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Violência

Morte de atirador deixa dúvidas sobre ações do terror na França

Michel Teló vai gravar um novo clip durante o festival na Arena Expotrade | Walter Alves/Gazeta do Povo
Michel Teló vai gravar um novo clip durante o festival na Arena Expotrade (Foto: Walter Alves/Gazeta do Povo)

O pesadelo de Toulouse terminou ontem pela manhã após um intenso tiroteio e a morte de Mo­­hammed Merah, o atirador ex­­tremista suspeito de assassinar na região três militares franceses, um rabino e três crianças ju­­dias entre os dias 11 e 19 deste mês. Sitiado por 32 horas em seu apartamento, com repetidas promessas de render-se, o suspeito reagiu de forma violenta ao assalto final do Raid, a unidade de elite da polícia francesa, e morreu atirando ao saltar pela janela, atingido por uma bala na cabeça.

A morte de Mohammed Me­­rah não responde a todas as questões em torno dos massacres ocorridos. Tratava-se de um psicopata "lobo solitário" ou de um militante terrorista auxiliado por cúmplices? O importante arsenal de todos os calibres en­­contrado em seu poder, mais seus veículos e suas moradias, levantam várias dúvidas sobre a origem de seus meios e recursos, uma vez que estava desempregado. Além disso, a competência dos serviços de inteligência franceses foi questionada por uma estrela do governo, o ministro das Relações Exteriores, Alain Juppé.

As autoridades contavam em capturar vivo o franco-argelino de 23 anos que se dizia militante da rede terrorista Al-Qaeda e do movimento fundamentalista salafista — que prega uma interpretação literal do Alcorão —, para interrogá-lo e obter informações sobre sua radicalização islamita e suas eventuais conexões. Preso junto com a mulher, o irmão dele, Abedelkader Me­­rah, que vinha sendo investigado pelos serviços de inteligência por seu radicalismo islâmico, mantinha até ontem seu silêncio durante os interrogatórios. Aziri, mãe de Mohammed, também permanecia detida.

"Falha"

O chanceler Juppé insuflou a polêmica ao insinuar uma eventual negligência das autoridades francesas na vigilância dos passos de Mohammed Merah. "O au­­tor destes atentados monstruosos foi interrogado recentemente pelos serviços de Inteli­­gência. Acredito que podemos nos perguntar se houve uma falha ou não. É preciso que isto seja esclarecido", disse numa entrevista na rádio Europe 1, ao sugerir a abertura de um inquérito.

O ministro do Interior, Claude Guéant, havia citado a convocação do suspeito para um interrogatório em novembro de 2011, pelo serviço regional de Toulou­­se, após suas viagens ao Afega­­nis­­tão e ao Paquistão, mas disse que, "com a prova de fotos", Me­­rah teria explicado que visitara os dois países como turista. Pos­­te­­riormente, foi perdido seu rastro.

Às provas de autoria dos crimes foram acrescidos ontem os vídeos encontrados numa sacola do suspeito. Merah filmava suas execuções por meio de uma pe­­quena câmera GoPro pendurada no peito.

O procurador da Re­­pública de Paris, François Mo­­lins, disse ter assistido às imagens e confirmou a filmagem dos três atentados em Toulouse e Montauban. No vídeo da morte do militar Imad Ibn Ziaten, no dia 11, o procurador contou que se pode ou­­vir o assassino dizer a sua vítima, antes de matá-la com dois tiros à queima-roupa: "Você mata meus irmãos, eu te mato".

Para Christian Etelin, advogado que defendeu Merah em pe­­quenas causas de delinquência, a polícia não insistiu como deveria no "eixo psicológico" nos diálogos de negociação, o que teria colaborado a levar seu ex-cliente a recusar a rendição e se encerrar numa lógica de combate e de resistência até o final.

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Entrevista

"A ameaça de terrorismo na Europa é maior do que se pensa"

Claude Moniquet, presidente do Centro Europeu para Inteligência Estratégia e de Segurança.

Para o especialista em terrorismo Claude Moniquet, a ameaça do extremismo islâmico na Europa está sendo subestimada. Ex-agente secreto francês que trabalhou anos como jornalista e atual presidente do Centro Europeu para Inteligência Estratégia e de Segurança (ESISC), em Bruxelas, Moniquet afirma nesta entrevista à Agência O Globo ser impossível monitorar todos os supostos e possíveis radicais para impedir ataques como o de Toulouse.

A descoberta que um jovem francês de origem argelina está por trás dos três ataques o surpreendeu?

Não, porque desde setembro de 2001, e mesmo antes, vimos centenas de jovens com mais ou menos o mesmo perfil serem presos por brigadas antiterroristas. Eram jovens ligados à Al-Qaeda ou ao Grupo Islâmico Armado (GIA) argelino. O público tem, às vezes, a impressão de que não há mais ameaça terrorista na França e na Europa porque não há mais atentados desde julho de 2005, no Reino Unido. Mas centenas de células terroristas na Europa foram desmontadas nesse período. Sabemos que a ameaça terrorista continua.

Além da escola judaica, por que o criminoso escolheu como alvo militares de origem árabe e muçulmanos, como ele?

Porque é ainda pior. Não se deve esquecer de que as principais vítimas do terrorismo islâmico são muçulmanos. Eles matam todos os dias no Iêmen, no Paquistão, no Afeganistão e no Iraque dezenas de muçulmanos em atentados. Para os extremistas, o bom muçulmano é o que pensa como eles, que apoia a jihad. O que não apoia é visto como mau muçulmano.

A marginalização na França de jovens franceses filhos de imigrantes, sobretudo árabes, explica o recrutamento por movimentos salafistas?

Sim e não. Felizmente, a maioria dos jovens muçulmanos, mesmo os que têm problemas, não se tornam delinquentes. Tentam sair de sua condição e achar um trabalho, mesmo sendo difícil. Tem racismo e exclusão na Europa, isto é certo. Entre os que partem para a delinquência, a maioria não se torna islamita. Mas o que assistimos há 20 anos na Europa é que é mais fácil recrutar no meio delinquente e nas prisões, porque são jovens que não veem futuro. Os propagandistas (do extremismo) vão e dizem: você não teve problema com a polícia e a Justiça porque fez algo de mau, mas porque é muçulmano.

Quantos passam para o extremismo na França?

É muito difícil dizer. Estimamos que há milhares de pessoas, jovens e não jovens, menos de 10 mil, próximas aos meios islamitas radicais. Entre estes, centenas são perigosas e uma dezena é muito perigosa. Mas é impossível ter cifras exatas. Se consideramos que há 6 milhões de muçulmanos na França, esses 10 mil não representam muito, mas são o suficiente para provocar muitos estragos.

Como explicar que um jovem fichado e monitorado há anos pudesse viver tranquilamente em Toulouse?

Temos um jovem de perfil interessante: esteve no Afeganistão, no Paquistão, parece extremista, mas é tudo que se sabe. Há milhares de pessoas com esse perfil e é preciso escolher. Não dá para monitorar todo mundo. Primeiro porque a França é uma democracia e não há pessoal o bastante para seguir todo mundo.

Não foi necessariamente uma falha do sistema de inteligência francês?

Não acho. Para vigiar totalmente alguém é preciso monitorar sua casa e segui-lo. É preciso pelo menos 15 pessoas e vários veículos. Se você multiplicar isso pelo número de pessoas monitoradas na França, fica impossível.

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