Condições de vida estão se deteriorando na Venezuela, que está mergulhando cada vez mais fundo no caos econômico e político | Foto: Federico PARRA / AFP| Foto: AFP

Jakeline Moncada acreditava que suas reservas domésticas resistiriam até que o serviço de água da Venezuela fosse restabelecido.

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Mas constantes apagões em todo o país e agora o racionamento de eletricidade impediram que a água fluísse para uma grande área desse país sul-americano.

Depois de 15 dias sem um pingo de água na torneira, a mulher de 43 anos, mãe de três filhos, estava ao lado de um riacho no leste de Caracas vendo seu filho adolescente andando desajeitadamente sobre o lodo de jeans e tênis para pegar água que sua família poderia usar para beber, cozinhar e tomar banho.

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"É tão injusto", disse Moncada. "Nós somos um país tão rico, não é justo que isso esteja acontecendo".

"Minha filha me perguntou recentemente: "Por que você está chorando, mamãe?"

Primeiro foi dinheiro. Depois foi comida. Depois eletricidade. Agora água. Para milhões de pessoas nesta nação rica em petróleo, o colapso dos serviços básicos reduziu a vida a uma luta diária para garantir as necessidades fundamentais – e, à medida que a escassez se espalha, muitos dizem que está ficando mais difícil. As crianças estão desnutridas. Os médicos estão vendo aumentos nas doenças infecciosas. Milhões fugiram do país. Segundo o Fundo das Nações para a Infância (Unicef), a crise migratória afeta 1,1 milhão de crianças.

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O ditador Nicolás Maduro culpa a miríade de males da Venezuela pela sabotagem da oposição e de seus apoiadores norte-americanos, visando desestabilizar seu governo. A oposição e as autoridades americanas culpam anos de má administração e corrupção sob Maduro e seu antecessor, Hugo Chávez.

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Moradores carregam água para suas barracas de madeira do lado de fora do assentamento de Bella Vista, nos arredores de Caracas | Foto: Michael Robinson Chavez/Washington Post| Foto: Michael Robinson Chavez

As partes estão presas em um impasse político desde janeiro, quando Maduro reivindicou um segundo mandato como presidente após eleições fraudulentas e o líder da oposição Juan Guaidó respondeu declarando-se presidente interino em um evento que contou com a participação de milhões de venezuelanos. Guaidó, reconhecido pelos Estados Unidos, Brasil e por mais de 50 outros países como o líder legítimo da Venezuela, lidera comícios em massa por todo o país, pedindo que Maduro renuncie.

No meio desta briga política, estão os venezuelanos comuns, de todas as classes. Analistas dizem que 20 milhões de pessoas – dois terços da população – sofreram com escassez ou não têm acesso nenhuma à água nas duas últimas semanas.

Surtos de doenças

A escassez de água levou as pessoas para fora de suas casas e para as ruas em busca de qualquer fonte, potável ou não. Adultos e crianças levam garrafas vazias e baldes por ruas íngremes e por estradas perigosas para fontes públicas, córregos enlameados, poços urbanos que cheiram a esgoto.

Dra. Maria Eugenia Landaeta lidera o departamento de doenças infecciosas no Hospital Universitário de Caracas, disse que os médicos estão vendo surtos de diarréia, febre tifóide e hepatite A.

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O país já está lidando com fome, desnutrição e escassez de medicamentos e suprimentos médicos. Quanto mais venezuelanos não têm acesso a água limpa, maior a probabilidade de infecção gastrointestinal e bacteriana.

O próprio hospital de Landaeta passou meses sem água ou energia regular. Tem dependido de cisternas e geradores.

"Tivemos muitos casos de infecções pós-parto em mulheres por causa da terrível higiene e uso de água não estéril", disse Landeta.

Violência

Caracas, uma cidade de 2 milhões de habitantes, fica em um vale a cerca de 900 metros acima do nível do mar. O sistema público de abastecimento de água conta com uma sucessão de bombas que exigem enorme quantidade de energia. Sem eletricidade, a água não flui.

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Os protestos pela falta de água em Caracas e no interior do país no último fim de semana atraíram respostas violentas de grupos paramilitares da polícia e do regime. Duas pessoas foram baleadas no domingo no centro de Caracas, segundo a imprensa local. Repórteres e organizações não governamentais dizem que a temida Força de Ações Especiais do governo abriu fogo contra manifestantes no oeste de Caracas e disparou contra apartamentos em bairros que protestavam.

