Morreu nesta sexta-feira (17) aos 87 anos o ex-ditador argentino Jorge Rafael Videla. Ele morreu dentro da prisão de Marcos Paz, na Província de Buenos Aires, onde cumpria prisão perpétua por crimes contra a humanidade.
Cecilia Pando, que é amiga da família, disse à radio Once Diez que o ex-ditador morreu dormindo e que não quis jantar na noite de quinta-feira (16) "porque se sentia mal". Ainda não se sabem as causas da morte.
Videla governou o país sul-americano entre 1976 e 1981 e foi um dos principais responsáveis pelo golpe e o chamado Processo de Reorganização Nacional, a última ditadura militar argentina (1976-1983).
O período que governou foi considerado o mais violento do regime militar, em que desapareceram mais de 30 mil pessoas. Em 2010, foi condenado pela Justiça argentina à prisão perpétua pelo fuzilamento de opositores na Província de Córdoba.
No mesmo ano, também foi considerado responsável pelo roubo de bebês durante seu governo e condenado a 50 anos de prisão. As condenações aconteceram após mais de 30 anos de pressão de organizações como as Mães e Avós da Praça de Maio.
A presidente das Avós da Praça de Maio, Estela de Carlotto, foi uma das primeiras a reagir à morte. "Fico tranquila que um ser desprezível deixou este mundo", disse.
Confissão
No ano passado, Videla admitiu pela primeira vez que foram mortas "7.000 ou 8.000" durante o último regime militar da Argentina (1976-1983). O ex-mandatário afirmou que era o "preço a ser pago para ganhar a guerra contra a subversão".
A confissão foi feita no livro "Disposición Final" (Disposição Final, em português), do jornalista argentino Ceferino Reato, que disse ter ficado "chocado" pela forma como o ex-ditador relatou os horrores cometidos durante a "guerra suja".
"Me surpreendeu como Videla me dizia as coisas. Sempre o vi muito articulado, muito preciso em suas lembranças, usando uma linguagem descarnada e sem metáforas. Parecia um analista de fatos cometidos por outra pessoa."
No livro, o ex-ditador cifrou a quantidade de mortes durante os "anos de chumbo", e assegurou que o regime militar fez os restos mortais das vítimas sumirem "para não provocar protestos dentro e fora do país".
"Não havia outra solução. Na cúpula militar estávamos de acordo que era o preço que havia que ser pago para ganhar a guerra contra a subversão, e precisávamos que não fosse evidente para que a sociedade não se desse conta."
Na mesma publicação, ele afirma que o golpe militar na Argentina havia sido um erro. "Nosso objetivo (em 1976) era disciplinar uma sociedade anarquizada. Com relação ao peronismo, sair de uma visão populista; com relação à economia, ir em direção a uma de mercado, liberal. Queríamos disciplinar também o sindicalismo e o capitalismo predatório."
"Ideólogo do terror"
O jornal argentino "Clarín" afirmou na manchete de seu site que o ex-ditador Videla foi o "ideólogo do terror da pior ditadura da Argentina". O site trouxe ainda um texto no qual Nora Cortiñas, do grupo Mães da Praça de Maio, afirma que não festeja a morte, mas lamenta o fato de "irem com ele os segredos mais importantes da história".
O "Clarín" ainda relembra que, em março passado, na prisão Marcos Paz, Videla fez uma última provocação, ao convocar os ex-colegas das Forças Armadas "com 58 a 68 anos que ainda estejam em condições de combater" para se armar enfrentar a presidente Cristina Kirchner.
Essa declaração, como relembra o também argentino "La Nación", foi feita na última entrevista do ex-ditador, à revista espanhola "Cambio 16".
Logo após a publicação, Videla negou a autoria. Em sua homepage, o "La Nación" chama Videla de "símbolo da ditadura militar" e destaca a fala do Nobel da Paz Pérez Esquivel, segundo quem a morte do ex-ditador "não deve alegrar ninguém".
O site do jornal "Página 12" não destaca a morte de Videla, e sim um encontro ocorrido na quarta-feira entre o ex-presidente Lula e Kirchner.
Em seu texto, a publicação diz que Videla foi o responsável pela "etapa mais negra da história da Argentina" por ter "posto em prática um plano genocida sistemático que envolvia sequestros, saques e desaparecimento de pessoas", além de manter uma "política econômica neoliberal que foi o pontapé de um dos processos de esvaziamento e entrega aos capitais estrangeiros mais difíceis para a sociedade argentina".
"A luta dos organismos de direitos humanos que reclamam a memória, a verdade e a justiça pelos 30 mil desaparecidos e os netos que ainda não foram recuperados continua", afirma o "Página 12".
O portal "infobae" destaca que o ex-ditador "cumpria prisão perpétua e 50 anos de condenação em uma prisão comum pelo sequestro sistemático de bebês nascidos em cativeiro" e que ele "nunca se arrependeu" dos crimes. Já o "Crónica" considera Videla "a sinistra imagem de uma época violenta e sangrenta".