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Brasil - Paraguai

Narcossociedade na fronteira

Confira as regiões na fronteira do Brasil com o Paraguai onde há tráfico |
Confira as regiões na fronteira do Brasil com o Paraguai onde há tráfico (Foto: )

A histórica falta de habilidade dos governos do Brasil e do Pa­­ra­­guai em lidar com as movimentações ilícitas na fronteira fez surgir uma narcossociedade na região de Pedro Juan Caballero e Ponta Po­­rã (MS). A população das duas cidades, separadas apenas por ruas e avenidas, viu o tráfico de drogas crescer e se infiltrar na po­­lítica e no comércio. É nesse cenário, palco do atentato contra o se­­nador paraguaio Robert Acevedo, que os presidentes Luiz Inácio Lu­­la da Silva e Fernando Lugo reú­­nem-se hoje para discutir acordos de cooperação na área econômica, energética e de segurança. O tema da violência deve do­­mi­­nar a pauta do encontro, até mesmo pela demanda existente por mais policiamento e controle nas duas cidades. Capital do estado paraguaio de Amam­­bay, um dos cinco de todo o Para­­guai onde foi decretado estado de exceção para facilitar a prisão de membros de um grupo guerrilhei­­ro denominado Exército do Povo Para­­guaio (EPP), Pedro Juan Cabal­­lero tornou-se refúgio para organizações criminosas brasileiras, entre elas o Primeiro Comando da Ca­­pital (PCC), e um porto seguro pa­­ra a lavagem de dinheiro. "É co­­mum o narcotráfico financiar can­­didatos e investir em lojas, ho­­téis e fazendas da região. São in­­ves­­ti­­mentos que causam uma con­­cor­­rência ilegal e prejudicam a eco­­nomia porque se vende tudo mais barato", diz o senador Ace­­vedo. Fervoroso crítico do crime or­­ganizado – este teria sido o motivo de ter sofrido o atentado – Ace­­­­vedo elogiou o trabalho feito pelo juiz brasileiro Odilon de Oliveira em Ponta Porã. Jurado de morte, Oliveira condenou mais de 100 traficantes, confiscou imóveis e teve de ir embora para Campo Grande. Hoje, com o relaxamento das ações, as organizações criminosas espalham cada vez mais tentáculos na comunidade. "Esta­­mos nos transformando em uma narcossociedade. As organizações criminosas financiam políticos e adquirem propriedades para la­­var dinheiro". Para Ace­­vedo, é preciso uma intervenção do Brasil e P­­araguai na fronteira.

Uma semana após ter escapado de um ataque de pistoleiros que dispararam mais de 30 tiros contra o veículo que estava e ma­­ta­­ram seu motorista e um guarda-costas, Acevedo recupera-se em ca­­sa de um tiro que recebeu no braço e se estiver bem diz que participará hoje do encontro dos presidentes.

Após o atentado, cerca de 150 militares tomaram as ruas de Pe­­dro Juan Caballero. Eles param veí­­culos e fazem revistas, o que proporcionou à população do lado pa­­raguaio e brasileiro maior sensação de segurança. "A cidade está mais segura e tranquila agora", diz o comerciante Wilson Veláz­­quez, 40 anos. A segurança em Pon­­ta Porã havia sido reforçada há cerca de 30 dias. No Paraguai, as Forças Armadas, a polícia e fiscais aduaneiros são responsáveis pelo patrulhamento da fronteira.

Vácuo na segurança e nas políticas públicas sustenta criminalidade

As falhas nas políticas públicas e falta de perspectiva para geração de renda formal, principalmente na fronteira de Ciu­­dad del Este e Foz do Iguaçu, são alguns fatores que facilitam a proliferação de guetos criminosos no Brasil e no Paraguai.

Para a historiadora e analista paraguaia Milda Rivarola, o go­­verno paraguaio nunca conseguiu controlar a máfia ligada ao narcotráfico e ao contrabando. "É um território que o estado pa­­raguaio nunca dominou, controlado por brasileiros e paraguaios", diz.

Outro obstáculo, segundo a historiadora, é a condição da po­­­­lícia do país. Com fama de cor­­rupta, a corporação policial paraguaia é arcaica, des­­pre­­pa­­rada e não tem equipamen­­tos de ponta para fazer frente aos traficantes e contrabandistas. "O aparato policial é velho e não é sofisticado".

A condição econômica da população e os valores cultuados também aparecem como sustentáculo da problemática vivenciada na fronteira, onde a cul­­tu­­ra da ilegalidade é co­­mum. Para o sociólogo e professor da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), Eric Car­­din, autor de uma tese de doutorado sobre a fronteira, a prática do trabalhador informal, ou seja, os chamados laranjas – con­­tratados para cruzar o Brasil com mercadorias – ou barquei­­ros, mostra que o ‘errado’ está na mercadoria e não na atividade exercida. "É comum nas narrativas de inúmeros trabalhadores a concepção de que, em­­bora o trabalho realizado seja errado e ilegal, ele dá sustentação para a economia oficial da região e por isso não seria legítimo a manutenção de um suposto processo de ataque ao trabalho realizado", diz.

Segundo o professor, o narcotráfico e o contrabando acabam ocupando um imenso contingente populacional e possibilitam a manutenção de inúmeras famílias, além da circulação de um volume de capital fun­­damental para a existência de parte significativa da economia regular.

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