Blanca Ovelar, ex-ministra da Educação do Paraguai e ex-candidata à Presidência pelo Partido Colorado
Assunção - A psicóloga Blanca Ovelar, 50 anos, entrou para a história da política paraguaia por dois motivos: primeiro por ter sido a candidata a presidente do Partido Colorado derrotada após a agremiação permanecer no poder por 61 anos. Depois, por ter assumido a derrota no dia eleição, um gesto aplaudido internacionalmente e que fortaleceu a democracia do país.
Hoje, longe dos holofotes, a ex-ministra da Educação do governo Nicanor Duarte (2003-08) dedica-se a uma entidade do terceiro setor e trabalha na conclusão de sua tese de doutorado sobre a "Formação da Consciência Moral na População Paraguaia". Vigilante e crítica, ela não deixa de acompanhar os rumos de seu país. Nesta entrevista à Gazeta do Povo, Blanca fala da proximidade entre o novo presidente Fernando Lugo e os mandatários da Bolívia, Evo Morales, e da Venezuela, Hugo Chávez. "Necessitamos nos afirmar como uma nação soberana e um pensamento próprio, não necessitamos de tutores", diz ela.
Gazeta do Povo A senhora diz que foi escolhida como candidata a presidente por ser uma alternativa ao pensamento conservador do Partido Colorado. Por que essa alternativa não deu certo?
Blanca Eu penso que muitos fatores se somaram. Por ordem de prioridade, foram a desarticulação e absoluta fragmentação do Partido Colorado. Não havia um projeto político do partido, mas sim projetos pessoais. Normalmente, quando se disputa uma eleição presidencial se enfrenta os adversários, e eu tinha adversários fora e dentro do partido. Então era difícil jogar assim.
No dia da eleição, antes do resultado oficial, a senhora manifestou-se publicamente reconhecendo a derrota. O que a levou a tomar esta atitude?
Isso me custou muito. Disseram que eu estava me precipitando. Mas eu disse que era preciso evitar conflitos e garantir que nada anormal acontecesse. Eu senti que havia uma grande tensão e me apressei e reconheci a derrota. Creio que às vezes cabe a cada pessoa um pequeno papel na história de seu país. Provavelmente o meu foi fazer uma transição serena e afirmar a democracia paraguaia. Se recorrermos a história política do Paraguai, percebemos que ela está absolutamente marcada por eventos lamentáveis de golpes e revoltas. A conduta democrática é algo novo na nossa convivência. Só faz 20 anos que a ditadura de Alfredo Strossner acabou, e o que são 20 anos na história de um povo? Eu não posso ser inconseqüente. Para mim era crucial uma conduta que garantisse a consolidação da democracia paraguaia. O país está em primeiro lugar, depois os partidos. Primeiro sou paraguaia, depois filiada a um partido.
O que significa ter sido a candidata que representou a quebra da hegemonia do Partido Colorado?
Eu entendo que estranhamente a história me colocou nessa conjuntura. Eu era mudança também, mas como convencer o povo que eu poderia significar uma grande mudança estando atrelada ao grupo político que eu estava? Eu fiz tudo o que pude.
O que representou a derrota para o Partido Colorado?
Eu acredito que a mudança do governo significa uma extraordinária oportunidade de recuperação institucional e reconciliação do Partido Colorado com suas raízes históricas e valores doutrinários. É um momento extremamente difícil. Creio que tem que haver uma profunda instrospecção do partido e de seus atores.
O que a senhora pensa sobre o governo Lugo?
Lugo capitalizou a esperança de um povo que queria mudança e creio que ele tem consciência disso. O que não tenho claro é que tenha todas as armas para encarar o desafio. No dia da posse, ele fez um discurso emotivo e muito bom, mas faltaram alguns elementos. Qual será ação, como vai caminhar o Estado para cumprir as metas? Ele tinha que ter pelo menos uma posição mais firme de estadista e dizer "isso eu não quero", "renuncio a isso". O modo como o Estado vai caminhar esteve ausente em seu discurso. O discurso foi claro para mostrar a posição ideológica e pessoal do presidente e seu sentimento e compromisso com o povo.
Nesse aspecto, ele está no caminho certo quando lida com o Brasil e reivindica a revisão do Tratado de Itaipu?
Para mim, ele devia dedicar uns breves minutos com mais contundência a respeito da política do Mercosul. Não somente com Brasil, também é questão fundamental tratar da posição paraguaia com a Bolívia e Argentina. O Paraguai tem um potencial energético e é um país que sofre muito. O tema fez parte da campanha e eu esperava que ele falasse mais sobre a questão estratégica.
E a proximidade de Lugo com Hugo Chávez e Evo Morales?
Não quero que haja um gesto da sua parte que comprometa a nossa soberania. Uma coisa é nossa pobreza e outra a dignidade como nação. E nesse marco nós necessitamos nos afirmar como uma nação soberana e um pensamento próprio, não necessitamos de tutores.
Quais são as suas pretensões políticas?
Estou observando o panorama para ver. Penso que se alguém tem talento e convicção de fazer algo para o bem comum, lutar pelos demais, então tem que fazê-lo. Mas depende das circunstâncias. Não tenho condições de entrar no esquema tradicional de política onde se demandam muitos recursos. Eu tenho uma vida modesta e necessito trabalhar para viver. Mas poderia trabalhar dentro de um esquema novo, em um movimento onde se vincule a política a seu ideal essencial que é construir o bem comum. Durante a campanha eu percorri todo o país e não posso permanecer indiferente à necessidade que existe. Atualmente atuo no terceiro setor e coordeno uma fundação para apoiar as políticas públicas de desenvolvimento social.