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Gazeta do Povo – O que representou a era Fidel Castro?Charles Pennaforte – Fidel foi a grande figura da segunda metade do século 20. Teve importância fundamental porque conseguiu capitalizar, no caso cubano, toda a insatisfação que havia em relação ao governo de Fulgêncio Batista. De modo geral, Cuba, até a Revolução de 1959, era tida como o grande cassino das Antilhas e uma área de lazer dos Estados Unidos. Fidel soube dar perspectiva nacionalista mais consistente aos cubanos. Foi um verdadeiro arquiteto político por estar no poder até hoje. Não existe única e exclusivamente a questão da ditadura em si. Segundo o filósofo francês Michel Foucault (1926–1984), o poder não pode ser vencido de maneira draconiana, deve haver alguma maleabilidade. O apoio dele à população historicamente desprotegida, os camponeses, garantiu a sua supremacia. Em termos simbólicos, ele representou a derrota do imperialismo norte-americano na América Latina. Não houve nenhum líder tão odiado pela política externa dos EUA.

Os cubanos tiveram acesso aos direitos básicos do cidadão (educação, saúde), mas às custas de uma ditadura. Como o senhor analisa essa questão?Não podemos dizer que Cuba é um regime totalitário nos moldes soviéticos. No máximo, é um regime autoritário. Não há regime perfeito. O capitalismo tenta fazer comparações apontando este problema. Os EUA, símbolo do capitalismo, também praticam uma série de atrocidades que não vem à tona constantemente. O próprio modelo soviético stalinista que existe em Cuba hoje é um modelo que deve ser encarado como democracia representativa. Existe eleição em Cuba e a participação é de 98%. Os deputados, por exemplo, não ganham um tostão sequer.

O que pode ocorrer em Cuba após a morte de Fidel? Fidel Castro já fez uma grande transição interna nos anos 90. Mudou vários quadros do partido comunista, promoveu a renovação interna. Se compararmos com a China, quando morreu o líder comunista Mao Tsé Tung existia Deng Xiaoping, que foi uma grande liderança e que poderia rivalizar com Mao. No caso cubano, não há outra liderança porque todos morreram. Camilo Cienfuegos e Che Guevara morreram. Mas as Forças Armadas não foram ainda cooptadas para um projeto que passe necessariamente por uma discussão com Miami. Não vejo grandes sobressaltos internamente. A oposição interna sabe que a influência do grupo de Miami traria uma desmoralização grande. O grupo de Miami é virulento, de extrema direita, e tem perspectiva de instauração.

Raúl Castro conseguirá se manter como líder?Raúl está sedimentado sobre uma estrutura política que foi montada. Não é igual à União Soviética. A burocracia soviética só mudou a camisa. No caso cubano, creio que Raúl se mantenha como herdeiro natural. A relação com os EUA deve melhorar, já que o símbolo de Fidel estaria fora de cena. Acredito que não haverá resistência interna contra Raúl.

Qual será a posição dos EUA de agora em diante? Hugo Chávez será o foco? Substituirá Fidel?Pela lógica, Hugo Chávez inevitavelmente terá projeção mais acentuada na América Latina. Com a crise de 1994, Fidel colocou o regime em perspectiva ideológica de influência bem menor. Cuba esteve gerenciando o caos. A morte de Fidel trará um vácuo. Aos 30 anos, Fidel fez uma revolução e inseriu Cuba no cenário internacional, sobreviveu a vários governos norte-americanos. Na prática, foi um protagonista da história. Será difícil haver outro líder como Fidel no século 21. O que Chávez fizer ficará bem abaixo disso.

Como o senhor vê o cerceamento à liberdade de expressão e a prisão de dissidentes? Isso tende a mudar?Isso é um ponto negativo. O fato principal da dissidência era fazer ligação com os EUA, se fosse interna seria possível. Como a questão passa por Miami, torna-se uma atividade contra a revolução. É como se fosse a guerra contra o terror nos EUA. As leis dos direitos civis estão sendo ameaçadas nos EUA sob a suspeita de que todos são terroristas. Se os EUA tivessem acabado com o embargo, o maior contato poderia ter minado Fidel. (KC)

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