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Não, a queda da Bolsa de Valores dos EUA não é culpa de Donald Trump

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O índice Dow Jones teve, nesta semana, sua maior queda em pontos num único dia. E isso dá manchete. Obviamente que, em se tratando de manchete, não faltou quem se apressasse em pôr a culpa no “vilão preferido do momento”, o presidente norte-americano Donald Trump. A culpa é do Trump!! Estão vendo? Ele aqueceu demais a economia!! Entendem de economia e de finanças tanto quanto a ilustre senadora do Paraná, que acredita que o lucro do mais eficiente banco brasileiro é oriundo do rombo nas contas públicas, afinal, se há bilhões a menos de um lado e bilhões a mais do outro, a relação de causalidade seria obvia. 

Mas as correções de preços nos mercados são saudáveis. Mais do que saudáveis, são inerentes à natureza cíclica da atividade. Vou além. São desejáveis. Essas correções de preços servem para lembrar aos investidores que há risco nas diversas atividades empresariais. O que não é normal é a ausência de volatilidade nos mercados. É justamente essa anomalia que costuma deixar os investidores mais confiantes, mais ousados e mais dispostos a aumentar suas exposições ao risco. 

O efeito combinado da valentia dos investidores leva a uma maior alavancagem financeira. O VIX é um índice que mede a volatilidade (desvio padrão) do S&P. Apenas como referência, sua média nos últimos vinte anos foi um pouco acima de 20%. A média dos últimos doze meses estava em 11%. O movimento do início desta semana levou este índice ao nível de 37%, maior nível desde 2011 quando superou os 40%. 

Mas voltemos um passo atrás, para novembro de 2016, nas eleições americanas. Havia um forte sentimento de que Hillary Clinton venceria as eleições. Seria a continuidade do governo com viés socialista de Barak Hussein Obama. A vitória surpreendente de Trump, além de deixar centenas de analistas desnorteados, também despertou o interesse dos investidores pelas ações de empresas norte-americanas. 

Donald Trump anunciou que reduziria a regulação da economia, que faria um grande corte de imposto para as corporações e que defenderia os interesses das empresas nacionais em detrimento de empresas estrangeiras que tivessem práticas não competitivas como o dumping. Os principais índices de bolsa como o Dow Jones ou o Nasdaq subiram 40% desde então. 

De volta ao básico

Agora voltando para os fundamentos de uma economia, quando as expectativas em relação ao seu futuro são boas, os empresários investem e contratam enquanto os consumidores compram bens duráveis e imóveis. A economia caminha na direção do pleno emprego que pode variar ao longo do tempo e conforme o país. 

No curto prazo, entretanto, há certas limitações dos fatores de produção, tanto em relação à capacidade produtiva quanto na disponibilidade de mão de obra. 

Imaginem um automóvel cujo limite de velocidade seja de 80 km/h. Seu motorista pode até dirigir por um tempo a 90 Km/h ou 100 Km/h. Provavelmente o conta-giros indicará que o número de RPM estará acima do ideal. O motorista ouvirá, simultaneamente, um ruído vindo do motor e que se provará um alerta inconfundível. Insistir nessa direção em alta rotação poderá danificar o motor e interromper o passeio. 

Na economia acontece a mesma coisa. O excesso de demanda em relação à oferta possível dada uma determinada capacidade instalada de produção e nível de emprego, provocará aumento nos preços dos diversos bens e serviços. Ao aumento simultâneo no nível geral de preços (e não nos preços relativos entre os bens) chamamos de inflação. A inflação é um sintoma, assim como o elevado número de rotações por minuto no motor. 

Juros

O FED, banco central dos Estados Unidos, tem como uma de suas funções o controle da inflação. Cabe ao FED, que é independente, e não vinculado ao presidente do país, garantir que a inflação do país fique, por exemplo, na faixa de 2% ao ano. E o FED fica de olho nas mais diversas variáveis para buscar a taxa de juros neutra, ou seja, aquela que permite que a economia cresça sem gerar pressões inflacionárias. 

Já faz mais de dois anos que o FED iniciou um lento processo de elevação na taxa básica de juros dos Estados Unidos, que deixou o nível de 0.25% em dezembro de 2015 e teve sua última elevação de 0.25% em dezembro de 2017, poucas semanas depois das eleições. O mercado já antecipa novas elevações na taxa básica de juros para as reuniões de março, com 92% de probabilidade e outra para junho, essa com probabilidade mais próxima de 60%, elevando a taxa básica para 2% ao ano. 

Este lento processo de elevação dos juros, assim como sua expectativa futura, expectativa essa que vai sendo refeita a cada dia de acordo com as novas informações da atividade econômica, ajudam na tomada de decisão de investimentos das famílias, dos fundos de pensão, das empresas ou dos endowments, participantes do mercado e cujo apetite ao risco diminui, quanto mais elevada forem as taxas de juros dos títulos do tesouro. 

Sinais de elevação da inflação provocam aumento nas expectativas de juros futuro e, consequentemente, na remuneração desses títulos, os treasures. Os investidores migram dos ativos de maior risco para os ativos mais seguros, ainda mais à luz de que a alta dos juros provoca uma redução na atividade. 

Movimentos naturais

Mas olhando para um horizonte mais longo, apesar da taxa de desemprego estar hoje em 4,1%, nível mais baixo desde 2000 e da utilização de capacidade estar acima de 77%, salários mais elevados podem trazer de volta para o mercado de trabalho um grande contingente de americanos que está ou no subemprego ou em casa. A participação na força de trabalho está hoje em 62.7%, mas esteve em 67% durante o boom tecnológico da virada do milênio. 

Os ciclos econômicos provocam esses movimentos naturais de expansão e contração da atividade e, consequentemente, no uso dos fatores. Saltos tecnológicos contribuem para elevar a produtividade dos fatores, permitindo-se que se produza muito mais com menos e que se compre mais e melhor, com menos. É da resultante dessas dinâmicas combinadas que se chega ao resultado final. 

Os mercados de risco como as bolsas de valores, funcionam como um termômetro, ainda que também sirvam para democratizar a participação de todos nos mais diversos empreendimentos. 

Seria mais sensato que os analistas buscassem ler de forma mais isenta o que o termômetro esta apontando ao invés de tentar encaixar suas narrativas pré-estabelecidas, pois o Sr. Mercado não é bobo.

André Gordon é economista (FEA/USP), mestre pela EPGE-FGV e sócio responsável pela gestão de recursos da GTI.

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