Se você tivesse duas opções: sentir dor ou não sentir dor, qual escolheria? Um grupo de mulheres não tem dúvida: não ligam de sentir dor, quando ela compensa. São mães que abriram mão dos confortos da medicina moderna e tiveram seus filhos "à moda antiga": em casa. A prática ganha cada vez mais adeptas, mas não têm o apoio de boa parte dos médicos.
"Fiquei 45 horas em trabalho de parto e oito horas em trabalho de parto ativo, com contrações regulares de minuto em minuto", conta a cantora Ana Ariel, de 26 anos.
Parece muito sofrimento? Pois Ana afirma que foi exatamente o contrário: um alívio. "Pude depois de duas horas já tomar meu banho, no nosso banheiro, deitar na nossa cama, na nossa casa. E comer o merecido prato especial do maridão", conta.
Ela não é a única. "Só de pensar que minha filha poderia ficar em observação quatro horas longe de mim me dava arrepios", afirma a professora de yoga Fabiana Higa. "Em nenhum momento me passou pela cabeça ir para o hospital. Mesmo nas piores dores", diz Fabiana que deu à luz em sua nova casa, que não tinha sido nem montada, nem tinha energia elétrica. Por pouco, a filha não nasceu no hotel. "Luana nasceu no aconchego dos braços dos pais", conta ela
"Pode parecer meio doida toda a história, mas foi sensata do ponto de vista da natureza. Parir é um ato fisiológico extremamente natural da mulher", diz Fabiana. A arquiteta Fernanda Passos, de 29 anos, concorda. "O nascer de um filho já é um evento único na vida de uma mulher e participar ativamente desse processo é incrível", afirma ela, que no começo da gravidez nem considerava a possibilidade de parir em casa. "Me faltava coragem", admite Fernanda.
A decisão só ocorreu após uma pedra no rim. "Fiquei cinco dias internada no hospital que eu teria minha filha. Queria fugir de todos aqueles procedimentos dos hospitais, da burocracia e das regrinhas ditadas por enfermeiras", conta a arquiteta. "Logo que saí, falei para meu marido que não queria colocar meus pés lá nunca mais, que não conseguia me ver parindo naquele lugar", avisou Fernanda.
Foi quando ela começou a primeira parte da "batalha" que as mães que querem ter seus filhos em casa enfrentam. Round 1: o marido. "Ele já foi logo dizendo: não inventa!", conta Fernanda. "Ele dizia que queria estar cercado de tecnologia, que se sentiria mais seguro."
A discussão só foi vencida com o tempo. Em vez de brigar, Fernanda passou a contar relatos de partos domiciliares, informava dados sobre o assunto e levou o marido para um curso de preparação para o parto. "No curso ele percebeu o quão simples é nascer, tomou conhecimento da importância da mulher se sentir segura e a vontade para parir", conta a arquiteta. "No segundo dia do curso, ele disse: se você quer mesmo ter nossa filha em casa é melhor mandar arrumar o aquecedor".
Pacientes x Médicos
Depois de convencer o marido, vem a segunda parte: o médico. Fernanda abriu o jogo com sua ginecologista e teve o apoio dela. Na hora do parto, a médica foi até sua casa e fez o parto. Fernanda Higa também contou com o apoio do obstetra. "O médico deixou a decisão nas nossas mãos. Claro, ele alertou, mas a palavra final foi nossa. Ele respeitou o meu desejo."
Mas isso é raro. Ana Ariel conversou com sua médica e a profissional concordou em limitar a intervenção médica ao mínimo possível desde que o parto fosse no hospital. A cantora apresentava risco de parto prematuro, mas mesmo assim não abriu mão de parir em casa. O parto ocorreu apenas com o marido e uma parteira.
Grávida de 22 semanas, a terapeuta ocupacional Carla Arruda, de 25 anos, nem pretende informar seu médico da decisão de ter seu filho, Henrique, em casa. "Há muito preconceito e me expôr a um médico que não acredita no parto domiciliar só me traria desgaste. Faço apenas o pré-natal com esse médico para ter referência em meu hospital caso necessite ser internada ou algo de errado aconteça na minha gestação", conta ela.
O ginecologista e obstetra Júlio Élito, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), critica a decisão. "A relação médico-paciente precisa de confiança. Não pode começar com uma mentira. Ela está insegura e precisa ter um médico que resolva a sua insegurança. O médico não é um inimigo", orienta ele.
Alerta médico
Élito é contra o parto em casa, por considerar muito arriscado. "A maioria dos partos, de fato, ocorrem normalmente. Mas o parto é uma situação imprevisível. Por mais que tudo pareça normal pode haver uma complicação e estar longe do hospital nessa hora pode ser fatal", aconselha.
"Já fiz muitos partos e perdi a conta de quantas vezes um nascimento em que tudo corria normalmente mudou de rumo. Eu tive que fazer manobras e tomar decisões em questão de minutos. Mas isso só foi possível com os recursos de um hospital, que pode reverter um quadro de emergência", diz o médico.
O que não significa que ele não seja a favor do desejo das mães de terem filhos sem intervenção médica. Para Élito, é errado ser radical para qualquer um dos lados. "A cesariana é uma cirurgia de emergência que não pode virar rotina e só deve ser utilizada quando o parto natural é impossível", acredita o médico. "Mas é possível ter um parto natural, sem intervenção médica, sem remédios e sem anestesia, no hospital, onde os recursos estão à mão", afirma.
Júlio Élito explica que muitos hospitais nas grandes cidades têm hoje salas de "parto humanizado". São locais onde os aparelhos e macas dão lugar a sofás, almofadas e banheiras. A mulher dá à luz com conforto, sem "intervenções" dos médicos, mas o obstetra e o pediatra estão ali para ajudar caso haja uma emergência.
"Um rompimento de útero, um deslocamento de planeta são problemas que são revertidos facilmente num hospital. Mas podem ser fatais para mãe e bebê se não forem resolvidos rapidamente. Num rompimento de útero, imagine quanto sangue a mãe vai perder enquanto chama a ambulância, espera a ambulância, vai até o hospital? Esse risco vale a pena?", questiona.
O obstetra afirma também que não é só a vida da mãe que está em jogo. "O bebê pode ter complicações no nascimento. Por exemplo, e se os pulmões não funcionam? É por isso que temos pediatras na sala de parto", explica.
"A chance de dar tudo certo é grande? E, é muito grande. Mas, por menor que seja a chance de algo dar errado, imagine o peso na consciência da mãe se alguma coisa acontecer com seu filho por que ela quis ter o parto longe dos médicos?", pergunta Élito.
"Não falo isso para pôr medo", diz o médico. "É um aviso. É a vida de uma família que está em jogo. No parto não nasce apenas um bebê. Nasce um pai e nasce uma mãe. Qualquer coisa que aconteça com a mãe ou com o bebê, é uma família que é destruída", explica.
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