O protagonista de uma das ditaduras mais sangrentas no continente
O ditador mais cruel da Argentina. Assim ficou conhecido o ex-general Jorge Rafael Videla, que governou o país entre 1976 e 1981 com mãos de ferro, período marcado por violações aos direitos humanos. Apesar da má fama construída durante e após seu mandato, foi somente em abril do ano passado que o argentino reconheceu, pela primeira vez, que seu governo eliminou "entre sete mil e oito mil pessoas", número que pode ser ainda maior segundo as organizações de direitos humanos.
General usou a Copa de 1978 para fortalecer o regime
Em 1978, o então presidente da Argentina, general Jorge Rafael Videla, usou a Copa do Mundo, realizada no país, como propaganda de seu governo. À época, ele já era acusado pelo desaparecimento e tortura de presos políticos.
Na Copa, Videla propagou o novo slogan do governo ("Somos direitos e humanos") e tentou abafar as críticas internas e mundiais.
"Há uma mancha no Mundial de 78, que não pode integrar-se na lista das façanhas esportivas nacionais", disse, em artigo publicado no jornal argentino Perfil em 1998, a filósofa Beatriz Sarlo. Durante os jogos, Videla foi presença constante no vestiário antes e depois das partidas.
O time foi protegido por um forte esquema de segurança - havia a ameaça de atentados.
Naquele Mundial, há ainda outra mancha após a goleada de 6 a 0 da Argentina sobre o Peru, que classificou os anfitriões para a final - em detrimento do Brasil. Ramón Quiroga, argentino naturalizado que defendia o gol peruano, disse em 98 que ele e seus companheiros receberam dinheiro para entregar o jogo. Depois recuou.
Juan Carlos Gonzalez, que foi um dos encarregados pela segurança das seleções estrangeiras na Copa de 78, disse, em 1987, ter visto uma junta militar, liderada por Videla, entrar no vestiário peruano antes e depois dos 6 a 0. Gonzalez afirmou que não ouviu a conversa, mas notou que três jogadores do Peru ficaram bem abalados.
"Um ser desprezível", diz líder das Avós da Praça de Maio
A líder das Avós de Praça de Maio, Estela de Carlotto, disse que a morte de um "ser desprezível" como o ex-ditador argentino Jorge Rafael Videla, morto nesta sexta-feira (17) aos 87 anos, a tranquiliza.
"Há homens bons e homens maus. Esse era um homem mau", disse a representante da fundação dedicada a buscar aos filhos apropriados dos desaparecidos durante a ditadura (1976-1983).
No ano passado, um tribunal condenou o ex-ditador a 50 anos de prisão pelo plano sistemático de roubo de bebês filhos de perseguidos e desaparecidos durante a ditadura.
"Fico tranquila que um ser desprezível tenha deixado este mundo", disse Estela a veículos de imprensa locais, lembrando que o general "nunca se arrependeu e reivindicou (a autoria) de todos os seus crimes".
Morreu nesta sexta-feira (17) aos 87 anos o ex-ditador argentino Jorge Rafael Videla. Ele morreu dentro da prisão de Marcos Paz, na Província de Buenos Aires, onde cumpria prisão perpétua por crimes contra a humanidade.
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Cecilia Pando, que é amiga da família, disse à radio Once Diez que o ex-ditador morreu dormindo e que não quis jantar na noite de quinta-feira (16) "porque se sentia mal". Ainda não se sabem as causas da morte.
Videla governou o país sul-americano entre 1976 e 1981 e foi um dos principais responsáveis pelo golpe e o chamado Processo de Reorganização Nacional, a última ditadura militar argentina (1976-1983).
O período que governou foi considerado o mais violento do regime militar, em que desapareceram mais de 30 mil pessoas. Em 2010, foi condenado pela Justiça argentina à prisão perpétua pelo fuzilamento de opositores na Província de Córdoba.
