-feira, mas que talvez a aposta da oposição tenha sido alta demais.
“Não está claro que [a aposta da oposição] tenha tido sucesso, mas também não está claro que tenha sido fracassada”, disse à Gazeta do Povo Laura Gamboa, professora de Ciência Política na Utah State University, Estados Unidos.
Para o professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) Antonio Jorge Ramalho da Rocha, a oposição aposta que a crise do governo é tão intensa, que o regime, a qualquer momento, não terá condições de sustentar a ordem. Ele avalia que ainda não é possível dizer se houve ou não um racha nas Forças Armadas leais a Maduro, ressaltando que algumas informações sobre deserções de militares de alta patente não puderam ser confirmadas e podem ser rumores.
"Até onde temos informações, os militares continuam ao lado de Maduro, continuam sustentando o regime, porque eles têm muitos interesses envolvidos", disse Ramalho da Rocha à Gazeta do Povo.
Rocha acredita que a oposição deu ao regime um motivo concreto para prender Juan Guaidó, a incitação à revolução, ou tentativa de golpe. "Ou Guaidó deixa o país, ou vai preso", disse. "Ele foi para o tudo ou nada; blefou apostando que teria apoio popular".
Temia-se que Guaidó fosse preso quando saiu da Venezuela no início do ano, desobedecendo uma ordem da Justiça. Mas ele retornou ao seu país pelo aeroporto de Caracas e não foi detido. "[As razões para a prisão de Guaidó naquela ocasião] poderiam ser interpretadas pela comunidade internacional como perseguição política. Por isso o governo não ultrapassou essa linha".
Dia decisivo
Durante a tarde, representantes da oposição informaram que Leopoldo López havia pedido asilo na embaixada do Chile em Caracas. Mais tarde, o chanceler chileno Roberto Ampuero afirmou que López deixou a embaixada chilena e foi para a da Espanha. López e a esposa têm cidadania espanhola, segundo Ampuero. Não há confirmação de que López tenha pedido asilo à Espanha.
“Se isto for verdade [López ter pedido asilo político], não são notícias boas para a oposição. Por outro lado, não há notícias novas sobre Guaidó, e, até o momento, Maduro não havia aparecido. São notícias não tão ruins para a oposição”, aponta Gamboa.
Para a cientista política, a ação de hoje deixa claro que há fraturas importantes no regime de Maduro. “Essas fraturas, se gerenciadas apropriadamente, podem jogar a favor de uma transição democrática. Porém, a situação é instável. Qualquer coisa pode acontecer”.
O dia de hoje pode ser decisivo sobre o resultado da campanha de Guaidó para a transição democrática na Venezuela. As reações do regime de Maduro e a maneira como a oposição conduzirá a situação serão determinantes para o sucesso ou o fracasso de Guaidó. “Se Guaidó continuar na Venezuela e permanecer livre, creio que tem opções razoáveis de voltar a situação a seu favor. Se Guaidó puder aproveitar essa fratura [na coalizão do governo], ainda tem possibilidades de impulsionar uma transição. Agora, se o regime decidir prender Guaidó, ou se Guaidó decidir se exilar, não está claro o que pode acontecer”, pondera Gamboa.
Guaidó é uma figura importante para a coalizão opositora, mas a oposição vai além da figura do seu líder. “Guaidó preso ou no exílio é um golpe duro, mas é possível que a oposição tenha planos traçados para compensar esse cenário”.
"Sem apoio e sem respeito"
Juan Guaidó disse que o ditador Nicolás Maduro não tem o apoio e o respeito das Forças Armadas de seu país, mas que todos sabiam que não seria fácil derrubá-lo. "Hoje é um dia histórico para a Venezuela, o início da última fase da Operação Liberdade", afirmou ele em um vídeo divulgado na noite desta terça-feira pelas redes sociais.
Foi a primeira manifestação do opositor venezuelano desde o início da tarde. As imagens não identificam onde Guaidó está. Ele defendeu a tática adotada pela oposição nesta terça e disse que "pressão e protestos geram resultados".
Chamando o regime de "farsa", ele também disse que as manifestações devem seguir. No texto que acompanha o vídeo, há uma referência a um novo protesto nesta quarta (1º).
Resposta de Maduro
O ditador Nicolás Maduro, afirmou, em pronunciamento à TV estatal na noite desta terça-feira (30), que Juan Guaidó foi derrotado. "Nunca nos renderemos às forças imperialistas", disse, em referência aos Estados Unidos, que apoiam o opositor.
Maduro disse ainda que os perpetradores do movimento para depô-lo do poder, que ele chama de golpe, estão sendo interrogados. "Isto não pode ficar impune", disse ele, "todos os envolvidos devem se render".
O ditador também afirmou que seu regime continuará a ser vitorioso. Segundo ele, os atos da oposição foram detectados às 4h15 da madrugada desta terça e liderados por Leopoldo López, a quem chamou de fascista.
Enquanto fez seu pronunciamento, Maduro esteve sentado a uma mesa rodeado das principais lideranças militares do país, que foram aplaudidas por sua atuação firme durante os eventos do dia.
O ditador reforçou a lealdade dos militares ao seu regime, em claro contraste com as declarações da oposição de que um grande movimento de deserção estaria em curso.
Mais cedo, o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, disse em entrevista à CNN que Maduro estava pronto para deixar a Venezuela e fugir para Havana, em Cuba, mas que foi convencido pela Rússia a desistir. No entanto, Pompeo não apresentou evidências para essa alegação, e se negou a dizer qual foi a fonte dessa informação.
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