A presidente da Argentina, Cristina Fernández de Kirchner, perdeu seu marido e principal conselheiro, mas a morte dele poderá lhe dar uma oportunidade política ao desestabilizar os rivais a menos de um ano da próxima eleição.
A morte totalmente inesperada do ex-presidente Néstor Kirchner na semana passada provocou uma reviravolta política na segunda maior economia da América do Sul. Ele deveria concorrer à presidência em outubro do ano que vem, assumindo o poder das mãos de sua mulher assim como ela lhe sucedeu em 2007. Agora, Cristina deverá buscar, ela própria, a reeleição.
Os mercados se normalizaram após a morte de Kirchner, percebendo o fim do estilo combativo do casal e das políticas econômicas não ortodoxas, como nacionalizações súbitas, subnotificação dos dados de inflação e restrições à exportação de grãos.
Mas com a economia crescendo, e com as taxas de aprovação provavelmente crescendo por solidariedade, a presidente poderá ver poucos motivos para mudar de rumo, especialmente se ela puder contar com o apoio dos figurões do Partido Peronista, que controlam a máquina eleitoral.
Por enquanto, os prefeitos dos subúrbios que cercam Buenos Aires, o coração do peronismo e região vital para o sucesso eleitoral nacional, têm prometido lealdade a Cristina.
Há tempos o peronismo tem força para ganhar eleições e mobilizar as massas. Assim, as cenas da semana passada de dezenas de milhares de pessoas fazendo fila para ver o caixão de Kirchner e expressando apoio a Cristina deve fazer os rebeldes pensarem duas vezes.
"Depois dessa demonstração, ninguém pode questionar a legitimidade da presidente e o fato de ela ser não apenas nossa presidente, mas nossa líder política", disse Fernando Espinoza, prefeito de La Matanza, distrito com mais de 1,3 milhão de habitantes, cobiçado por políticos em campanha.
La Matanza, uma região de operários nas imediações de Buenos Aires, é um bastião do peronismo -- o conjunto de idéias políticas cujo nome é uma homenagem ao presidente Juan Perón e se inspira na mulher dele, Evita.
Cristina poderá buscar um substituto para assumir o papel influente do marido no círculo mais íntimo do casal, como o chefe de gabinete Aníbal Fernández, que também serviu sob o governo do ex-presidente Eduardo Duhalde, da oposição.
AMEAÇA VINDA DE DENTRO
A escolha dela será crucial. Qualquer fracasso em manter os líderes peronistas ao seu lado poderá trazer dificuldade ao governo no último ano de seu mandato e minar as chances de reeleição.
"Há muitas pessoas ambiciosas que temiam Néstor e teremos de ver se ela pode manter tudo isso sob controle como ele fazia", disse o consultor político argentino Freddy Thomsen.
"Vamos querer ver em quem ela confia para obter conselhos, porque Néstor fazia muito isso", acrescentou.
Um dos maiores desafios deverá ser conter o líder sindical Hugo Moyano, cujo poder, riqueza e influência crescentes dentro do governo tem feito soar os alarmes em fileiras do partido peronista.
Nos meses que antecederam sua morte, dizia-se que Kirchner estava sob forte pressão de Moyano, que controla o sindicato dos motoristas de caminhão e chefia o Partido Peronista na província de Buenos Aires.
Os caminhoneiros têm o potencial de paralisar o país e impedir as exportações de grãos de chegarem ao porto. Alguns analistas afirmam que, por essa razão, Kirchner optou por manter Moyano próximo de si, mas Cristina poderá buscar um relacionamento não tão estreito.
"A única pessoas com a qual estou casada é Néstor Kirchner", disse a presidente dias antes da morte do marido, num comentário que parte da mídia local interpretou como uma alusão a Moyano.
Embora a morte de Kirchner prive Cristina de seu aliado mais próximo, ela também desorientou uma facção peronista que buscava retomar o controle do partido e preparava-se para disputar com Kirchner a eleição do ano que vem.
Mesmo que o provável voto de solidariedade à presidente se esmaeça muito antes da eleição, os chamados peronistas federais terão uma dificuldade maior para ganhar força com Kirchner fora da equação.
Kirchner era considerado por muitos o mais agressivo do casal e os críticos o descrevem como uma pessoa sombria. Apesar de receber o crédito de ter retirado a Argentina da recessão e da crise financeira quando presidente entre 2003-2007, as taxas de aprovação do ex-presidente seguiam a de sua mulher.
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