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Apoiadores dos terroristas houthis exibem cartaz com foto do ex-líder político do Hamas, Ismail Haniyeh, em protesto no Iêmen na sexta-feira (30)
Apoiadores dos terroristas houthis exibem cartaz com foto do ex-líder político do Hamas, Ismail Haniyeh, em protesto no Iêmen na sexta-feira (30)| Foto: EFE/EPA/YAHYA ARHAB

Neste sábado (31), completa-se um mês da morte do líder político do grupo terrorista Hamas, Ismail Haniyeh. Fontes ouvidas pela imprensa dos Estados Unidos apontaram que ele foi morto com um dispositivo explosivo que teria sido colocado cerca de dois meses antes na casa onde ele estava hospedado em Teerã, capital do Irã.

O dispositivo escondido foi detonado de forma remota quando Haniyeh estava dentro do quarto onde sempre ficava na casa, informaram as fontes. O jornal judaico The Jewish Chronicle, sediado em Londres, apurou que o dispositivo foi colocado debaixo da cama de Haniyeh por dois membros da Guarda Revolucionária Islâmica, recrutados pelo Mossad, a agência de inteligência de Israel.

O governo israelense não assumiu nem negou a autoria do assassinato. Haniyeh provavelmente estava se sentindo seguro naquele dia em Teerã. Se tivesse estudado a história de Israel mais a fundo, talvez não estaria tão confiante.

O assassinato do líder político do Hamas é apenas o episódio mais recente de uma política da área de defesa de Israel baseada numa frase do Talmude: “Se alguém vier matá-lo, levante-se e mate-o primeiro”.

A segunda metade dessa frase, “Levante-se e Mate Primeiro”, é o título de um livro do israelense Ronan Bergman, lançado no Brasil em 2020 pela editora Record e no qual é descrita a história de décadas do que o jornalista chama de “assassinatos seletivos” por parte de Israel.

Israel é um país pequeno, cercado por inimigos que desde o início rejeitaram o seu direito de existir. Dessa forma, sempre recorreu a operações pontuais em outros países para eliminar indivíduos que representavam uma ameaça à sua segurança.

Alguns desses casos são preventivos, como os assassinatos de cientistas iranianos envolvidos no programa nuclear de Teerã: o Irã ter armas nucleares é o maior temor de Israel hoje.

Porém, os episódios mais famosos foram aqueles nos quais Israel retaliou contra pessoas que promoveram violência contra judeus e israelenses.

A fama das forças especiais de Israel se deve, em grande parte, a uma operação ousada que aconteceu na América do Sul.

Em 1960, depois de terem localizado o líder nazista Adolf Eichmann vivendo com um nome falso na periferia de Buenos Aires, na Argentina, os agentes do Mossad elaboraram um plano de altíssima complexidade que envolveu capturá-lo sem chamar a atenção, levá-lo secretamente a um avião usado por diplomatas israelenses e conduzi-lo até Israel. Tudo isso sem que o governo da Argentina (à época, não muito interessado em procurar nazistas) desconfiasse.

Eichmann foi julgado em Jerusalém e condenado à morte, sentença cumprida em 1º de junho de 1962.

No início da década seguinte, Israel já tinha adotado a tática de exterminar alvos terroristas antes que eles atacassem. Mas o atentado de 1972, na Olimpíada de Munique, e a forma desastrosa como as autoridades alemãs lidaram com o caso, resultando na morte de 11 membros da delegação israelense, reacenderam em Israel a percepção de que eles precisavam agir por conta própria.

A partir dali, o primeiro-ministro passaria a autorizar ataques mesmo em países amigos, sem que as autoridades locais fossem notificadas de antemão.

O primeiro membro do Setembro Negro, grupo terrorista palestino responsável pelo massacre em Munique, a ser morto foi Wael Zwaiter, assassinado a tiros em Roma. O grau de envolvimento dele no atentado era discutível, mas ele certamente integrava a Organização pela Libertação da Palestina.

Depois, foi a vez de Mahmoud Hamshari, o número 2 do Setembro Negro. Os agentes israelenses se infiltraram no apartamento dele e substituíram a mesa onde ele mantinha o telefone por outra idêntica — mas recheada de explosivos. Ele recebeu uma ligação e as últimas palavras que ouviu antes de ser eliminado foram: “É o doutor Hamshari?”.

Em Beirute, forças israelenses (incluindo homens disfarçados de mulheres) invadiram dois prédios de apartamentos e mataram três líderes terroristas de uma vez. Em Paris, eles mataram Basil al-Kubaisi.

Zaid Muchassi foi morto em Atenas, sem suspeitar que havia uma bomba embaixo da cama no seu quarto de hotel. Destino semelhante teve Hussein Abd al-Chir.

Ali Hassan Salameh, um dos líderes do Setembro Negro, era um alvo especial e foi morto a tiros em Lillehammer, na Noruega. Ao menos, era isso o que os israelenses acreditavam. Na verdade, eles mataram Ahmed Bouchiki, um imigrante marroquino que trabalhava como garçom e limpador de piscinas.

