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Democracia

Na briga entre China e Google, quem perde é a livre expressão

Membros do Legislativo de Taiwan fazem protesto em Taipei contra acordo comercial com a China: no país vizinho, esse tipo de manifestação é reprimida | Nicky Loh/Reuters
Membros do Legislativo de Taiwan fazem protesto em Taipei contra acordo comercial com a China: no país vizinho, esse tipo de manifestação é reprimida (Foto: Nicky Loh/Reuters)

Para muitos, o Google perdeu uma oportunidade de "dar uma lição" à China ao continuar a operar no país após descobrir, no início do ano, que contas de e-mail de usuários seus, ativistas dos direitos humanos, haviam sido invadidas – muito provavelmente, pelo próprio governo. Seguiu-se uma perrenga que envolveu ameaça de corte da li­­cença de operação, mudanças técnicas e, na última sexta-feira, a volta à normalidade. Enquanto o vitorioso da briga é incerto, a grande perdedora é clara: a liberdade de expressão.

A renovação da licença do Go­­ogle para operar na China, concedida na semana passada, não muda nada para quem usa internet no país asiático. Apesar de o redirecionamento de usuários para Hong Kong, iniciado em março, ter sido na prática autorizado pelo governo – o que poderia parecer uma vitória da democracia –, o esquema não representa qualquer ganho para o usuário chinês.

Hoje, quem acessa www.google.cn e tenta buscar algum termo precisa clicar numa grande área de link que leva o usuário virtualmente para Hong Kong (www.google.hk), onde não há censura.

O problema é que Pequim po­­de bloquear o acesso de chineses a qualquer site, caso a pessoa utilize um endereço IP (código que identifica o computador) do território chinês. "A China tem co­­mo saber quem é usuário chinês e bloquear o acesso da pessoa com base no conteúdo", diz o professor da escola de Direito da FGV Carlos Affonso Pereira de Souza. Algu­­mas vezes o resultado da busca até aparece, mas o link é bloqueado.

Por outro lado, as mesmas bre­­chas na censura continuam va­­lendo: qualquer colegial chinês sabe acessar sites alternativos ("proxy") que transferem a navegação para um endereço IP fora do país, na tentativa de burlar a censura.

Da mesma forma, a China continua a ter alto poder de identificação. "Como experiência in­­ternacional de controle da internet, os chineses são os melhores, até porque o fazem com viés politico", diz Luiz Henrique Sou­­za, especialista em Direito Di­­gital do Patricia Peck Pinheiro Advogados.

Um complicador é que a questão da censura da China não depende apenas de tecnologia, seja para vigiar ou burlar, mas também da cultura. Na entrevista acima, um jornalista chinês bastante à vontade com a censura, conta, em conversa com a Gazeta do Povo, que considera o rígido controle da informação útil para manter a coesão social.

Alguns estudiosos de direitos humanos veem como compreensível que o povo chinês encare os direitos fundamentais, como li­­berdade de imprensa e de livre discurso, de forma diferente dos ocidentais.

"A China alega que, num país daquele tamanho, precisa censurar para manter a coesão social e evitar o caos. É difícil afirmar em que medida ela é realmente ne­­cessária", diz o co­­ordenador do curso de Relações Internacionais do UniCuritiba, Juliano Corti­­nhas.

Para ele, a pressão que multinacionais possam exercer sobre esse esquema é basicamente re­­tórica. "Nenhuma empresa iria deixar de investir na China por pressão política."

Ainda mais no caso do Google, que já detém 33% do maior mercado de navegação do mundo. São 384 milhões de internautas chineses, de acordo com o instituto iResearch. O maior site de buscas do país é o Baidu, com 63% de marketshare.

"Não acredito que ficaria muito feio para o Google voltar a filtrar conteúdos (por ordem do governo chinês), já que outros provedores passam pelos mesmos filtros", diz Luiz Henrique Souza.

"Para mim não é claro o impacto disso. Para o Ocidente, pode parecer uma forma de rebelião, mas não sei se é interessante uma empresa ditar valores e a forma como um povo deve se organizar."

Outros analistas acreditam que, por ser um provedor de in­­formações que representa os Es­­tados Unidos, paladino da democracia, o gigante da internet deveria ter sido mais firme. "Se o Google realmente quiser enfatizar sua bandeira, deve continuar a lutar o bom combate e usar sua coragem para tornar seu sistema impenetrável a ataques de forma que seus serviços possam melhorar a vida e o conhecimento do povo chinês", escreveu o editor Daniel Indiviglio para a revista The Atlantic em janeiro, após o início do conflito.

Por enquanto, nada muda para o internauta chinês, e pior: o caso não parece ter servido para fortalecer a defesa da liberdade de informação.

Ao menos, o debate "mostra que a ideia de que a internet é uma terra sem fronteiras é cada vez menos verdadeira", avalia Carlos Affonso Pereira de Souza. "Os governos conseguem trazer para dentro da internet as suas limitações territoriais."

Se a China está ladeada por Irã, Tailândia, Egito e Cuba, que também aplicam algum tipo de censura, significa que a internet ainda está longe de promover a real democratização da informação.

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