Nos próximos dias, em Nova York, o presidente Donald Trump vai estar em um dos ambientes que mais aprecia: sentado na cabeceira de uma mesa, falando com aqueles à sua volta, recompensando as pessoas de que gosta e ignorando aqueles que o desagradam.
Não será uma nova edição de "O Aprendiz", nem uma reunião do seu gabinete. Trump vai presidir o Conselho de Segurança da ONU, um posto rotativo que este mês ficará com os Estados Unidos. Sua atuação está causando ansiedade entre gente de dentro e de fora do governo, pessoas que se preocupam com a possibilidade de o presidente trazer as atitudes que usava no
Exercendo a prerrogativa que tem como presidente do conselho, Trump planeja se concentrar no Irã e em sua atividade maligna no Oriente Médio. Diplomatas europeus disseram temer que isso apenas ressalte a falta de união do Ocidente, em geral contrário à decisão de Trump de retirar os Estados Unidos do acordo nuclear com o Irã.
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A escolha do assunto já causou objeções da Rússia, que disse que o foco da reunião deve ser inteiramente o acordo nuclear e a decisão de Trump de se retirar dele, e do Irã, que acusou Trump de abusar de sua liderança no conselho para difamar um único país.
A resistência não se limita aos estrangeiros. No Departamento de Estado, no Conselho de Segurança Nacional e na missão norte-americana nas Nações Unidas, há dúvidas sobre a capacidade de Trump de conduzir uma discussão sobre um assunto complexo e polêmico com líderes estrangeiros que se opõem ferozmente à maneira como ele lidou com o acordo nuclear.
Autoridades dos EUA estão discutindo se devem reformular o tema para abranger uma região mais ampla ou escolher um assunto diferente para reduzir o risco de as coisas darem errado, embora não esteja claro se o presidente será receptivo à mudança.
Trump está animado
De qualquer maneira, Trump está animado com a ideia de presidir o clube mais exclusivo dedicado à paz e à segurança mundiais. E ele parece igualmente pronto para sacudir os costumes do grupo, que, da última vez que foi presidido por um líder americano – Barack Obama em 2014 –, teve como tema um assunto que os outros membros poderiam adotar prontamente: o combate a terroristas estrangeiros.
O ministro das Relações Exteriores do Irã, Mohammad Javad Zarif, acusou Trump de usar a reunião para "culpar o Irã pelos horrores que os EUA e seus parceiros causaram" no Oriente Médio. Ele observou que a única resolução do Conselho de Segurança atualmente em vigor sobre o Irã é o acordo nuclear.
Sob as regras do Conselho de Segurança, Zarif, ou mesmo Hassan Rouhani, o presidente iraniano, tem direito de participar da reunião e pode ser instado a falar por Trump. No entanto, funcionários do governo disseram acreditar que é improvável que Rouhani apareça, embora ele esteja programado para participar da Assembleia Geral, que se reúne ao mesmo tempo.
Mesmo que ele vá, autoridades disseram que Trump pode deixar a reunião antes que chegue a vez de o Irã falar. Ele seria convocado apenas depois que todos os 15 membros do Conselho de Segurança tiverem discursado, um processo que pode durar metade do dia. Se Trump sair mais cedo, ele provavelmente deixará seu lugar para a embaixadora dos EUA na ONU, Nikki R. Haley.
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Para repórteres, Haley reconheceu que alguns membros do conselho podem achar o Irã um assunto "desconfortável". Mas, afirmou: "Eu pessoalmente acredito que quando falamos sobre temas desconfortáveis no Conselho de Segurança, coisas boas acontecem".
"O presidente Trump está muito convencido de que precisamos começar a garantir que o Irã esteja alinhado com a ordem internacional", acrescentou Haley. "E continuamos a vê-los se envolver em coisas que não ajudam, seja no Líbano, seja no Iêmen, seja na Síria."
Esse é um dos principais argumentos para a decisão de Trump de se concentrar no Irã, disseram outras autoridades dos EUA. O furor sobre o acordo nuclear, segundo eles, impediu a discussão sobre as outras atividades daquele país.
