Em dezembro de 1994, os Estados Unidos sediaram em Miami a primeira edição da Cúpula das Américas, evento criado com o objetivo de aumentar a cooperação e a integração entre os países do continente.
Na ocasião, a maior potência econômica do mundo, então presidida por Bill Clinton, apresentou formalmente a proposta da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), que naufragou nos anos seguintes.
Esse fiasco prenunciou a difícil realidade evidenciada a outro presidente democrata, Joe Biden, por fatos mais recentes: a promessa de integração de quase 30 anos atrás não se cumpriu e os Estados Unidos vêm perdendo cada vez mais influência junto a seus vizinhos.
Entre segunda (6) e sexta-feira (10), os Estados Unidos voltam a receber a Cúpula das Américas, desta vez em Los Angeles, e Biden planeja na nona edição do encontro discutir uma nova agenda econômica para a região e apresentar um plano para combater o aumento da imigração.
A própria preparação para o evento indica como os Estados Unidos estão isolados no continente: alguns países, como México e Bolívia, condicionaram sua participação a convites para que Cuba, Venezuela e Nicarágua fossem convidadas, enquanto outros, como Argentina e Chile, criticaram a exclusão das três ditaduras.
A guerra da Ucrânia e as relações com a China, talvez os dois assuntos mais importantes da geopolítica mundial hoje, também demonstram a perda de influência americana no continente.
Apesar de discursos de condenação de Colômbia e Chile, o único país das Américas a acompanhar os Estados Unidos nas pesadas sanções à Rússia pela invasão à Ucrânia foi o Canadá. Brasil, México e Argentina, as três maiores economias da América Latina, condenaram as medidas econômicas contra Moscou e pregaram neutralidade a respeito da guerra no leste europeu.
No caso da China, a ditadura comunista aproveitou a saia-justa dos Estados Unidos na organização da Cúpula das Américas para criticar seu maior rival geopolítico. “Em vez de beneficiar a América Latina, os EUA trouxeram à região exploração desenfreada, sanções obstinadas, inflação, interferência política, mudanças de regime, assassinato de políticos e até agressão armada”, apontou o Ministério das Relações Exteriores chinês.
Além dos laços com as ditaduras de esquerda da região, Pequim vem ganhando poder nas Américas há anos com parcerias como uma base de pesquisa espacial na Argentina que é denunciada como um disfarce para atividades militares e um possível acordo de livre-comércio com o Uruguai, vultosos empréstimos de seus bancos estatais a países da região, investimentos e os recursos do programa de infraestrutura Rota da Seda.
Um diplomata latino-americano disse ao Financial Times, sob a condição de anonimato, que os Estados Unidos “são como o Vaticano”.
“É muito difícil ser aceito, você tem que seguir muitas regras, se confessar e ainda pode acabar sendo condenado, ao invés de ir para o paraíso”, ironizou. “Os chineses, por outro lado, são como os dois jovens bem vestidos que batem à sua porta e perguntam como você está se sentindo. Dizem que também acreditam em Deus e querem ajudar. É a estratégia mórmon.”
Resta saber se o encontro desta semana representará um início de reaproximação dos Estados Unidos com sua vizinhança ou se as rachaduras nessa relação ficarão expostas e se aprofundarão ainda mais.
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