Nos últimos dias, o governo Trump esteve sob pesadas críticas por causa da política de tolerância na fronteira entre os Estados Unidos e o México. Sob essa política, as autoridades precisam processar o maior número possível de pessoas que cruzam a fronteira. Isto significa que os pais que são pegos entrando nos EUA sem autorização são imediatamente colocados em custódia e seus filhos encaminhados a centros de detenção. Mais de 2 mil pessoas foram enviadas a essas unidades nas últimas seis semanas.
Os arquitetos dessa política argumentam que a dureza da medida é parte da abordagem: se entrar nos Estados Unidos é doloroso, dizem eles, as pessoas não irão. Mas isto ignora algo importante. Muitas dessas famílias estão fugindo de lugares extremamente violentos na América Central e não viajando para os EUA em busca de melhores empregos ou de oportunidades econômicas. Muitas estão, literalmente, fugindo para viver.
Uma mulher, que se identificou apenas como Carmen, disse saber da política do presidente Trump. Ela disse que planejou cruzar a fronteira com seu marido e seus três filhos. Sua família fugiu de San Salvador, a capital de El Salvador, porque o membro de uma gangue ficou obcecado por ela. Ele disse que mataria Carmen se eles não namorassem.
A política de Trump não mudou a minha cabeça, afirmou ela. “Se meus filhos puderem ficar aqui, mesmo que eu seja deportada, tenho a esperança de voltar a vê-los. No meu país, a única coisa que me espera é a morte.”
Um estudo da Pew aponta que o número de imigrantes de El Salvador, Honduras e Guatemala cresceu 25% entre 2015 e 2017. No mesmo período, a população de imigrantes aumentou 10%. Em 2015, o último ano para o qual há estatísticas disponíveis, os Estados Unidos aceitaram mais pedidos de asilo desses três países do que de qualquer outro país, exceto a China.
Uma série de motivos porque muitos imigrantes desses países vão para os Estados Unidos.
El Salvador
El Salvador é o país mais violento do mundo e que não está em uma zona de guerra. Mas parece estar. A violência excepcionalmente intensa e persistente, como o Grupo de Crise Internacional define, coloca uma gangue contra outra. A dura resposta do governo local só piorou a situação, com prisões em massa e uma polícia hipermilitarizada, que é acusada de atirar primeiro e perguntar depois.
No ano passado, uma família de seis pessoas explicou às Nações Unidas porque fugiram do país. Durante anos, a família administrou uma pequena loja de conveniência em sua casa, em uma favela de El Salvador. Em 2013, membros de uma gangue passaram a exigir propina. Para se proteger, a família entregou dinheiro e estoques para se proteger. Os salvadorenhos são extorquidos em US$ 756 milhões por ano, de acordo com o Banco Central do país. O órgão estima que o custo da violência corresponda a 16% do PIB.
Um dia, eles não conseguiram pagar. Dias depois, 20 membros de uma gangue bateram à porta e ameaçaram matar toda a família, a menos que eles pagassem US$ 10 mil, cerca de 2,5 vezes e meia do que um salvadorenho ganha em um ano.
A família decidiu fugir no dia seguinte. “Desde que fugiu, a retaliação foi brutal: um parente próximo foi cortado em pedaços e outro foi morto a tiros. A família continua a receber ameaças e vivem em um constante terror por causa do que pode vir”, disse Michelle Centeno, das Nações Unidas.
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As crianças também estão vulneráveis: elas enfrentam ameaças nas mãos das gangues, que variam da extorsão ao recrutamento forçado como membros ou “namoradas” de integrantes. Ser a testemunha de um homicídio praticado por uma gangue, ou estar na parte errada da cidade ou no ônibus errado, pode resultar em morte. De maneira crescente, elas também enfrentam violência por parte da polícia. Os jovens mais pobres são detidos sob a suspeita de serem integrantes de gangues, perseguidos, presos e, em muitos casos, mortos.
Os Estados Unidos tem alguma culpa pelos problemas de El Salvador. Apesar de Trump dizer o contrário, a violenta gangue MS-13 surgiu em Los Angeles. Como resposta, os Estados Unidos deportou milhares de salvadorenhos. O resultado efetivo foi a exportação de uma gangue pronta para um país muito menor e mal equipado para lidar com as consequências.
José Cruz, professor da Florida International University, explicou que a presença do MS-13 na América Central “implantou brutalmente a extorsão, o tráfico de pessoas e de drogas, aterrorizando bairros e ajudando a transformar o Triângulo Norte – El Salvador, Guatemala e Honduras – no local mais mortal do mundo.”
Honduras
Dizer que Honduras é o segundo país mais pobre da América Central, onde 61% da população vivem na pobreza, não capta bem a situação na qual vive o país. Ele é um dos lugares mais desiguais no mundo com desemprego desenfreado e ampla insegurança econômica.
As eleições muito disputadas do último ano deixaram os funcionários do governo sem muita autoridade. O vácuo de poder foi preenchido por gangues poderosas. Para sobreviver, famílias precisam pagar um “tributo de guerra” às gangues. Aqueles que não o fazem, ou não podem fazer, são, frequentemente, mortos.
“Com um governo muito frágil, a violenta situação entre gangues e militares só tende a piorar”, disse Lester Ramirez, da Transparência Internacional.
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“Muitas das pessoas com as quais conversei compreendem os riscos”, disse Ramirez. “Apenas cruzando o México há tráfico humano, estupros e outras coisas do gênero. Mas eles veem que precisam emigrar porque eles não enxergam nenhuma oportunidade.”
Mulheres e garotas são particularmente vulneráveis nos Estados Unidos e em El Salvador. Estes países tem alguma das maiores taxas de homicídio feminino do mundo. A violência sexual também é um problema enorme, muitas vezes não denunciado.
Guatemala
A Guatemala enfrenta problemas similares aos de El Salvador e Honduras, incluindo violência causada por gangues e pobreza. A situação é tão ruim que muitos dos migrantes capturados na fronteira dos Estados Unidos e deportados com algemas, por via aérea, para a Cidade da Guatemala dizem que planejam novamente tentar cruzar a fronteira dos Estados Unidos.
A rede americana de televisão NBC News entrevistou muitos deles que tentaram migrar para os EUA. Um deles, Hicer Fernando, disse que fugiu da Guatemala após seu pai ser morto em um ataque de facão. Sua família é católica e as pessoas que mataram seu pai são evangélicas. “Eles também queriam me matar.” Outro refugiado, Juan Sebastian Tuil Mejia, disse que tinha sido deportado há 18 meses e ainda estava sem emprego.
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Milhares de pessoas fugiram do país, viajando mais de 3 mil quilômetros em direção à fronteira dos Estados Unidos, com a esperança de obter asilo.
A história da família Berduo é emblemática. Wayner, o filho, foi vitima de vários crimes violentos relacionados a gangues na Guatemala. Seu pai disse à rádio americana NPR que barões da droga enviaram assassinos para matar seus filhos em dezembro. O crime? Levar turistas para visitar uma cachoeira no Norte do país. O traficante supostamente não gosta de turistas perto de sua propriedade. “Se voltarmos eles nos matam.” Eles já foram rejeitados três vezes pelas autoridades americanas.