Muitos assumem que a igreja precisa se opor ao evolucionismo, mas não é verdade. Há uma lógica e uma inteligência no universo e isso reflete o criador.
Kenneth Miller é um biólogo celular americano reconhecido por defender a teoria da evolução de Charles Darwin, principalmente quando ela é colocada em questionamento por criacionistas e defensores do design inteligente – tese de que seres vivos são projetos de inteligência sobrenatural.
Autor de um famoso livro didático de biologia, usado amplamente nos Estados Unidos, obteve importante vitória na Justiça quando conseguiu impedir a tentativa de criacionistas de colocar adesivos com a frase “evolucionismo é uma teoria, não um fato” no capítulo que aborda o tema.
Por que o ensino da evolução e do criacionismo nas escolas é um debate tão duradouro nos EUA?
A educação, na maioria dos países, é uma função federal, com ministérios de educação, currículo nacional etc. Nos EUA, é uma função dos estados e das comunidades; os americanos sentem que devem controlar o que é ensinado nas suas cidades, sentem-se com poder para isso.
Nunca vi uma teoria científica que as pessoas lutaram tanto para derrubar. E aqui estamos, quase 160 anos depois, com ela de pé.
Se tivesse apenas alguns argumentos a favor da teoria da evolução, quais seriam?
As linhas gerais da teoria da evolução foram articuladas por Charles Darwin em 1859. Isso é antes do desenvolvimento da genética, bioquímica, biologia molecular, radioatividade. Cada uma dessas ciências poderia ter contradito a teoria. Darwin esperava que a Terra tivesse pelo menos 100 milhões de anos para a evolução ter funcionado. Quando a radioatividade foi descoberta, mostrou que o planeta era ainda mais antigo do que ele imaginou. Darwin não sabia o mecanismo pelo qual novas características são geradas. A genética mostrou exatamente como isso acontece, com mutações que deram origem à matéria-prima para novas formas de vida. A biologia molecular nos fez olhar diretamente para o DNA e o genoma. No DNA, descobrimos os chamados “fósseis moleculares”, que mostram que não fomos criados do nada, mas que temos parentes próximos e eles são primatas. Nunca vi uma teoria científica que lutaram tanto para derrubar. E aqui estamos, quase 160 anos depois, com ela de pé.
Como vê a relação entre evolucionismo e fé?
Muitas pessoas assumem, de forma equivocada, que a igreja, por ensinar a crer em Deus, precisa se opor ao evolucionismo, mas isso não é verdade. Há uma lógica e uma inteligência no universo e isso reflete o criador. Sou católico e acredito, assim como os últimos três papas, que Deus proveu a racionalidade para o universo, que conseguiu criar a vida sozinho.
Estamos perto de entender a origem da vida?
Pequenos pedaços de RNA podem gerar reações químicas e copiar a si mesmos. Se um sistema pode copiar a si mesmo, nesse ponto você pode ter a evolução. Não sabemos como esse sistema se forma, se é em argila, no barro, no oceano ou outro lugar. Às vezes, as pessoas dizem que, como cristãs, querem acreditar que Deus tenha criado a primeira forma de vida. Sempre digo que isso é possível. Mas, na ciência, temos o hábito de gerar dúvidas e respondê-las. Se a sua razão para acreditar em Deus depende de ele ter criado a vida, tome cuidado, porque o dia que entendermos isso, você terá de dizer que não acredita mais nele.
A origem da vida não ter sido explicada ajuda o design inteligente a sobreviver?
Qualquer coisa sem explicação pode ser definida como obra de uma força superior. Se você for um fã de futebol, como eu, como explicaria a derrota do Brasil para a Alemanha? É impossível. Era vontade de Deus? Pode ser. Mas isso não é ciência, porque não há como provar isso.
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