O líder indígena Evo Morales foi vaiado na segunda-feira pela primeira vez desde que chegou à Presidência da Bolívia, há um ano e meio.
Morales ouviu os apupos ao deixar a Casa da Liberdade, em Sucre (sul), local histórico onde acabara de pronunciar um discurso-informe de quase quatro horas ao Congresso, como ato central das celebrações do Dia da Independência, segundo rádios locais.
"Fora, lhamas! Fora, índios", gritaram dezenas de manifestantes enquanto o presidente, que segundo recentes pesquisas tem popularidade nacional superior a 60 por cento, saía de carro, em vez de encabeçar o tradicional desfile cívico-militar.
Em seguida, Morales cancelou sua participação numa sessão de gala da Assembléia Constituinte, que também funciona em Sucre. Desculpou-se numa carta em que pediu aos constituintes que saibam "interpretar este tempo de mudança democrática e pacífica e projetá-lo na futura Carta Magna".
A rádio Erbol disse que a polícia chegou a deter várias pessoas que vaiavam Morales e exigiam a transferência de todos os Poderes públicos de La Paz para Sucre, cidade que desde o século 19 tem o título oficial de capital da Bolívia, embora o Executivo e o Legislativo funcionem em La Paz.
A disputa para ser sede do governo ameaça inclusive bloquear as decisões da Constituinte. Morales, que não tomou partido, diz que a disputa é mais uma tentativa de setores radicais de direita para desgastar seu governo, que enfrenta também protestos de grupos cívicos e empresariais e obstruções parlamentares.
Em sua mensagem ao Congresso, Morales prometeu aprofundar as mudanças políticas e econômicas para tirar a Bolívia da pobreza, reafirmou seus princípios "antiimperalistas" e "anti-neoliberais" e garantiu governar para todos os setores do país, o mais pobre da América do Sul.
"Posso me equivocar, mas trair jamais, e vamos continuar esse compromisso de mudança. Jamais vamos retroceder para acabar as políticas do colonialismo, do neoliberalismo e do imperialismo", disse ele na sessão, precedida por choques isolados entre policiais e manifestantes.
Ele insistiu que a recuperação do controle estatal sobre os recursos naturais é a base do seu programa e agradeceu "às riquezas que a mãe-terra continua dando depois de semelhante saque na colonização, na república e em tantas guerras causadas por transnacionais".
Morales destacou os êxitos da nacionalização dos hidrocarbonetos, resumidos por ele na cifra de 2 bilhões de dólares que o Estado deve arrecadar neste ano no setor, em comparação aos 300 milhões de 2005, e prometeu consolidar o controle estatal sobre a mineração.
Mas assegurou que as empresas privadas nacionais e estrangeiras têm garantias para desenvolver seu trabalho, "sempre que cumpra as leis e paguem os impostos com transparência".
Morales reafirmou também sua decisão de acelerar a chamada "revolução agrária", que prevê a entrega ao Estado de latifúndios improdutivos de áreas amazônicas para sua distribuição a camponeses pobres, junto com uma agressiva mecanização rural financiada em parte com doações venezuelanas.