Atlanta James Brown, o cantor que revolucionou o gospel e criou a soul music, morreu ontem, aos 73 anos, no Emory Crawford Long Hospital, em Atlanta, cidade onde passou sua infância. Brown foi hospitalizado com pneumonia e morreu em decorrência de um colapso cardíaco. O cantor iria se apresentar na noite de ano novo em Nova Iorque.
Ao lado de Elvis Presley e Bob Dylan, Brown foi um dos cantores que maior influência exerceu sobre a música pop e o rock nos últimos 50 anos. Ele gravou mais de 800 canções, emplacando 17 delas no topo da parada, segundo o ranking da revista Billboard, considerada a mais importante publicação da indústria fonográfica.
Entre os astros do rock que assumiram a influência do estilo frenético de cantar e dançar do músico estão Mick Jagger, vocalista dos Rolling Stones, e Michael Jackson.
Há, claro, outros discípulos do "pai do soul" que fizeram carreira inspirando-se no músico, entre eles David Bowie, Prince e o grupo Sly and Family Stone, cujo estilo foi claramente marcado pela linha vocal e rítmica das interpretações de Brown.
Little Richard, amigo do cantor, definiu Brown como um "inovador", um "emancipador que abriu caminho para o funk e o rap". De fato, se os fãs de Brown não podem atribuir a paternidade do soul exclusivamente a Brown antes dele vieram Ray Charles e Sam Cooke seus direitos sobre a criação do rap e do funk, dois gêneros derivados de sua música, são inquestionáveis. Brown foi, além de precursor, um defensor dos direitos dos negros, expresso em músicas como Say it Loud Im Black and Im Proud (1968).
Carreira
Sua militância anti-racista começou nos anos 1960. Na época, negros eram chamados pejorativamente de "colored" nos Estados Unidos. A canção de Brown apressou o processo de conscientização da população negra americana numa era marcada pela pregação de Martin Luther King e de outros mártires da causa.
Mas, ao contrário de negros de formação universitária como King, Brown nunca estudou. Começou a vida colhendo algodão na Carolina do Sul, em plena Depressão americana, foi preso pela primeira vez ainda adolescente (por tentar roubar um carro) e teve inúmeros problemas com a polícia por envolvimento com drogas, brigas e assédio sexual.
A história da vida de Brown foi uma luta contínua contra a adversidade. Nascido na pequena cidade de Barnwell, na Carolina do Sul, foi criado no bordel de sua tia, engraxou sapatos e dançou para faturar alguns trocados nas ruas de Atlanta, tentou ser lutador de boxe e jogador de baseball, mas não escapou da fatalidade. Aos 16 anos, condenado e enviado a um reformatório, encontrou na prisão um aliado musical, o amigo Booby Byrd. Ele tinha um grupo de gospel e ambos gravaram há exatamente meio século o primeiro êxito de Brown, Please, Please, Please, que vendeu 1 milhão de cópias.
O sucesso veio em 1962, quando Brown apostou todas as fichas num disco ao vivo, gravado no templo da música negra, o Apollo Theatre. O investimento do próprio bolso teve excelente retorno e definiu um padrão: roupas extravagantes e muito balanço. Brown passou, então, a tratar sua banda como um exército, impondo a seus músicos multas por atraso. Regrado no palco, fora dele levou uma vida marcada pelo consumo de drogas, agressões e períodos na prisão.
Brown passou os anos 1970 e 1980 em extensas turnês pelos Estados Unidos, sempre fazendo shows em que perdia, no mínimo, um quilo a cada apresentação, tal o ritmo alucinante de canções como Sex Machine. Até recentemente, mesmo com a carreira em declínio e um câncer de próstata, sua agenda andava cheia.