Nos impetuosos dias da corrida do ouro em Dubai, quando imóveis vendidos e revendidos antes mesmo de que qualquer pá tocasse o solo, os ambiciosos Emirados foram saudados como o modelo de modernidade do Oriente Médio, uma cidade próspera que tinha construído uma forma de governo eficiente, eficaz e acessível.
Então veio a crise e revelou como aquela imagem era frágil, disseram analistas políticos e financeiros. Essa percepção, não apenas em Dubai, mas também em Abu Dhabi, a capital dos Emirados Árabes Unidos rica em petróleo, lançou uma luz cruel sobre um processo decisório opaco, de cima para baixo, não apenas nos negócios, mas também em questões envolvendo crime e punição, como afirmaram analistas políticos e financeiros.
A crise financeira e dois casos criminosos que geraram manchetes críticas em outros países demonstraram que os Emirados continuam sendo uma monarquia absoluta, onde instituições são muito menos importantes do que a realeza, e onde a lei é particularmente caprichosa aplicada de forma diferente com base na posição social, religião e nacionalidade, segundo especialistas políticos e defensores de direitos humanos.
"O que aprendemos aqui nos últimos quatro meses é que o governo, pelo menos no aspecto político, ainda é muito subdesenvolvido", disse um analista financeiro baseado em Dubai, que pediu para não ser identificado a fim de evitar comprometer sua capacidade de trabalhar no país. "É muito difícil ler, interpretar ou entender o que está acontecendo. As instituições não evoluíram com as expectativas do povo."
O crime mais recente, ocorrido em 31 de dezembro: uma turista britânica muçulmana relatou a polícia ter sido estuprada num banheiro público de um hotel de luxo em Dubai. Ela e seu noivo, que a acompanhou para reportar o caso, foram presos e acusados de terem feito sexo ilegal porque não eram casados, e de terem consumido álcool num local não autorizado.
Em outro caso que já tinha provocado grande ira, um tribunal inocentou um membro da família real de Abu Dhabi, o xeque Issa bin Zayed al-Nahayan, de acusações de torturar um comerciante afegão. Em maio, a rede de televisão americana ABC News transmitiu trechos de um vídeo de 45 minutos que mostrava Issa batendo no homem com um chicote, uma vara e uma tábua de madeira com um prego para fora, e disparando tiros contra o homem antes de passar o carro por cima de suas pernas com um veículo utilitário.
Pressão
O caso foi a julgamento sob pressão da comunidade internacional, incluindo o congresso americano, que tinha ameaçado adiar a aprovação de um acordo que permitiria aos Emirados receber tecnologia nuclear civil avançada.
A controvérsia foi acalmada quando os Emirados prenderam Issa e concordaram em levá-lo a julgamento. O acordo foi assinado em dezembro.
Embora grupos internacionais de direitos humanos esperassem uma condenação, moradores dos Emirados, não. O irmão de Issa, o xeque Khalifa bin Zayed al-Nahayan, é o emir de Abu Dhabi e presidente dos Emirados Árabes Unidos.
No dia 10 de janeiro, o juiz do caso disse que Issa tinha "responsabilidade reduzida" porque estava tomando remédios com prescrição quando levou o homem até sua fazenda, esfregou areia em seu rosto, abaixou as calças do homem e bateu nele. O xeque foi libertado.
Domínio
"Isso nos faz lembrar que estamos lidando com uma monarquia dominante", disse Christopher Davidson, professor acadêmico da Universidade de Durham, na Inglaterra, e autor de vários livros sobre os Emirados. "Estamos lidando com a deificação dessa ramificação da família dominante. Qualquer filho dessa família é um deus", diz.
A soltura foi especialmente problemática, segundo grupos de defesa dos direitos humanos, porque o tribunal condenou à prisão três outras pessoas vistas no vídeo ajudando Issa.
O tribunal também anunciou sentenças de cinco anos de detenção para os dois homens que produziram e distribuíram o vídeo, afirmando que eles eram culpados de mexer nos medicamentos do xeque, gravar e distribuir um vídeo não autorizado. Os homens, que moram nos Estados Unidos, negaram as acusações.
Impunidade
"Se os EAU acham que vão resolver a raiva internacional com um julgamento secreto que o absolva, eles vão ter uma grande surpresa", afirmou Sarah Leah Whitson, diretora da divisão de Oriente Médio e Norte da África da organização Human Rights Watch. "Haverá um grande foco no que está errado com o sistema judiciário dos EAU e o que há de errado com a impunidade do próprio país."
Um porta-voz de Abu Dhabi afirmou que a família real não tinha comentários a fazer sobre o julgamento.