No mesmo ano, também foi considerado responsável pelo roubo de bebês durante seu governo e condenado a 50 anos de prisão. As condenações aconteceram após mais de 30 anos de pressão de organizações como as Mães e Avós da Praça de Maio.
A presidente das Avós da Praça de Maio, Estela de Carlotto, foi uma das primeiras a reagir à morte. "Fico tranquila que um ser desprezível deixou este mundo", disse.
Confissão
No ano passado, Videla admitiu pela primeira vez que foram mortas "7.000 ou 8.000" durante o último regime militar da Argentina (1976-1983). O ex-mandatário afirmou que era o "preço a ser pago para ganhar a guerra contra a subversão".
A confissão foi feita no livro "Disposición Final" (Disposição Final, em português), do jornalista argentino Ceferino Reato, que disse ter ficado "chocado" pela forma como o ex-ditador relatou os horrores cometidos durante a "guerra suja".
"Me surpreendeu como Videla me dizia as coisas. Sempre o vi muito articulado, muito preciso em suas lembranças, usando uma linguagem descarnada e sem metáforas. Parecia um analista de fatos cometidos por outra pessoa."
No livro, o ex-ditador cifrou a quantidade de mortes durante os "anos de chumbo", e assegurou que o regime militar fez os restos mortais das vítimas sumirem "para não provocar protestos dentro e fora do país".
"Não havia outra solução. Na cúpula militar estávamos de acordo que era o preço que havia que ser pago para ganhar a guerra contra a subversão, e precisávamos que não fosse evidente para que a sociedade não se desse conta."
Na mesma publicação, ele afirma que o golpe militar na Argentina havia sido um erro. "Nosso objetivo (em 1976) era disciplinar uma sociedade anarquizada. Com relação ao peronismo, sair de uma visão populista; com relação à economia, ir em direção a uma de mercado, liberal. Queríamos disciplinar também o sindicalismo e o capitalismo predatório."
"Ideólogo do terror"
O jornal argentino "Clarín" afirmou na manchete de seu site que o ex-ditador Videla foi o "ideólogo do terror da pior ditadura da Argentina". O site trouxe ainda um texto no qual Nora Cortiñas, do grupo Mães da Praça de Maio, afirma que não festeja a morte, mas lamenta o fato de "irem com ele os segredos mais importantes da história".
O "Clarín" ainda relembra que, em março passado, na prisão Marcos Paz, Videla fez uma última provocação, ao convocar os ex-colegas das Forças Armadas "com 58 a 68 anos que ainda estejam em condições de combater" para se armar enfrentar a presidente Cristina Kirchner.
Essa declaração, como relembra o também argentino "La Nación", foi feita na última entrevista do ex-ditador, à revista espanhola "Cambio 16".
Logo após a publicação, Videla negou a autoria. Em sua homepage, o "La Nación" chama Videla de "símbolo da ditadura militar" e destaca a fala do Nobel da Paz Pérez Esquivel, segundo quem a morte do ex-ditador "não deve alegrar ninguém".
O site do jornal "Página 12" não destaca a morte de Videla, e sim um encontro ocorrido na quarta-feira entre o ex-presidente Lula e Kirchner.
Em seu texto, a publicação diz que Videla foi o responsável pela "etapa mais negra da história da Argentina" por ter "posto em prática um plano genocida sistemático que envolvia sequestros, saques e desaparecimento de pessoas", além de manter uma "política econômica neoliberal que foi o pontapé de um dos processos de esvaziamento e entrega aos capitais estrangeiros mais difíceis para a sociedade argentina".
"A luta dos organismos de direitos humanos que reclamam a memória, a verdade e a justiça pelos 30 mil desaparecidos e os netos que ainda não foram recuperados continua", afirma o "Página 12".
O portal "infobae" destaca que o ex-ditador "cumpria prisão perpétua e 50 anos de condenação em uma prisão comum pelo sequestro sistemático de bebês nascidos em cativeiro" e que ele "nunca se arrependeu" dos crimes. Já o "Crónica" considera Videla "a sinistra imagem de uma época violenta e sangrenta".