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Os dados de mortes por Covid-19 divulgados oficialmente pela China são muito inferiores à média global, uma política que o governo manteve nos últimos anos, quando tentou fazer o mundo acreditar que o país de 1,5 bilhão de habitantes havia registrado apenas cerca de cinco mil mortes entre o início da pandemia e janeiro de 2023. Agora, esse número já está em 60 mil mortes registradas apenas no último mês, mas especialistas ainda afirmam que este valor está subestimado — há quem fale em 25 mil por dia. Há também denúncias de que óbitos pela doença são registrados como sendo decorrentes de outras enfermidades e conteúdos que exponham a realidade do surto são censurados nas redes sociais. Em meio a essa falta de informação, frigoríficos estariam congelando corpos por até um mês, devido à superlotação de crematórios, como aponta uma investigação do jornal francês Le Monde.
De acordo com o periódico, a Câmara Frigorífica do armazém Shanghai Shenhong, localizado no distrito de Baoshan, no norte de Xangai, em uma região industrial onde há outros galpões refrigerados, utilizado para armazenar frutos do mar ou carnes, está sendo usado para armazenar os corpos de mortos pela Covid. Do lado de fora do armazém citado pela reportagem, é possível ver funcionários vestidos com macacões brancos, mas grandes lonas são esticadas para esconder o descarregamento de caminhões.
Segundo depoimentos tomados pelo Le Monde, a poucos metros do local uma viatura policial está estacionada desde o início do mês. “A polícia nos disse que nenhum veículo deveria estacionar na rua, mas não sei por quê. Deve ter sido no dia 3 ou 4 de janeiro", disse o zelador de uma empresa próxima, indicando que a polícia deve ter conhecimento do que acontece no armazém.
Quando perguntado para que serve o prédio, o zelador responde, parecendo preocupado: "Não posso dizer nada”.
“Dois policiais saem imediatamente de uma van estacionada em frente ao local, proíbem tirar fotos do local e pedem o cartão de imprensa. Cerca de 40 minutos depois que eles nos deixam ir, quatro vans pretas com vidros fumê, como os usados por funerárias, e uma minivan branca alugada entram no complexo do armazém”, descreve na reportagem o correspondente Simon Leplâtre.
“Os motoristas estão todos vestidos com vestimentas completamente brancas ou azuis. Quando saímos do local, o departamento de comunicação da cidade de Xangai entra em contato conosco para perguntar sobre nosso projeto, mas não responde aos nossos pedidos de explicações”, completa.
As pistas para chegar ao armazém e encontrar as evidências foram dadas ao jornalista poucos dias antes por um agente funerário, que apontou que a mesma situação acontece em outras regiões do país.
Dentro desse sistema secreto, famílias questionam sobre a morte de seus entes queridos. Alguns sem saber exatamente a causa da morte dos familiares, sem receber os restos mortais para velar e sem saber onde os corpos estão há semanas.
Carlos Ehlke Braga Filho, professor aposentado de Medicina Legal da Universidade Federal do Paraná e ex-diretor do Instituto Médico Legal (IML), explica que, dentro de uma logística de segurança, é possível fazer congelamento de corpos.
“Sai o cadáver em capa especial. E na geladeira o vírus será destruído. Mas o tema ainda tem opiniões diversas e assusta”, explica o médico, afirmando que enterrar esses corpos seria a opção mais segura, ainda que fossem em covas improvisadas, como diversos países fizeram no pico da pandemia.
Além disso, não se sabe quais cuidados estão sendo tomados nas cidades chinesas, para que os vírus presentes nos corpos não contaminem a população e para que outros riscos decorrentes de um mau congelamento não comprometam a segurança das pessoas.
O surto após a política sanitária draconiana
Após o abandono da política de Covid Zero, em 7 de dezembro de 2022, o vírus se espalhou em uma velocidade que surpreendeu os especialistas, a ponto de o país provavelmente já ter atingido um recorde de infecções. “A atual onda da epidemia já infectou cerca de 80% da população”, disse o epidemiologista chefe da comissão nacional de saúde, Wu Zunyou, no último sábado (21).
Para melhor esconder a realidade sobre o surto da doença no país comandado por uma ditadura comunista, os médicos chineses são encorajados a não mencionar a Covid-19 como causa da morte, segundo vários meios de comunicação.
Até a segunda semana de 2023, as autoridades chinesas só reconheciam oficialmente pouco mais de 5.500 mortes por Covid em quase 3 anos. Números cada vez mais questionados internacionalmente - até mesmo pela Organização Mundial de Saúde - e também internamente, desde que chineses começaram a desconfiar de que a causa da morte de tantos famosos era a infecção pelo coronavírus.
Somente em 14 de janeiro, a comissão nacional de saúde reconheceu 59.938 mortes "relacionadas à Covid" em hospitais chineses entre 8 de dezembro de 2022 e 12 de janeiro. Em seguida, mais 12.658 mortes na semana seguinte. Mesmo assim, o balanço é provavelmente subestimado.
Especialistas da Airfinity, empresa britânica especializada em estatísticas de saúde, estimam que a Covid-19 pode gerar entre 1,3 milhão e 2,1 milhões de mortes na China após a reabertura.