Os Estados Unidos estão alertando seus aliados, por exemplo, de que os mísseis iranianos representam uma ameaça para as aeronaves civis no Golfo Pérsico. No entanto, particularmente entre os europeus, segundo oficiais, esses perigos costumam ser incluídos na discussão contínua dos motivos por que Trump abandonou o acordo.
Alguns funcionários minimizaram os riscos da condução de Trump. O protocolo diplomático quase garante que a reunião terá apenas uma série de discursos enlatados em vez de um debate livre, no qual Trump poderia se irritar ou atacar outros líderes. De qualquer forma, Trump mostra-se alegremente despreocupado com esses sentimentos contundentes.
Exaltação à soberania nacional
Em sua primeira visita à Assembleia Geral, no ano passado, ele declarou: "Eu sempre coloco a América em primeiro lugar, como vocês, como líderes de seus países, vão sempre e sempre deveriam colocar seus países em primeiro lugar" – uma exaltação à soberania nacional em desacordo com a missão das Nações Unidas, um organismo criado para lidar coletivamente com os problemas que ultrapassam as fronteiras.
Ele se referiu ao país de um líder africano como "Nambia", o que fez com que as pessoas se questionassem se estava confundindo a Namíbia com a Gâmbia ou com a Zâmbia (a Casa Branca depois esclareceu que ele se referia à Namíbia). Na tribuna da Assembleia Geral, Trump disse que o líder da Coreia do Norte, Kim Jong Un, era "um homem-foguete em uma missão suicida".
Trump retorna às Nações Unidas depois de ter começado uma audaciosa abertura diplomática com Kim. Enquanto estiver em Nova York, segundo Haley, ele planeja se encontrar com o presidente Moon Jae-in, da Coréia do Sul, para discutir as negociações nucleares, que ficaram estagnadas nas últimas semanas.
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Trump também pode reivindicar progresso em seus esforços para isolar o Irã, por mais impopulares que tenham sido. O valor da moeda do país, o rial, alcançou um recorde de baixa nesta semana, em meio a temores de que as sanções que Trump está novamente impondo possam prejudicar as exportações de petróleo e a economia iraniana em geral.
Além de criticar o comportamento do Irã, no entanto, não está claro o que Trump espera alcançar quando se sentar à mesa em forma de ferradura da sala do Conselho de Segurança. Com tanta resistência à sua política com o Irã vinda da Rússia, da China e de outros membros com poder de veto, não existe nenhuma perspectiva de obter apoio para qualquer tipo de resolução.
A última experiência
Quando Obama liderou uma reunião do conselho em 2009, os Estados Unidos conseguiram aprovar uma resolução que prometia um exame mais rigoroso dos países onde proliferavam armas nucleares. Dias depois, a Casa Branca revelou informações mostrando que o Irã havia construído uma instalação secreta de enriquecimento de urânio em uma montanha perto da cidade sagrada de Qom.
Em 2014, com o Estado Islâmico aterrorizando o Iraque e a Síria, Obama encaminhou uma resolução no conselho para reprimir o financiamento e a movimentação de pessoas que mostravam o desejo de lutar em organizações terroristas estrangeiras.
Embora uma campanha militar liderada pelos EUA tenha vencido em grande parte o Estado Islâmico, a resolução de não proliferação encaminhada por Obama em 2009 não impediu que a Coréia do Norte fizesse novas bombas nucleares, embora ele tenha negociado o acordo que bloqueou a capacidade do Irã de produzir essas armas.
Para Trump, organizar um apoio global contra o Irã parece menos uma prioridade em Nova York do que avançar desafiadoramente sua própria política de resistência. Assessores disseram que a decisão de se concentrar no Irã foi tomada de modo individual pelo presidente – e que ninguém a rechaçou, independentemente das dúvidas que ela causou.
Para um presidente que calou os dissidentes em seus dias de apresentador de TV com um simples "Você está demitido", a questão é: como ele vai reagir se os pretensos aprendizes do Irã e da Rússia se recusarem a sair em silêncio?
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