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Pressão sobre Maduro

Na Venezuela, sanções dos EUA ameaçam negociações entre chavismo e oposição

Manifestante pró-Maduro segura cartaz com mensagem contra os Estados Unidos em protesto contra as sanções americanas em Caracas, 7 de agosto de 2019
Manifestante pró-Maduro segura cartaz com mensagem contra os Estados Unidos em protesto contra as sanções americanas em Caracas, 7 de agosto de 2019 (Foto: Federico Parra / AFP)

Por semanas, representantes do ditador venezuelano Nicolás Maduro e da oposição têm avançado em negociações diplomáticas em Barbados para tentar chegar a um acordo para pôr fim ao impasse político no país e permitir o fim de uma das maiores crises da história da Venezuela.

As reuniões têm sido lentas e envoltas em mistério, com nenhum dos dois lados divulgando detalhes. Os defensores de Maduro estão acusando o presidente dos EUA, Donald Trump, de tentar implodir o frágil processo, com a imposição de novas sanções que congelam os ativos do governo de Maduro nos EUA e até ameaçam punir empresas de países que continuarem fazendo negócios com o chavismo.

"Eles estão tentando dinamitar o diálogo", disse o ministro das Relações Exteriores do regime chavista, Jorge Arreaza, em uma coletiva de imprensa na quarta-feira, para denunciar os comentários do conselheiro de segurança nacional dos EUA, John Bolton, defendendo o congelamento de ativos. "Mas ninguém, nem mesmo 1.000 Trumps ou 500 Boltons... nos farão abandonar a mesa de negociações."

Com base no seu papel de facilitadora do processo de paz na Colômbia, a Noruega conseguiu, em maio, superar uma profunda desconfiança de ambos os lados decorrente de tentativas fracassadas de diálogo no passado, e reunir chavismo e oposição em Oslo. Desde então, as conversas se mudaram para a ilha caribenha de Barbados, onde a quinta rodada terminou na semana passada.

Segundo a agência Associated Press, nenhum dos lados falou muito sobre o que está sendo discutido. Especula-se que os enviados de Maduro expressaram a disposição de convocar uma eleição presidencial antecipada sob uma comissão eleitoral renovada e observação estrangeira. Os EUA insistiram que Maduro deve desistir do poder antes que qualquer eleição possa ser considerada legítima.

Negociações entre oposição e chavismo correm risco

Três pessoas envolvidas nas negociações de diferentes lados descreveram à AP o ambiente como sendo sério e cordial, com cada delegação jantando e viajando de Caracas para a ilha separadamente. Todos insistem que o progresso foi feito, mesmo se o espinhoso tema das eleições for deixado para o final e um acordo abrangente com base em uma agenda de seis pontos esteja um pouco distante. As pessoas concordaram em falar com a Associated Press apenas sob a condição de anonimato porque não estavam autorizadas a divulgar detalhes das conversas.

Essas informações privilegiadas diferem muito da avaliação de Bolton e de outros analistas do governo Trump, que acusaram Maduro de usar as negociações para ganhar tempo. “Não vamos cair nesses velhos truques de um ditador cansado”, declarou Bolton na terça-feira em uma reunião no Peru com mais de 50 governos alinhados contra Maduro. “Não há mais tempo para negociar, negociar, negociar. Agora é hora de ação.”

Ninguém no governo Trump negou as conversas, e alguns analistas acreditam que a postura incisiva de Bolton e suas ameaças de ações mais punitivas podem até mesmo impulsionar o esforço de mediação.

David Smilde, professor de sociologia na Universidade de Tulane, que estuda a Venezuela há 25 anos, disse que táticas similares de ação armada dos EUA não impediram o fim negociado das guerras civis na América Central nos anos 80. Então, como a Guerra Fria ainda estava acirrada, o financiamento do exército contra-militar na Nicarágua, desafiando diretamente um plano de paz regional, na verdade aumentou o apoio internacional a ele.

"Ironicamente, ações ousadas e desagradáveis de Bolton para sabotar as negociações podem acabar favorecendo as negociações", disse Smilde. Como Maduro, Guaidó, que lidera o congresso controlado pela oposição, não mostrou disposição de abandonar as conversações, apesar da pressão para fazê-lo dentro de sua coalizão, e de ser acusado de “fechar os olhos” para a tortura de oponentes de Maduro.

"Estamos fazendo todo o possível para continuar o mecanismo norueguês", disse Guaidó na terça-feira, quando perguntado se as negociações continuariam. Mas enquanto nenhum dos lados quer assumir a culpa por um colapso, um eventual acordo ainda enfrenta enormes obstáculos.

Maduro, embora severamente enfraquecido pelas sanções dos EUA e cada vez mais isolado internacionalmente, ainda conta com o apoio de poderosos aliados como a Rússia e a China. Ele também tem o apoio dos militares, o árbitro tradicional das disputas na Venezuela. Nem os militares nem os EUA participam das negociações, embora o principal objetivo de Maduro seja a remoção das sanções dos EUA.

Enquanto isso, o entusiasmo por Guaidó estagnou desde que ele assumiu a presidência interina em janeiro, reconhecido por Brasil, EUA e outras 50 nações, que viram como fraudulenta a reeleição de Maduro no ano passado. As manifestações no início do ano, que encheram as ruas de Caracas, diminuíram e um levante militar convocado por Guaidó em abril fracassou, com vários legisladores da oposição em fuga ou no exílio.

Enquanto os negociadores de Guaidó se tornaram mais flexíveis, alguns na oposição serão encorajados pelas últimas sanções dos EUA, disse à AP Phil Gunson, analista do International Crisis Group em Caracas. Mas ele disse que não vê nenhuma evidência de que Maduro está pensando seriamente em desistir do poder.

“Se cada lado mantiver essa abordagem de ‘o vencedor leva tudo’, eles estarão menos propensos a fazer concessões e um acordo permanecerá muito difícil”, disse Gunson.

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