A Coreia do Norte continua com seus testes de mísseis balísticos. O país lançou outros dois projéteis em direção ao Mar do Leste na manhã de sexta-feira (16), noite de quinta-feira no Brasil. Ainda é cedo para dizer que tipo de projétil foi lançado, mas provavelmente são mísseis balísticos de curto alcance como os que foram testado diversas vezes nas últimas semanas pelo país.
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, minimizou a retomada dos lançamentos de mísseis pela Coreia do Norte, mas a série de testes nos últimos quatro meses elevou significativamente as capacidades militares do país e a ameaça que ele representa à Coreia do Sul e às forças dos EUA na península, dizem especialistas.
Os lançamentos incluíram pelo menos dois novos tipos de mísseis balísticos de curto alcance e um lançador móvel de múltiplos foguetes. Pyongyang também decidiu exibir um submarino que pode ser usado para transportar ogivas nucleares.
Trump diz que soube que Kim Jong-un, o ditador norte-coreano, "apenas sorri quando me vê". Mas fotos divulgadas pela mídia estatal norte-coreana mostram Kim sorrindo de forma radiante durante os testes bem-sucedidos.
"Não há dúvida de que a campanha de testes de 2019, que começou em abril, apresentou um grande avanço qualitativo nas capacidades dos mísseis norte-coreanos", disse Ankit Panda, membro do Defense Posture Project da Federação de Cientistas Americanos. "As características centrais de todas as novas armas parecem ser a capacidade de sobrevivência, capacidade de resposta e de derrotar sistemas de defesa contra mísseis".
As armas exibidas pela Coreia do Norte, incluindo um míssil balístico de curto alcance conhecido como KN-23, com um alcance de pelo menos 450 quilômetros, parecem ter sido projetadas especificamente para confundir o sistema de defesa antimísseis da Coreia do Sul.
"Os três mísseis têm várias coisas em comum: são movidos por combustíveis sólidos, são móveis, são rápidos, voam baixo e pelo menos o KN-23 pode fazer manobras durante o voo, o que é muito impressionante", disse Vipin Narang, professor associado de ciência política no Massachusetts Institute of Technology (MIT).
"Qualquer um dos mísseis representaria um desafio para as defesas de mísseis regionais e sul-coreanas, dadas essas características. Juntos, eles representam um pesadelo".
Na quarta-feira, o Ministério da Defesa da Coreia do Sul anunciou que aumentaria os gastos com defesa em mais de 7% ao ano nos próximos cinco anos, com fundos destinados a melhorar sua capacidade de detecção de radares e mísseis, para "garantir amplas capacidades de interceptação contra novos tipos de mísseis balísticos recentemente testados pela Coreia do Norte".
O sistema de defesa antimísseis da Coreia do Sul foi construído principalmente em torno da ameaça representada pelos mísseis de classe Scud, da Coreia do Norte, que são mais antigos e comparativamente mais grosseiros. O sistema inclui os mísseis móveis Patriot e PAC-23, fabricados nos EUA, o sistema marítimo Aegis e o sistema terrestre de Defesa Terminal de Área de Alta Altitude, ou THAAD.
Nenhum sistema é indestrutível, mas os novos mísseis da Coreia do Norte parecem projetados para encontrar uma das maiores falhas na defesa de Seul.
Mísseis balísticos tradicionais voam em um arco que os leva para fora da atmosfera da Terra. Mas o KN-23, que parece similar ao míssil russo Iskander, tem uma trajetória mais baixa, passando boa parte do seu voo a uma altitude entre 40 e 48 quilômetros - potencialmente muito alto para as baterias Patriot, mas muito baixo para que os sistemas THAAD e Aegis consigam interceptá-lo facilmente.
Ferenc Dalnoki-Veress, cientista-residente do Instituto Middlebury de Estudos Internacionais em Monterey, Califórnia, diz que um míssil balístico voa em um arco previsível definido pela gravidade, como um arremesso alto de uma bola de beisebol, o que facilita a sua captura. O KN-23 é como uma jogada de efeito rápida, baixa, imprevisível e quase impossível de pegar.
