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Enquanto a invasão da Ucrânia gera uma catástrofe humanitária na ex-república soviética e é respondida com sanções que ameaçam sufocar a economia da Rússia, fica a dúvida: Vladimir Putin vai parar por aí?
A guerra na Ucrânia já rendeu análises que apontam que o presidente tem a pretensão de recriar o protagonismo internacional russo, o que tornaria alvos preferenciais outras nações que já estiveram sob domínio do país.
Belarus, cujo ditador, Alexander Lukashenko, cedeu território para a investida russa no norte ucraniano, já é um estado-satélite de Moscou. Putin planeja que outros vizinhos sejam subjugados da mesma forma, como tenta fazer na Ucrânia (a quem, a pretexto de proteger russos étnicos em Donbass, busca impedir que entre na União Europeia e na Otan, a aliança militar do Ocidente)?
“O objetivo de Putin de reverter a história e voltar ao status da Rússia como era há mais de cem anos também afeta diretamente outros vizinhos”, disse Keir Giles, consultor sênior do think tank Chatham House, à NBC. “Isto é, Letônia, Lituânia, Polônia e Finlândia.”
Aí surge um grande entrave: a Finlândia não faz parte da Otan, mas os três estados bálticos (Lituânia, Letônia e Estônia, todas ex-repúblicas soviéticas), sim, a exemplo da Polônia.
Ou seja, qualquer operação contra esses países suscitaria a invocação do artigo 5º, que estipula que um ataque a qualquer membro da aliança é um ataque contra todos, a ser respondido com uma contraofensiva militar direta – diferentemente do que ocorre na Ucrânia.
“A batalha pela Ucrânia é uma batalha pela Europa. Se Putin não for parado ali, ele irá mais longe”, afirmou o ministro das Relações Exteriores da Lituânia, Gabrielius Landsbergis.
Contra a Polônia, o principal rancor de Putin é que até o final do ano deve entrar em operação numa base em Redzikowo um sistema de defesa antimísseis Aegis Ashore da Otan. Uma pesquisa realizada no dia seguinte à invasão da Ucrânia apontou que cerca de 74% dos poloneses consideram como alta ou média a probabilidade de um ataque da Rússia ao país.
Na Moldávia e na Geórgia, em tese há um cenário mais parecido com o da Ucrânia: os dois países também não integram a Otan, têm regiões separatistas (Transnístria na Moldávia, Abecásia e Ossétia do Sul na Geórgia) apoiadas por Moscou e suas presidentes, a exemplo do ucraniano Volodymyr Zelensky, são pró-Ocidente.
“Quando ouvimos Putin humilhando a Ucrânia, chamando-a de um estado artificial sem história, isso nos faz lembrar das mesmas coisas que eles [russos] vêm repetindo sobre todas as ex-repúblicas soviéticas há muitos anos”, disse Nerijus Maliukevicius, analista político da Universidade de Vilnius, à Associated Press.
“A máquina de propaganda estatal russa agora está trabalhando em níveis de intensidade sem precedentes, e a mensagem não é apenas sobre a Ucrânia”, acrescentou.
Porém, há dúvidas sobre a capacidade russa de iniciar tão cedo outro conflito. André Frota, professor dos cursos de Relações Internacionais e Geociências do Centro Universitário Internacional (Uninter), não acredita nessa hipótese.
“Ele já está tendo tanta dificuldade para conquistar duas grandes cidades na Ucrânia, imagine começar outra ação militar, dividir o seu exército e fazer outra operação em qualquer outro país do leste europeu? Seria um completo desastre”, argumentou.
“A ação na Ucrânia já está sendo totalmente desastrosa, do ponto de vista econômico para a Rússia, do ponto de vista da aprovação interna e do ponto de vista de atingir os objetivos militares que ele tinha. Então, o que Putin provavelmente deve pensar agora é em como sobreviver política e eleitoralmente depois desse conflito, não pensar em outra anexação”, justificou Frota.
Embora afirme que as ações de Putin “não podem ser comparadas” às da União Soviética e de Hitler, como alguns analistas e autoridades sugeriram, o professor salientou que “se Putin tinha alguma pretensão expansionista”, esta sofreu um golpe desnorteador: “A política de defesa da Alemanha tem uma nova envergadura, é uma nova fase em toda a política de defesa europeia. Ele conseguiu colocar todo mundo contra ele”.