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Embora a criminalidade no Chile siga abaixo da maioria dos seus vizinhos na América Latina, as taxas vêm subindo e um evento impactante no final de abril expôs como o país vive uma crise de segurança sem precedentes.
No último fim de semana do mês, foram encontrados os corpos carbonizados de três carabineiros (como são chamados os agentes de policiamento ostensivo chilenos), mortos numa emboscada no sul do país.
Desde então, os debates sobre medidas de segurança têm monopolizado a pauta do Parlamento chileno. Entre as propostas em discussão, estão o estabelecimento de novas normas sobre o uso da força pela polícia e pelas Forças Armadas e a criação de um Ministério da Segurança, separado do Ministério do Interior.
O deputado conservador Johannes Kaiser apresentou um projeto de lei para restabelecer a pena de morte para os condenados por assassinar policiais ou integrantes das Forças Armadas (a pena capital na Justiça comum chilena foi abolida em 2001), proposta que já havia sido defendida pelo governador da região de Valparaíso, Rodrigo Mundaca.
Em entrevista à agência Associated Press (AP), Jorge Araya Moyra, especialista em segurança pública e pesquisador da Universidade de Santiago do Chile, destacou que a violência no país tem aumentado em razão da maior presença do tráfico de drogas e armas, de uma grande onda de imigrantes ilegais, especialmente da Colômbia, Venezuela e Haiti, e da entrada do crime organizado.
“As gangues entraram no extremo norte do Chile, se desenvolveram ali e se expandiram rapidamente para outras regiões no centro e no sul. E este é um fenômeno extremamente novo, de um tipo de criminoso com muitas armas, com assassinatos muito cruéis e de uma forma que não conhecíamos no Chile”, explicou Araya.
Entre 2019 e 2023, a taxa de homicídios anual por 100 mil habitantes no Chile passou de 2,6 para 4,5.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera que a violência é epidêmica numa região quando ocorrem mais de dez homicídios para cada 100 mil habitantes. Ou seja, o patamar chileno segue muito abaixo desse limiar, mas o crescimento assusta num país acostumado a taxas abaixo de três assassinatos por 100 mil habitantes.
A situação influencia na popularidade do presidente de esquerda Gabriel Boric. A última pesquisa do instituto Plaza Pública Cadem revelou que apenas 24% dos chilenos aprovam sua gestão, o índice mais baixo desde que ele chegou à presidência em 2022, e a segurança pública é apontada como a maior preocupação.
Em entrevista ao jornal argentino La Nacion, o analista político Mauricio Morales, da Universidade de Talca, destacou que Boric, como deputado e no início do seu mandato presidencial, apoiou medidas para retirar poderes da polícia, como uma proposta de nova Constituição que fracassou num referendo em 2022 e que previa o fim dos carabineiros, que seriam substituídos por outra corporação.
Entretanto, destacou o analista, a crise de segurança forçou o presidente a mudar de postura – medidas mais rígidas para expulsão de imigrantes ilegais foram implantadas, por exemplo, e o diálogo do mandatário esquerdista com os carabineiros foi intensificado.
“Depois de ser ferrenho opositor e crítico dos carabineiros, [Boric] se transformou em parceiro deles, dado o contexto de luta contra a criminalidade, o crime organizado e o terrorismo. O assassinato de três carabineiros fortalece esse vínculo, juntamente com uma tremenda dose de arrependimento pelos maus-tratos infligidos àquela instituição durante seu período como deputado”, diagnosticou Morales.
Resta saber se essa aproximação será suficiente e se já não é tarde demais para evitar que o Chile siga o caminho do Equador, outro país sul-americano outrora acostumado a índices baixos de violência e que nos últimos anos foi dominado pelo crime organizado.