Os mísseis mais novos são de combustível sólido, o que torna mais fácil dispará-los em curto prazo: o combustível líquido é corrosivo e menos estável, e precisa ser adicionado ao míssil pouco antes do lançamento, um processo que pode dar a um adversário um aviso prévio crucial. Os foguetes de combustível sólido, montados em veículos como os norte-coreanos, podem ser escondidos, movimentados à vontade e lançados rapidamente, tornando-os quase impossíveis de serem apanhados antes de serem disparados.
Ogivas nucleares e convencionais
Embora a Coreia do Norte ainda não tenha a capacidade de miniaturizar uma ogiva nuclear suficientemente para conectá-la a um míssil como o KN-23, ogivas convencionais que atingissem usinas nucleares sul-coreanas também podem ser devastadoras, dizem especialistas.
"Espero que ogivas nucleares nunca sejam afixadas ao KN-23, mas, se forem, será impossível para um país ameaçado diferenciar se está sendo atacado por uma bomba nuclear ou um explosivo", disse Melissa Hanham, especialista em mísseis da fundação One Earth Future. "Isso leva a uma dinâmica muito desestabilizadora que provavelmente levará a escalada e ações preventivas".
Finalmente, o fato de a Coreia do Norte ter disparado dez mísseis KN-23 nos últimos quatro meses mostra que não há escassez de estoque, disse Narang, sugerindo que Kim cumpriu uma promessa feita no começo do ano passado de passar para uma nova fase de produção em massa de mísseis e bombas nucleares.
O teste de sábado pareceu mostrar um segundo tipo de míssil de curto alcance, descrito pela agência de notícias estatal KCNA como uma nova arma que tem um "caráter tático vantajoso diferente dos sistemas de armas existentes".
Jeffrey Lewis, pesquisador do Instituto Middlebury, disse que é muito cedo para ter certeza sobre essa nova arma, mas disse que ela se parece com uma classe diferente de míssil de curto alcance, similar em tamanho mas maior que o Sistema de Mísseis Táticos do Exército dos EUA ou do míssil israelense LORA (ataque de longo alcance).
Mas os testes não foram apenas projetados para elevar as capacidades militares da Coreia do Norte. Eles também ajudaram Kim a reforçar sua reputação em seu país como um homem forte determinado a defender a segurança do regime.
Kim pode ter ficado sob pressão internamente depois de não conseguir muitos benefícios concretos em suas conversas com os Estados Unidos e sua moratória em testes de mísseis balísticos nucleares e intercontinentais, dizem especialistas. Esta última rodada de testes pode ter ajudado a melhorar essa situação.
Mas os testes tiveram o benefício adicional de aumentar a pressão aos Estados Unidos para que voltem à mesa de negociações com uma oferta melhor do que a apresentada por Trump em Hanói em fevereiro. Eles também podem ajudar a Coreia do Norte a conduzir uma divisão diplomática entre Washington e Seul, por terem ameaçado a Coreia do Sul sem cruzar nenhuma linha vermelha para Trump.
A Coreia do Norte tem insistido que seus lançamentos são apenas uma resposta aos exercícios militares conjuntos dos EUA e da Coreia do Sul. A nação diz que Trump prometeu interromper esses exercícios quando se encontrou com Kim. Mas reservou suas críticas mais pesadas para os sul-coreanos, rotulando-os de belicistas e prometendo excluí-los de qualquer diálogo futuro com os Estados Unidos.
Trump não saiu em defesa de seu aliado, nem dos exercícios militares. Em vez disso, ele ficou ao lado da Coreia do Norte ao defender o direito do país de testar mísseis de curto alcance, dizendo que Kim lhe enviou outra "carta linda" na semana passada e explicando que "nunca foi um fã" dos jogos de guerra dos EUA e da Coreia do Sul porque não gosta de "pagar" por eles.
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