Em 1978, um agente substituiu a pasta de dente de Wadie Haddad, outro alvo, por um tubo contendo uma toxina letal desenvolvida por pesquisadores israelenses. Pouco a pouco, ele foi envenenado e morreu em grande agonia num hospital em Berlim Oriental. 

Salameh seria morto apenas em 1979, quando teve o carro explodido quando passeava por Beirute.

Ao longo das décadas, a política israelense de “assassinatos seletivos” gerou discussões com aliados, como os Estados Unidos, e até crises diplomáticas.

Em 2010, por exemplo, o governo da Irlanda expulsou um diplomata israelense em protesto contra o uso de passaportes falsos irlandeses durante uma operação em Dubai na qual foi morto Mahmoud al-Mabhouh, um líder do Hamas.

Ainda assim, como mostra o livro de Bergman, a opinião geral na comunidade de inteligência de Israel é que, apesar de alguns erros e da cobrança internacional, a política de “assassinatos seletivos” foi bem sucedida e tornou o país mais seguro e respeitado.

Especialista aponta diferenças

Em entrevista à Gazeta do Povo, o cientista político Igor Sabino, gerente de conteúdo da StandWithUs Brasil, instituição educacional sobre Israel sem fins lucrativos, e membro do The Philos Project, organização que promove o engajamento cristão no Oriente Médio, afirmou que o momento atual e a morte de Haniyeh têm algumas diferenças em relação a outras “eliminações” realizadas pelo governo israelense.

No caso de Eichmann, Israel tinha a percepção de que não havia mecanismos internacionais adequados, como o Tribunal Penal Internacional (TPI) – que seria criado apenas no início deste século –, para punir criminosos nazistas, apesar do Tribunal de Nuremberg e outros julgamentos.

“Muitos nazistas fugiram e receberam abrigo em países árabes e até na América Latina. O Josef Mengele morreu no Brasil [em 1979] sem nunca ter sido julgado”, explicou Sabino.

O atentado de Munique reforçou essa impressão de necessidade de “agir por conta própria”. “Atletas israelenses foram mortos numa Olimpíada na Alemanha, menos de três décadas depois do Holocausto, quando as forças de inteligência de Israel, o Mossad, tinham se prontificado para fazer a segurança daqueles atletas e a Alemanha não aceitou. Depois, nas negociações durante o sequestro, houve também falhas da polícia alemã”, afirmou o cientista político.

Ao longo das décadas, Israel deixou de ter como inimigos movimentos árabes seculares e passou a ser visado por grupos islâmicos, financiados pelo Irã a partir da tomada do poder pelos aiatolás em 1979.

A política de “assassinatos seletivos” se manteve, mas, segundo Sabino, deixou de ser discreta após os atentados do Hamas em 7 de outubro do ano passado, devido ao trauma profundo que causou na sociedade israelense.

“A postura com o Hamas mudou, Israel deixou claro que vai perseguir todos os envolvidos no planejamento do 7 de outubro, todos serão mortos. O [primeiro-ministro Benjamin] Netanyahu disse que cada membro do Hamas responsável pelos atentados é um homem morto”, disse Sabino.

O cientista político apontou que, se em 1960 Israel lamentava a falta de uma corte internacional para lidar com Eichmann, hoje o governo israelense tem outra postura.

“No caso do Haniyeh, é diferente, porque ele estava sendo investigado pelo TPI, que estava disposto a julgá-lo, mas que deu indícios também de que vai julgar o Netanyahu, outras autoridades israelenses”, comparou Sabino.

“Agora, Israel afirma que não tem sentido um tribunal penal internacional querer julgar seus líderes pela condução da guerra atual e equipará-los aos líderes do Hamas, justamente pelo fato de Israel ser um país independente, ter uma suprema corte, é capaz de lidar com isso internamente”, explicou.

O cientista político enfatizou que, ao contrário da Argentina de 64 anos atrás, o Irã não pode alegar que houve desrespeito à sua soberania nacional na operação contra Haniyeh, porque israelenses e Teerã estão tecnicamente em guerra, primeiro por procuração (por meio dos grupos terroristas que o Irã ajuda) e depois diretamente, com a troca de ataques registrada este ano.

“É muito complicada a maneira como o direito internacional é interpretado, o que pode ser feito de acordo com os interesses dos Estados. Vivemos numa anarquia internacional. Por exemplo, o Conselho de Segurança da ONU não considera o Hamas um grupo terrorista, embora as ações do Hamas possam ser enquadradas na própria definição da ONU de terrorismo. Mas isso acaba não acontecendo porque na hora de votar a Rússia não aceita que o Hamas seja considerado um grupo terrorista, assim como a China, e ambas têm poder de veto”, afirmou Sabino.

“Uma das críticas que se faz a Israel é que o país faz interpretações muito amplas do direito internacional, mas isso não significa que estaria agindo contra ele”, ponderou.

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