O pesadelo de Toulouse terminou ontem pela manhã após um intenso tiroteio e a morte de Mohammed Merah, o atirador extremista suspeito de assassinar na região três militares franceses, um rabino e três crianças judias entre os dias 11 e 19 deste mês. Sitiado por 32 horas em seu apartamento, com repetidas promessas de render-se, o suspeito reagiu de forma violenta ao assalto final do Raid, a unidade de elite da polícia francesa, e morreu atirando ao saltar pela janela, atingido por uma bala na cabeça.
A morte de Mohammed Merah não responde a todas as questões em torno dos massacres ocorridos. Tratava-se de um psicopata "lobo solitário" ou de um militante terrorista auxiliado por cúmplices? O importante arsenal de todos os calibres encontrado em seu poder, mais seus veículos e suas moradias, levantam várias dúvidas sobre a origem de seus meios e recursos, uma vez que estava desempregado. Além disso, a competência dos serviços de inteligência franceses foi questionada por uma estrela do governo, o ministro das Relações Exteriores, Alain Juppé.
As autoridades contavam em capturar vivo o franco-argelino de 23 anos que se dizia militante da rede terrorista Al-Qaeda e do movimento fundamentalista salafista que prega uma interpretação literal do Alcorão , para interrogá-lo e obter informações sobre sua radicalização islamita e suas eventuais conexões. Preso junto com a mulher, o irmão dele, Abedelkader Merah, que vinha sendo investigado pelos serviços de inteligência por seu radicalismo islâmico, mantinha até ontem seu silêncio durante os interrogatórios. Aziri, mãe de Mohammed, também permanecia detida.
"Falha"
O chanceler Juppé insuflou a polêmica ao insinuar uma eventual negligência das autoridades francesas na vigilância dos passos de Mohammed Merah. "O autor destes atentados monstruosos foi interrogado recentemente pelos serviços de Inteligência. Acredito que podemos nos perguntar se houve uma falha ou não. É preciso que isto seja esclarecido", disse numa entrevista na rádio Europe 1, ao sugerir a abertura de um inquérito.
O ministro do Interior, Claude Guéant, havia citado a convocação do suspeito para um interrogatório em novembro de 2011, pelo serviço regional de Toulouse, após suas viagens ao Afeganistão e ao Paquistão, mas disse que, "com a prova de fotos", Merah teria explicado que visitara os dois países como turista. Posteriormente, foi perdido seu rastro.
Às provas de autoria dos crimes foram acrescidos ontem os vídeos encontrados numa sacola do suspeito. Merah filmava suas execuções por meio de uma pequena câmera GoPro pendurada no peito.
O procurador da República de Paris, François Molins, disse ter assistido às imagens e confirmou a filmagem dos três atentados em Toulouse e Montauban. No vídeo da morte do militar Imad Ibn Ziaten, no dia 11, o procurador contou que se pode ouvir o assassino dizer a sua vítima, antes de matá-la com dois tiros à queima-roupa: "Você mata meus irmãos, eu te mato".
Para Christian Etelin, advogado que defendeu Merah em pequenas causas de delinquência, a polícia não insistiu como deveria no "eixo psicológico" nos diálogos de negociação, o que teria colaborado a levar seu ex-cliente a recusar a rendição e se encerrar numa lógica de combate e de resistência até o final.
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Entrevista
"A ameaça de terrorismo na Europa é maior do que se pensa"
Claude Moniquet, presidente do Centro Europeu para Inteligência Estratégia e de Segurança.
Para o especialista em terrorismo Claude Moniquet, a ameaça do extremismo islâmico na Europa está sendo subestimada. Ex-agente secreto francês que trabalhou anos como jornalista e atual presidente do Centro Europeu para Inteligência Estratégia e de Segurança (ESISC), em Bruxelas, Moniquet afirma nesta entrevista à Agência O Globo ser impossível monitorar todos os supostos e possíveis radicais para impedir ataques como o de Toulouse.
A descoberta que um jovem francês de origem argelina está por trás dos três ataques o surpreendeu?
Não, porque desde setembro de 2001, e mesmo antes, vimos centenas de jovens com mais ou menos o mesmo perfil serem presos por brigadas antiterroristas. Eram jovens ligados à Al-Qaeda ou ao Grupo Islâmico Armado (GIA) argelino. O público tem, às vezes, a impressão de que não há mais ameaça terrorista na França e na Europa porque não há mais atentados desde julho de 2005, no Reino Unido. Mas centenas de células terroristas na Europa foram desmontadas nesse período. Sabemos que a ameaça terrorista continua.
Além da escola judaica, por que o criminoso escolheu como alvo militares de origem árabe e muçulmanos, como ele?
Porque é ainda pior. Não se deve esquecer de que as principais vítimas do terrorismo islâmico são muçulmanos. Eles matam todos os dias no Iêmen, no Paquistão, no Afeganistão e no Iraque dezenas de muçulmanos em atentados. Para os extremistas, o bom muçulmano é o que pensa como eles, que apoia a jihad. O que não apoia é visto como mau muçulmano.
A marginalização na França de jovens franceses filhos de imigrantes, sobretudo árabes, explica o recrutamento por movimentos salafistas?
Sim e não. Felizmente, a maioria dos jovens muçulmanos, mesmo os que têm problemas, não se tornam delinquentes. Tentam sair de sua condição e achar um trabalho, mesmo sendo difícil. Tem racismo e exclusão na Europa, isto é certo. Entre os que partem para a delinquência, a maioria não se torna islamita. Mas o que assistimos há 20 anos na Europa é que é mais fácil recrutar no meio delinquente e nas prisões, porque são jovens que não veem futuro. Os propagandistas (do extremismo) vão e dizem: você não teve problema com a polícia e a Justiça porque fez algo de mau, mas porque é muçulmano.
Quantos passam para o extremismo na França?
É muito difícil dizer. Estimamos que há milhares de pessoas, jovens e não jovens, menos de 10 mil, próximas aos meios islamitas radicais. Entre estes, centenas são perigosas e uma dezena é muito perigosa. Mas é impossível ter cifras exatas. Se consideramos que há 6 milhões de muçulmanos na França, esses 10 mil não representam muito, mas são o suficiente para provocar muitos estragos.
Como explicar que um jovem fichado e monitorado há anos pudesse viver tranquilamente em Toulouse?
Temos um jovem de perfil interessante: esteve no Afeganistão, no Paquistão, parece extremista, mas é tudo que se sabe. Há milhares de pessoas com esse perfil e é preciso escolher. Não dá para monitorar todo mundo. Primeiro porque a França é uma democracia e não há pessoal o bastante para seguir todo mundo.
Não foi necessariamente uma falha do sistema de inteligência francês?
Não acho. Para vigiar totalmente alguém é preciso monitorar sua casa e segui-lo. É preciso pelo menos 15 pessoas e vários veículos. Se você multiplicar isso pelo número de pessoas monitoradas na França, fica impossível.