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À medida que a Rússia corta o gás para a Europa, em resposta às sanções devido à invasão da Ucrânia, os planos verdes europeus ficam para trás e usinas de carvão que tinham sido desativadas voltam a funcionar. Ao mesmo tempo, as que tinham prazo para encerrar as atividades ficam mais longe de fechar as portas.
Na Alemanha, que em 2019 criou uma lei de proteção climática, prevendo redução de gases do efeito estufa em 55% até 2030 e neutralidade do carbono até 2050 no país, a usina de carvão Heyden-4, na cidade de Petershagen, ao norte do país, foi reativada na segunda-feira (29). É a segunda que retoma as atividades desde a crise energética gerada pela pressão russa.
Em junho, o chanceler alemão, Olaf Scholz, liberou a retomada de 27 centrais de carvão até 2024 e não foi o único líder europeu a permitir essa mudança de estratégia energética. França, Áustria, Itália e Holanda anunciaram interesse em retomar atividades de centrais de carvão que estavam fechadas.
Todos os países da União Europeia têm planos para abandonar esse tipo de energia, que ainda representa 11% da produção energética do continente. Desde 2016, mais da metade das usinas de carvão do continente anunciaram o fechamento, o que reduziu a produção de energia nos países e amarrou alguns deles, especialmente a Alemanha e a Polônia, à exportação russa.
Para garantir o abastecimento, parte dos países da Europa precisaram recorrer aos Estados Unidos, Austrália, Indonésia e África do Sul, o que aumentou os custos. Por isso, voltar atrás e reinvestir no carvão é uma das soluções mais acessíveis à União Europeia.
Mesmo assim, devido ao desinvestimento dos últimos anos, não será uma saída barata. A Europa criou uma espécie de imposto sobre os lucros do carvão, para limitar os danos climáticos. Para cada tonelada de gás carbônico, o desembolso é de 90 euros (cerca de 455 reais). Mais do que o custo natural da produção, existe um gasto extra também com a reforma das estruturas e a recuperação da mão de obra, que diminuiu devido às medidas de fechamento desse setor.
O ministro da economia da Alemanha, Robert Habeck, fala que essa é uma solução transitória, para amenizar a falta de energia no inverno que, segundo ele, "será uma crise pior do que a do coronavírus". Enquanto isso, o ministério francês da transição energética fala em "decisão reversível".
"É desastroso, mas é um mal necessário se a Europa quiser evitar, na melhor das hipóteses, cortes de energia no próximo inverno", destaca Simone Tagliapetra, especialista em energia do think tank Buergel, ao jornal Le Monde, alertando para a importância de que seja uma solução para, apenas, os dois próximos invernos.
O caminho errado da Alemanha
Apesar dos alarmes em relação à retomada de usinas de carvão, existem outros fatores importantes na questão energética na Europa que podem ser vilões muito mais perigosos para o clima e para os cofres dos Estados a longo prazo, e não apenas para os próximos invernos.
Ao contrário de países vizinhos como a França, que investem na energia nuclear como alternativa aos combustíveis fósseis, a Alemanha, quando estava sob a liderança de Angela Merkel, decidiu desativar usinas nucleares, pelos possíveis riscos de vazamento. Uma opção aparentemente sustentável, mas, na prática, não é nada ecológica e ainda prejudicou a economia do país, com a energia mais cara do continente.
Um modelo que foi projetado ainda antes, por Gerard Schröder, que comandou a Alemanha de 1998 a 2005, e que não só é amigo pessoal do presidente russo, Vladimir Putin, como também foi responsável por reforçar o perigoso modelo de sistema energético alemão, que priorizou o gás e petróleo russos em detrimento das usinas nucleares que o país já possuía. Depois, ele assumiu altos cargos nas estatais russas das quais a Alemanha se tornou altamente dependente, o que a coloca hoje à beira da recessão.
Antes mesmo da guerra na Ucrânia, a Alemanha precisou aumentar no ano passado a produção das centrais elétricas movidas a carvão em 22%. O gás, o petróleo e o carvão representam 66% do consumo de energia alemã. Além disso, cerca de 47% da eletricidade produzida no país em 2021 veio de combustíveis fósseis.
“A economia alemã é totalmente dependente do fóssil poluente e se encontra especialmente vulnerável diante da guerra na Ucrânia”, disse Fabien Bouglé, especialista em política energética, ao jornal francês Le Figaro.
Além do desmatamento de vilarejos para a construção de minas, as centrais elétricas movidas a carvão geram uma poluição de 1.000 g de CO2 / kWh. Centrais nucleares, que foram uma alternativa recusada pelos ecologistas alemães, produzem muito menos: cerca de 6 g de CO2 / kWh.
“A Alemanha será um dos principais atores da degradação do clima e continuará sendo o patinho feio da União Europeia e do mundo. São os pretensos ecologistas que sustentam esse modelo desastroso para o planeta”, concluiu Bouglé.