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 | Ilustração: Robson Vilalba
| Foto: Ilustração: Robson Vilalba

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Cientistas ficam mais reflexivos

Art Kramer diz que, no viagem, o grupo se tornou mais reflexivo, mais quieto e com mais foco aos arredores. "Se eu ficasse observando as coisas desse jeito no trabalho, as pessoas iriam achar que fiquei abobado", ele diz.

Os outros estão mais relaxados também. Todd Braver decide não tomar café, que era seu ritual de sempre. No dia seguinte, ele deixa de pôr seu relógio, embora não ache que isso signifique nada de mais. David Strayer, um dos defensores, diz que os viajantes estão vivenciando uma fase do relaxamento que ele chama de "síndrome do terceiro dia". Seus sintomas podem não ser dos mais surpreendentes. Mas mesmo o mais cético dos cientistas diz que algo está acontecendo em seus cérebros que reforça suas discussões científicas.

Mesmo sem saber exatamente como a viagem afetou seus cérebros, os cientistas estão preparados para recomendar um pequeno descanso para desobstruir os pensamentos.

Pela primeira vez em seus três dias fora da cidade, Todd Braver não está usando relógio. "Esque­­ci", diz ele. É uma coisa pequena, mas para Braver e seus companheiros, esses momentos levam à questão: O que está acontecendo com nossos cérebros?

Braver, professor de psicologia na Universidade de Washington em St. Louis, foi um dos cinco neu­­rologistas a fazer uma jornada in­­comum. Eles passaram uma se­­mana numa área remota do sul de Utah, fazendo rafting no rio San Juan, acampando nas margens e caminhando pelos câ­­nions. Era uma viagem com um objetivo so­­fisticado: compreender como o uso intenso de aparelhos digitais e outras tecnologias mudam nosso comportamen­­to e modo de pensar, e como um retorno à natureza pode reverter esses efeitos.

Celulares não funcionam aqui, e-mail é inacessível e os laptops fo­­ram deixados em casa. É uma viagem ao coração do silêncio – cada vez mais raro agora que as pessoas podem se conectar até mesmo em lugares afastados.

Não é surpreendente o fato de que os viajantes puderam relaxar, dormir melhor e perder aque­­la sensação irritante de ter que olhar o telefone no bolso. Mas a significância dessas mudanças para eles é um ponto de debate. O organizador da viagem, David Strayer, professor de psicologia da Univer­­sidade de Utah, diz que estudar o que acontece quando nos afastamos de nossos aparelhos e descansamos nossos cérebros – em parti­­ cular, sobre como a atenção, a memória e o aprendizado são afetados – é uma parte importante da ciência.

"O ‘santo graal’ aqui é a atenção", afirma Strayer. "Tudo de que você está ciente, tudo que vo­­cê absorve, tudo que você se lembra e esquece depende disso".

Ecoando outros pesquisadores, Strayer diz que compreender como funciona a atenção poderia ajudar no tratamento de uma va­­riedade de transtornos, como a de déficit de atenção e depressão. E ele diz que, numa base cotidiana, o excesso de estimulação digital pode "piorar a saúde psicológica de pessoas que normalmente fun­­cionariam bem".

A busca para compreender o impacto do uso intenso de tecnologia sobre o cérebro ainda está em seus estágios iniciais. Para Strayer, é tão significativo quanto quando os cientistas começaram a investigar os efeitos do consumo excessivo de carne ou álcool.

Os cinco cientistas na viagem po­­dem ser divididos em dois grupos: os defensores e os céticos.

Os defensores são Strayer e Paul Atchley, 40 anos, professor da Universidade de Kansas que estuda o uso compulsivo de celulares por adolescentes. Eles defendem que o uso intenso de tecnologia pode inibir a capacidade de se concentrar e causar ansiedade, e que fugir para a natureza pode ajudar. Eles se esforçam o quanto podem para se desconectarem com regularidade.

Os céticos utilizam seus gadgets digitais sem reservas. Eles não es­­tão convencidos de que qualquer efeito duradouro poderá sair dessa viagem.

Esse seguno grupo incluiu Bra­­ver, 41, especialista em neuroimagem; Steven Yantis, 54, o chefe do departamento de ciências neu­­rológicas e psicológicas da Johns Hopkins, que estuda o modo co­­mo as pessoas alternam tarefas; e Art Kramer, 57, professor da Uni­­ver­­sidade de Illinois que recebeu atenção por seus estudos sobre os benefícios neurológicos de exercícios físicos.

Parte do debate está ligado ao fato de a tecnologia redefinir a no­­ção de "urgente". O quão rápido as pessoas precisam receber informação e responder a ela?

O grupo dos defensores diz que o ritmo de chegada dos dados criou um falso sentido de urgência que pode afetar a habilidade das pessoas de se concentrar.

Estímulos digitais atrapalham

Os cinco cientistas acordaram na pousada Recapture Lodge. Não há telefones nos quartos, mas há acesso a internet wireless.

Os viajantes se preparam e fa­­zem as malas. E aí partem.

A uma curta distância, rio abai­­xo, eles podem ver uma ponte de aço a 45 metros acima do rio – e depois dela já não há mais cobertura de telefonia celular.

Mais tarde naquele dia, eles acamparam nas margens do rio.

Os homens bebem cerveja e falam sobre o cérebro. Eles têm em mente um estudo seminal da Universidade de Michigan que demonstrou que as pessoas po­­dem aprender melhor após caminharem numa área arborizada do que após andar numa rua mo­­vimentada da cidade.

David Strayer, o líder da viagem, defende que a natureza po­­de refrescar o cérebro. "Nossos sentidos mudam. Eles são, assim, recalibrados".

Todd Braver quer compreender o que acontece precisamente dentro do cérebro. E se pergunta: Por que os cérebros não se adaptam ao estímulo intenso, nos trans­­formando em realizadores mais fortes de multitarefas?

"Certo", diz Art Kramer, o cético. "Por que os circuitos não são exercitados, assim, e nós não ficamos mais fortes?"

Os cientistas têm há muito tem­­po pensado sobre como novas formas de mídia afetam a atenção – da imprensa à televisão. Mas o estudo moderno da atenção emer­­giu com a disseminação das má­­quinas que permitiram aos pesquisadores ver mudanças na corrente sanguínea e na atividade elétrica do cérebro.

Estudos comportamentais têm demonstrado que a execução de tarefas sofre quando as pessoas fazem mais de uma atividade ao mesmo tempo. Esses pesquisadores estão se perguntando se a aten­­ção e a concentração podem ser afetadas quando as pessoas meramente antecipam a chegada de mais estímulos digitais.

"A expectativa de chegada de e-mail parece estar tomando nossa memória operacional", diz Yantis.

A memória operacional é um recurso precioso do cérebro. Os cientistas supõem que uma fração do poder cerebral está ligada à antecipação de e-mails e outras informações novas – e eles po­­dem ser capazes de provar isso através da neuroimagem.

"Na medida em que você tem menos memória operacional, você tem menos espaço para ar­­mazenar e integrar ideias e, portanto, menor capacidade para pen­­sar o que precisa", diz Kramer.

Tradução: Adriano Scandolara.

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