Maduro condenou a violência e disse aos venezuelanos que se armassem enquanto o governo trabalha para restaurar o sistema. A administradora da Água, Evelyn Vasquez, disse a repórteres que a "explosão" de uma tubulação prejudicou os esforços, sem dar detalhes.

Maduro tuitou na quinta-feira (4) que os "fantoches diabólicos" do "império norte-americano … revelam suas intenções obscuras ao atacar cruelmente os serviços básicos do povo venezuelano".

O conselheiro de segurança nacional dos EUA, John Bolton, disse que foi Maduro quem criou os problemas.

"A única coisa que impede a Venezuela do caminho para a reconstrução econômica e a prosperidade é a corrupção, a incompetência e a usurpação de Maduro", ele tuitou. "Os EUA apoiam [Guaidó] e o povo venezuelano em sua jornada para a democracia".

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Crise construída pelo regime chavista

Líderes da oposição vêm prevendo uma crise de utilidade pública há anos. O legislador Gregorio Graterol, que dirige a comissão ambiental da Assembleia Nacional (liderada pela oposição), disse que os políticos advertiram, já em 2013, que um colapso do sistema hidrelétrico era iminente, se não houvesse manutenção.

"Esta crise não é circunstancial, é estrutural", disse Graterol. "As causas estão lá há muito tempo; corrupção, incompetência… e a politização das empresas de utilidade pública responsáveis".

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José De Viana é ex-presidente da Hidrocapital, a estatal de água da Venezuela. Em circunstâncias normais, disse ele, se a energia da rede nacional falhasse, usinas termoelétricas seriam acionadas como um sistema de reserva e manteriam a água fluindo.

"O problema é que 90% das termelétricas estão fora de serviço porque não foram consertadas, mantidas ou foram desconectadas do sistema elétrico", disse De Viana. "Eu não quero imaginar a possibilidade de outro apagão… se isso acontecer, o problema pode ter dimensões ainda mais graves".

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Recorrendo à água de esgoto

Multidões se enfileiravam nas ruas da maior favela de Caracas, Petare, carregando uma série de jarros e banheiras, alguns amarrados a bonecas, carrinhos de mão e bicicletas, sob um sol tropical ardente, para esperar em um caos semi-organizado por uma chance de coletar água de um bueiro na rua.

Pessoas tiram água de um boeiro para uso em seus banheiros, no bairro de Petare, em Caracas | Foto: Federico Parra/AFP| Foto: AFP

Inés Blanco, 58, desceu de sua casa de concreto às 7h para assegurar um lugar na fila entre dezenas de vizinhos. Durante cinco horas, os líderes da comunidade baixaram baldes no bueiro para recuperar a água fétida. A multidão não pareceu notar o cheiro.

Ao meio-dia, o poço ficara seco e Blanco recuara para a sombra.

Neste bairro de morros, lar dos venezuelanos da classe trabalhadora tradicionalmente leais ao governo socialista de Maduro, Blanco se acostumou à escassez persistente de água. Ela usou a água do banho e a reciclou para usar no banheiro. Ela conta que nunca usa essa água para cozinhar.

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Blanco não culpa a oposição pelo colapso da infraestrutura da Venezuela. Mas ela não culpa o governo também.

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"Não culpamos ninguém", disse ela. "Ficar desesperado não ajuda ninguém".

Os vizinhos chamavam o buraco de poço. De Viana, o ex-chefe de serviços de água, disse que tais operações podem ser muito mais perigosas.

"Eles acabam chamando esses bueiros de 'fontes' ou 'poços'", disse ele. "Mas é principalmente água de esgoto que não é potável e vem de banheiros de outras pessoas".

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Além das favelas, os venezuelanos da classe média, com tempo e transporte, viajam para buscar água em rios, córregos e lagos.

No riacho Sabas Nieves, no leste de Caracas, Giomar Salazar estava sentada dentro de um carro compacto, esperando que o filho enchesse todos os recipientes de água.

Pessoas enchem garrafas com água do riacho Sabas Nieves, no leste de Caracas | Foto: Arelis Hernandez/Washington Post| Foto: The Washington Post

A testa da dona de casa de 62 anos se franziu. O chihuahua preto em seu colo tremeu quando ela lamentou quão brevemente a água iria durar em sua casa: dois dias.

"Não há dinheiro. Não há energia. Não há água. Sinto-me impotente", disse Salazar.

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"Todos são culpados. A oposição e o governo. É tudo a mesma coisa. Todos querem poder e as pessoas estão na pior situação."