Dois relatórios divulgados nos últimos dias – um pelo Escritório do Alto Comissário para Direitos Humanos das Nações Unidas e outro pela Human Rights Watch – apontam para crimes cometidos contra civis ao longo de três anos e meio de guerra civil no Iêmen. O confronto envolve o governo do país - apoiado por tropas sauditas e dos Emirados Árabes Unidos e, indiretamente, pelos Estados Unidos – e os rebeldes houthis, um movimento político islâmico apoiado pelo Irã e que tinha ligações co, a monarquia iemenita, que esteve à frente do país até 1962.
Não há sinais de trégua. Esforços liderados pelas Nações Unidas fracassaram nos últimos meses. Pelo menos 22 dos 29 milhões de habitantes do país dependem de assistência humanitária, segundo a Human Rights Watch. Dois milhões de pessoas foram obrigadas a fugir de suas casas. Uma epidemia de cólera já atingiu um milhão de pessoas. Há, também 1,8 milhão de crianças desnutridas.
“A situação tende a piorar”, diz Kelly McFarland, diretor de pesquisa do Instituto para o Estudo da Diplomacia da Universidade de Georgetown (EUA). Tropas lideradas pela Arábia Saudita e pelos Emirados Árabes tentam tomar o porto de Hodeidah, por onde entra a maior parte da ajuda humanitária para o Iêmen.
Crimes de guerra
Especialistas que trabalham no Escritório do Alto Comissário para Direitos Humanos das Nações Unidas apontam que os governos do Iêmen, Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita podem ser considerados como responsáveis por crimes de guerra incluindo estupro, tortura, desaparecimento e “privação do direito à vida” nos mais de três anos e meio da guerra civil no Iêmen.
O relatório, apresentado ao Conselho de Direitos Humanos nesta terça, também sinaliza para possíveis crimes cometidos pelos houthis. Ataques aéreos da coalizão liderada pelos sauditas atingiram alvos civis como áreas residenciais, mercados, funerais, casamentos, prisões, barcos civis e hospitais. “Baseado nos incidentes examinados, o grupo de especialistas tem evidências suficientes que o governo do Iêmen e a coalizão teriam conduzido ataques em violação aos princípios de distinção, proporcionalidade e precaução, o que pode constituir crimes de guerra”
Segundo o presidente do grupo de especialistas, Kamel Jendoubi, há poucas evidências de qualquer das partes envolvidas no conflito tenham tentado minimizar o número de mortes entre a população civil. De acordo com o Escritório de Direitos Humanos das Nações Unidas, de março de 2015 a 23 de agosto, pelo menos 6,6 mil civis foram mortos e 10,5 mil foram feridos.
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A coalizão vem impondo severas barreiras navais e aéreas no Iêmen desde março de 2015. “O fechamento efetivo do aeroporto internacional de Sanaa – a capital iemenita – é uma violação da proteção do direito humanitário internacional para os doentes e feridos. Tais atos podem constituir crimes internacionais”, aponta o documento.
Os especialistas destacam que as partes que lutam em Ta’izz, no Sul do Iêmen, tem sido responsáveis por mortes de civis. O grupo destaca o uso de armas de amplo espectro pelas forças houthis, apoiadas pelo Irã.
Outro problema está relacionado a prisões arbitrárias e tortura. “Em muitos casos, os detidos não são informados dos motivos de sua prisão, não são acusados formalmente, tem o acesso negado a advogados e juízes, e são mantidos incomunicáveis por longos períodos. Alguns estão desaparecidos.”
O grupo também destaca que, desde setembro de 2014, as partes envolvidas no conflito tem restringido o direito à liberdade de expressão. Segundo a Freedom House, uma entidade dedicada à promoção da democracia no mundo, a imprensa no país não é livre e as restrições vêm ganhando força nos últimos anos.
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“Defensores dos direitos humanos e jornalistas vem enfrentando perseguições implacáveis, ameaças e campanhas de difamação por parte do governo do Iêmen, forças da coalizão, inclusive da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos e pelas autoridades de fato.”
Grupos religiosos também têm sido alvos, como é o caso dos bahais. Lideranças religiosas muçulmanas também têm sido mortas. Apenas na região de Aden, no Sul do País, já foram 27 nos últimos dois anos. Aparentemente, as mortes estão relacionadas à luta de poder entre facções próximas às de dois aliados americanos: os sauditas e a dos Emirados Árabes Unidos.
“Cada morte enfraquece a sociedade”, diz Leila Shabibi, ativista iemenita pela democracia e direitos humanos. “Os clérigos muçulmanos mortos eram líderes em suas comunidades. Resolviam disputas e davam conselhos. Eram professores e porta-vozes das comunidades.”
Muitos eram ligados ao partido islâmico Islah. Os sauditas os veem como aliados, vitais para a reconstrução do Iêmen. Mas para os Emirados Árabes, eles são radicais islâmicos ligados à Irmandade Muçulmana, que é enxergada como um grupo extremista em alguns países do Oriente Médio.
Fiscalização deficiente
Um órgão de investigação saudita descartou irregularidades na maioria de 80 incidentes há guerra civil do Iêmen e que foram investigados. A conclusão despertou críticas da Human Rights Watch que, em relatório publicado na última sexta:
"Há uma falha geral [...] para realizar investigações confiáveis, imparciais e transparentes sobre alegadas violações das leis de guerra da coalizão.”
As conclusões do órgão saudita diferem totalmente do quadro apresentado pela imprensa e por outras entidades. Aviões da coalizão atingem repetidamente áreas civis. No dia 9, pelo menos 40 crianças morreram em um ataque contra um ônibus, no Norte do país.
A Equipe Conjunta de Avaliação de Incidentes (JIAT, na sigla em inglês) da coalizão, formada com assistência americana em 2016, reconheceu problemas em apenas 11 casos e encontrou apenas um em que forças ligadas à coalizão violaram regras, informou a Human Rights Watch.
A grande maioria das investigações da JIAT concluiu que quaisquer ataques a civis eram resultados não intencionais de operações militares legítimas. O órgão recomendou investigações adicionais ou medidas disciplinares em dois incidentes.
Pressão sobre Trump
O relatório surge no momento em que a administração Trump enfrenta crescente pressão dos parlamentares sobre seu apoio à coalizão, que inclui vendas de armas, compartilhamento de inteligência e reabastecimento aéreo de aviões da coalizão.
Uma nova diretriz americana vincula o reabastecimento à capacidade do governo em se certificar que a Arábia Saudita e seus aliados estão tomando medidas para proteger os civis e acabar com a guerra. Parlamentares republicanos e democratas expressaram crescente irritação com o conflito e os efeitos contra os iemenitas, tanto da campanha aérea quanto do aumento acentuado da pobreza, desnutrição e doenças.
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A Human Rights Watch solicitou que a Arábia Saudita e seus aliados melhorem seus procedimentos de investigação e "julguem adequadamente as pessoas responsáveis por crimes de guerra".
A entidade também pediu a suspensão das vendas de armas para a Arábia Saudita, um grande cliente da indústria bélica internacional. O presidente Donald Trump anunciou vendas maciças de armas ao reino durante sua primeira viagem ao exterior no ano passado.
"Os governos que vendem armas à Arábia Saudita devem reconhecer que as falsas investigações da coalizão não os protegem de serem cúmplices de violações sérias no Iêmen", disse Sarah Leah Whitson, diretora da Human Rights Watch para o Oriente Médio.
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