No México, as notícias de assassinatos relacionados ao tráfico de drogas costumam ser curtas. Isso não ocorre pela displicência dos que as escrevem, mas sim pela falta de informações que costuma acompanhar as mortes. Os crimes passam a ser relacionados ao narcotráfico não pela coleta de provas, mas pela ausência delas.
Vivendo o paradoxo de ter em seu território uma guerra ao mesmo tempo silenciosa e barulhenta, o país acompanhou no final do mês passado o relato de mais um crime violento com características de execução por narcotraficantes. O candidato a governador do departamento (estado) de Tamaulipas Rodolfo Torre Cantú foi assassinado a caminho do aeroporto de Ciudad Victória, após realizar uma série de eventos de campanha na região. Além do candidato, outras quatro pessoas que estavam no comboio da candidatura foram mortas.
Cantú é adicionado agora à contagem de 23 mil mortos associados à guerra ao narcotráfico mexicano desde 2006, quando o conservador Felipe Calderón foi eleito presidente com a promessa de entregar o mandato tendo como anexo uma declaração de vitória sobre os narcotraficantes.
A iniciativa do presidente mexicano recebeu o apoio financeiro dos EUA. Em 2008, o Congresso americano aprovou a implantação da Iniciativa Mérida (também conhecida como Plano México), que já liberou mais de US$ 1,1 bilhão para o combate ao narcotráfico ao sul da fronteira (leia reportagem na página seguinte).
Porém, após um primeiro ano de mandato pautado pela colocação do exército nas ruas para combater o tráfico, Calderón vê a cada ano as políticas antidrogas ficarem menos eficientes, enquanto os grupos atuantes no país se consolidam como os mais ricos, audazes, bem-armados e violentos do mundo.
Intermediário
Os narcotraficantes mexicanos se especializaram como atravessadores da cocaína e da maconha produzida na América do Sul. A opção foi influenciada pela posição geográfica do México, que acaba servindo de entreposto entre os grandes países produtores (Colômbia, Peru, Venezuela) e os consumidores (Estados Unidos e Europa). Na América Central, os cartéis mexicanos não encontram dificuldades para estabelecer rotas de tráfico que driblem a frágil fiscalização de fronteira dos países da região.
A violência relacionada ao tráfico ocorre por causa da disputa de territórios e diferentes mercados. "Os cartéis mexicanos avançam, em parte, corrompendo e intimidando membros das forças policiais", afirma Collen Cook, analista de assuntos latino-americanos do Congresso americano, em relatório apresentado ao Capitólio. "Por exemplo, a polícia municipal de Nuevo Laredo (departamento de Tamaulipas) foi acusada de sequestrar integrantes do Cartel do Golfo para entregá-los aos Zetas (grupo paramilitar rival)", informa.
Uma das maiores dificuldades das autoridades mexicanas é mapear a atuação de todos os cartéis de tráfico que atuam no país. Embora os grupos e seus líderes sejam conhecidos (veja quadro na página seguinte), as áreas e métodos de atuação são uma surpresa constante para os investigadores mexicanos.
No instável relacionamento entre os grupos, dois cartéis protagonizam uma longa disputa por importância no comércio de narcóticos com os Estados Unidos. O Cartel de Sinaloa, considerado o maior do México, mantém uma sangrenta rivalidade com o Cartel do Golfo, possível controlador da parte leste da fronteira com os Estados Unidos.
Dominar os estados mexicanos que fazem fronteira com os Estados Unidos é fundamental para a exportação das drogas. Por causa disso o Cartel de Juárez permanece como uma das grandes forças atuantes no país, mesmo tendo perdido forças devido a capturas e execuções de alguns de seus líderes.
Na outra parte da fronteira do México, o Cartel de Sinaloa se tornou hegemônico ao edificar para si um "cocainoduto" que se estende de sul a norte do México, e por onde se transporta a droga desde a América Central até os grandes centros consumidores dos Estados Unidos.
Precursor
"O Cartel de Sinaloa é o mais velho do México", relata à Gazeta do Povo Raúl Benitez, especialista em assuntos de segurança da Universidade Nacional do México. "Os exportadores de maconha e heroína começaram a traficar durante a 2.ª Guerra Mundial, quando os soldados norte-americanos começaram a comprar essas drogas para fins médicos e de entretenimento. Quando voltaram da guerra, estavam viciados. O mesmo ocorreu com os combatentes do Vietnã, nos anos 1970, o que fez crescer o consumo nos Estados Unidos e tornou o Cartel de Sinaloa ainda mais poderoso. Nos anos 1990, começou a aumentar o tráfico de cocaína vindo da Colômbia. A violência explode quando aparece o primeiro cartel rival, o do Golfo, que passa a traficar drogas para o Texas", relata.
Hoje, estima-se que o Cartel de Sinaloa seja o responsável por 45% do tráfico para os EUA. Associado ao fato de que 90% do consumo americano provém do México, isso coloca o Cartel de Sinaloa como um dos mais lucrativos do mundo. Joaquín Guzman, líder em atividade desse cartel, personifica a construção mítica em torno de um chefão das drogas. "El Chapo" (O Baixo), como é conhecido, está na lista da revista Forbes dos homens mais ricos do mundo, amealhando uma fortuna estimada em US$ 1 bilhão.
O narcotraficante de 52 anos chegou a ser preso na Guatemala, em 1993, e permaneceu oito anos sob custódia da justiça mexicana. Mas, em 2001, Guzman fugiu de uma prisão de segurança máxima escondido em um carrinho de lavanderia e voltou a comandar as atividades do cartel. "Guzman é um grande empresário das drogas. Construiu um grande monopólio, uma grande empresa transnacional, e estendeu sua influência entre governos estaduais e municipais. Ele se esconde nas montanhas de Durango e Sinaloa, e o governo não consegue prendê-lo devido à grande rede de proteção em torno dele", relata Benitez.
Território
Devido à disputa entre cartéis, Ciudad Juárez cidade de 2,6 milhões de habitantes se tornou a Jerusalém dos cartéis de narcotráfico. Localizada no extremo norte do México, na divisa com a cidade americana de El Paso (Texas), ela é disputada tanto pelo Cartel de Sinaloa quanto pelo Cartel de Juárez.
A disputa entre as inúmeras pequenas quadrilhas que compõem os dois cartéis tornou Ciudad Juárez uma das cidades mais violentas do país. Somente neste ano, 600 pessoas já morreram por causa da guerra entre traficantes (em 2009, houve um total de 2.600 assassinatos). "A opinião pública mexicana está muito preocupada com o narcotráfico e a violência, e ocorrem muitas críticas ao conceito de guerra às drogas do presidente Calderón. Quase a totalidade do exército está envolvida na operação, e estão acontecendo violações de direitos humanos. Existe a impressão de que o governo está perdendo a guerra, porque a violência está aumentando", analisa Benitez.