O estado do Mississipi, no sul dos Estados Unidos, votará na próxima semana uma emenda constitucional que vai declarar o embrião uma pessoa - uma iniciativa contra o aborto que criminalizaria tanto as mulheres que interrompessem a gravidez quanto o uso de anticonceptivos.
A proposta que será submetida a referendo no dia 8 de novembro no Mississipi, considerado um dos estados mais conservadores do país, é conhecida como a Emenda 26 - Emenda da Personificação - e, segundo pesquisas recentes, conta com apoio popular suficiente para ser aprovada.
"É uma medida radical. Poderia ter um impacto extraordinário em muitos assuntos legais, criminalizando questões como o uso de métodos anticonceptivos, o tratamento da infertilidade, assim como a fertilização in vitro e as pesquisas de células-tronco", disse o especialista em bioética Paul A. Lombardo, professor das escolas de direito das universidades estatais da Geórgia e da Virgínia.
O movimento que defende "a humanização do embrião" já teve rejeitada a proposta no Colorado (oeste) nas últimas eleições, mas o panorama no Mississipi é diferente por contar com o apoio público e o dos procuradores gerais - as maiores autoridades locais do judiciário, além dos candidatos democrata e republicano ao governo do Estado.
Os promotores da emenda preparam campanhas para os estados da Flórida (sudeste), de Ohio (norte) e Dakota do Sul (norte) nas eleições de 2012.
A "personificação" do embrião visa a revogar o direito ao aborto concedido às mulheres dos Estados Unidos desde 1973, graças à dicisão Roe v. Wade da Corte Suprema, mas suas implicações legais são consideradas infinitas.
"A personificação é a chave de todos os direitos humanos", assinalou Keith Mason, presidente da Personhood USA, a ONG que impulsiona a emenda.
Para a Personhood USA, "ao se tirar a 'personificação' do não nascido, revoga-se o direito à vida. Devolvendo-a a esses frágeis e indefesos, poderemos restaurar sua dignidade e seu direito à vida como seres humanos. É assim simples", argui, na petição oficial divulgada neste estado profundamente religioso.
Entre os demais argumentos mais sensíveis para convencer o eleitorado, os defensores da emenda destacam que "os escravos africanos foram privados de sua personificação e, por isso, foram tratados como propriedades, podendo ser comprados e vendidos, e sendo criados como animais".
"Os judeus não foram considerados pessoas íntegras, pelo que seus bens podiam ser confiscados. Muitos foram eliminados. Quando os conquistadores espanhóis colonizaram a América, muitos fazendeiros ricos lutaram para convencer a coroa espanhola que os 'índios' não cristãos não eram pessons jurídicas; portanto, podiam ser escravizados", assinalam.
Contrários
Para Lynn Paltrow, porta-voz da campanha Defesa Nacional das Mulheres Grávidas (NAPW), "essas leis cruéis estão despojando as mulheres de sua 'personificação' constitucional", transformando as grávidas em uma classe diferente de pessoa.
Jessica Valenti, fundadora do site Feministing, opina que é necessário incluir todas as mulheres grávidas, mesmo as que não querem fazer abortom "na discussão sobre a 'personificação' e outras estratégias contra o aborto", uma vez que pelo menos 38 dos 50 estados americanos vão apresentar leis sobre o homicídio fetal.
Com propostas como estas, "todas as mulheres grávidas estão em perigo", assinalou Jessica Valenti.
"Se o feto é uma pessoa desde o momento da concepção, pode-se dizer que seus direitos são equivalentes aos da mulher grávida", comentou por sua vez o bioético Paul A. Lombardo.
Para o acadêmico, as implicações legais de uma medida como a Emenda 26 são infinitas e complexas.
Complicações legais
Não só a mulher que faz um aborto pode ser acusada de assassinato; também há outras complicações legais. Por exemplo: o embrião deve ir para o necrotério e ser enterrado, como dispõe a lei americana para as pessoas falecidas? questionou Lombardo.