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Entrevista

“Não necessitamos de tutores”

 | Christian Rizzi/Gazeta do Povo
(Foto: Christian Rizzi/Gazeta do Povo)

Blanca Ovelar, ex-ministra da Educação do Paraguai e ex-candidata à Presidência pelo Partido Colorado

Assunção - A psicóloga Blanca Ovelar, 50 anos, entrou para a história da política paraguaia por dois motivos: primeiro por ter sido a candidata a presidente do Partido Colorado derrotada após a agremiação permanecer no poder por 61 anos. Depois, por ter assumido a derrota no dia eleição, um gesto aplaudido internacionalmente e que fortaleceu a democracia do país.

Hoje, longe dos holofotes, a ex-ministra da Educação do governo Nicanor Duarte (2003-08) dedica-se a uma entidade do terceiro setor e trabalha na conclusão de sua tese de doutorado sobre a "Formação da Consciência Moral na População Paraguaia". Vigilante e crítica, ela não deixa de acompanhar os rumos de seu país. Nesta entrevista à Gazeta do Povo, Blanca fala da proximidade entre o novo presidente Fernando Lugo e os mandatários da Bolívia, Evo Morales, e da Venezuela, Hugo Chávez. "Necessitamos nos afirmar como uma nação soberana e um pensamento próprio, não necessitamos de tutores", diz ela.

Gazeta do Povo – A senhora diz que foi escolhida como candidata a presidente por ser uma alternativa ao pensamento conservador do Partido Colorado. Por que essa alternativa não deu certo?

Blanca – Eu penso que muitos fatores se somaram. Por ordem de prioridade, foram a desarticulação e absoluta fragmentação do Partido Colorado. Não havia um projeto político do partido, mas sim projetos pessoais. Normalmente, quando se disputa uma eleição presidencial se enfrenta os adversários, e eu tinha adversários fora e dentro do partido. Então era difícil jogar assim.

No dia da eleição, antes do resultado oficial, a senhora manifestou-se publicamente reconhecendo a derrota. O que a levou a tomar esta atitude?

Isso me custou muito. Disseram que eu estava me precipitando. Mas eu disse que era preciso evitar conflitos e garantir que nada anormal acontecesse. Eu senti que havia uma grande tensão e me apressei e reconheci a derrota. Creio que às vezes cabe a cada pessoa um pequeno papel na história de seu país. Provavelmente o meu foi fazer uma transição serena e afirmar a democracia paraguaia. Se recorrermos a história política do Paraguai, percebemos que ela está absolutamente marcada por eventos lamentáveis de golpes e revoltas. A conduta democrática é algo novo na nossa convivência. Só faz 20 anos que a ditadura de Alfredo Strossner acabou, e o que são 20 anos na história de um povo? Eu não posso ser inconseqüente. Para mim era crucial uma conduta que garantisse a consolidação da democracia paraguaia. O país está em primeiro lugar, depois os partidos. Primeiro sou paraguaia, depois filiada a um partido.

O que significa ter sido a candidata que representou a quebra da hegemonia do Partido Colorado?

Eu entendo que estranhamente a história me colocou nessa conjuntura. Eu era mudança também, mas como convencer o povo que eu poderia significar uma grande mudança estando atrelada ao grupo político que eu estava? Eu fiz tudo o que pude.

O que representou a derrota para o Partido Colorado?

Eu acredito que a mudança do governo significa uma extraordinária oportunidade de recuperação institucional e reconciliação do Partido Colorado com suas raízes históricas e valores doutrinários. É um momento extremamente difícil. Creio que tem que haver uma profunda instrospecção do partido e de seus atores.

O que a senhora pensa sobre o governo Lugo?

Lugo capitalizou a esperança de um povo que queria mudança e creio que ele tem consciência disso. O que não tenho claro é que tenha todas as armas para encarar o desafio. No dia da posse, ele fez um discurso emotivo e muito bom, mas faltaram alguns elementos. Qual será ação, como vai caminhar o Estado para cumprir as metas? Ele tinha que ter pelo menos uma posição mais firme de estadista e dizer "isso eu não quero", "renuncio a isso". O modo como o Estado vai caminhar esteve ausente em seu discurso. O discurso foi claro para mostrar a posição ideológica e pessoal do presidente e seu sentimento e compromisso com o povo.

Nesse aspecto, ele está no caminho certo quando lida com o Brasil e reivindica a revisão do Tratado de Itaipu?

Para mim, ele devia dedicar uns breves minutos com mais contundência a respeito da política do Mercosul. Não somente com Brasil, também é questão fundamental tratar da posição paraguaia com a Bolívia e Argentina. O Paraguai tem um potencial energético e é um país que sofre muito. O tema fez parte da campanha e eu esperava que ele falasse mais sobre a questão estratégica.

E a proximidade de Lugo com Hugo Chávez e Evo Morales?

Não quero que haja um gesto da sua parte que comprometa a nossa soberania. Uma coisa é nossa pobreza e outra a dignidade como nação. E nesse marco nós necessitamos nos afirmar como uma nação soberana e um pensamento próprio, não necessitamos de tutores.

Quais são as suas pretensões políticas?

Estou observando o panorama para ver. Penso que se alguém tem talento e convicção de fazer algo para o bem comum, lutar pelos demais, então tem que fazê-lo. Mas depende das circunstâncias. Não tenho condições de entrar no esquema tradicional de política onde se demandam muitos recursos. Eu tenho uma vida modesta e necessito trabalhar para viver. Mas poderia trabalhar dentro de um esquema novo, em um movimento onde se vincule a política a seu ideal essencial que é construir o bem comum. Durante a campanha eu percorri todo o país e não posso permanecer indiferente à necessidade que existe. Atualmente atuo no terceiro setor e coordeno uma fundação para apoiar as políticas públicas de desenvolvimento social.

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