Policial isola cena de crime em Monterrey: disputas internas entre traficantes aumentam mortes| Foto: Tomas Bravo/Reuters

Dinheiro arrecadado pelo tráfico insinua criação de economia narcodependente

À medida que os cartéis do México ficam maiores e mais sofisticados, a participação desses grupos na vida econômica do país também se torna mais presente. Estima­­tivas apontam que o tráfico seja o principal setor da economia mexicana, trazendo US$ 50 bilhões para o país a cada ano. Caso o México eliminasse de imediato todo o narcotráfico, sua economia en­­colheria 63%, segundo um es­­tudo realizado pela Agência de Segu­­rança Interna do Mé­­xico (Cisen).

Esse número, ainda que soe inflado pelo alarmismo, provoca dúvidas sobre a capacidade de gerência do México, apontado como uma das futuras potências econômicas no sé­­culo 21.

Analistas afirmam ser pe­­quena a probabilidade de o país descambar para a condição de narcoestado – semelhante ao que aconteceu com a Colômbia em décadas passadas. Porém a capacidade mexicana de resolver o problema do tráfico está diretamente associada à sua capacidade de ge­­rência e aporte de investimentos.

"Os cartéis mexicanos pu­­deram sobreviver porque aprenderam com os erros dos cartéis colombianos", disse à Gazeta do Povo Raúl Benitez, especialista em assuntos de segurança da Universidade Na­­cional do México. "Os colombianos tentaram penetrar no Estado; mataram ministros e candidatos à Presidência. No México isso não ocorre. Além disso, a possibilidade de se mover pela fronteira com os Estados Unidos dá aos cartéis mexicanos muito poder financeiro, pois eles mesmos podem vender a droga nas ruas americanas", relaciona.

Alerta

Ainda que os traficantes mexicanos não tenham investido continuamente contra políticos, a morte recente do candidato a governador de Ta­­mau­­lipas Rodolfo Torre Cantú alertou os gabinetes do país. As causas da execução ainda não foram esclarecidas, mas o fato de a emboscada ter ocorrido a uma semana das eleições regionais desperta suspeitas de que os cartéis possam estar começando a apontar a artilharia para o poder público.

"Somente alguém muito pessimista poderia concluir que o México vai implodir como o Paquistão ou o Afe­­ga­­nistão. No país há muitos fa­­tores positivos para evitar que isso ocorra", aponta Geor­­ge Grayson, professor de Gover­­no no College of Wil­­liam and Mary (Virgínia), em seu livro Mexico: Narco-Vio­­lence and a Failed State? (México: Nar­­co­­violência e um Estado Falido, sem edição em português).

Assim como o escritor, o governo mexicano também investe na manutenção da imagem do país como um lugar de normalidade institucional. Um dos argumentos é que, apesar de os cartéis realmente representarem um pe­­rigo para a segurança, as mortes violentas geralmente vitimam pessoas que já estavam diretamente en­­volvidas com o tráfico. "Hoje os cartéis estão mais bem or­­ganizados. São também mais fortes e violentos, porque há competição entre eles ", adiciona Benitez.

Em 2010, a celebração do centenário da Re­­volução Me­­xicana ameaça projetar sombras frias sobre o futuro do país. Ao relembrar as batalhas de Pancho Villa e Emi­­liano Zapata, o México percebe como uma insurgência ci­­vil pode ser um momento duro e sangrento da história do país.

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Plano México está restrito à ação do exército nas ruas

Enquanto o orçamento norte-americano era esticado pelas guerras no Iraque e no Afeganistão, o Capitólio aprovou em junho de 2008 um aporte anual de mais de US$ 400 bilhões para ajudar o México a combater o narcotráfico em suas fronteiras. Era o início da Iniciativa Mérida, ou Plano México, uma parceria forjada nos moldes do Plano Colômbia, criado pelos EUA em 2000.

Dois anos depois, a troca de ajuda entre os dois países recebe críticas pela ineficiência do modelo de parceria. Na previsão orçamentária americana, o Plano México foi incluído como gasto suplementar da "Guerra ao Terror", o que estimula críticas ao "esqueleto da era Bush". Quase a totalidade dos recursos é empregada para manter o contingente de 50 mil militares mexicanos nas ruas. Nenhum valor é destinado para o tratamento e reabilitação de dependentes.

Para Raúl Benitez, especialista em assuntos de segurança da Universidade Nacional do México, o Plano México é insuficiente. "É pouco dinheiro, e ainda não foi repassada ao México parte importante da ajuda, como aviões, helicópteros e equipamentos. Além disso, os Estados Unidos também precisam fazer a sua parte no próprio território, aumentando o controle sobre a lavagem de dinheiro, a venda de armas, as bocas de tráfico nas ruas e as políticas de redução de consumo", sugere.

Armas

A principal cobrança feita pelo governo mexicano ao aliado do norte é o controle sobre o tráfico de armas para o México. Um estudo divulgado pelo governo mexicano revela que 90% das armas ilegais do país têm procedência americana. A cada ano, 2 mil novos fuzis, metralhadoras e outros armamentos pesados alimentam a guerra entre os cartéis mexicanos. Em resposta, o governo americano destinou US$ 74 milhões da verba da Ini­­ciativa Mérida para tentar estancar o vetor norte-sul do tráfico.

Entretanto, o potencial para o tráfico de armas aumentou desde que o exército foi para as ruas. De acordo com informes oficiais, o governo do México acredita que oficiais corruptos estejam facilitando o contrabando de armas para o país. Nos últimos anos, está cada vez mais comum apreender armamentos de uso exclusivo das forças armadas americanas em poder dos cartéis.

No México, as notícias de assassinatos relacionados ao tráfico de drogas costumam ser curtas. Isso não ocorre pela displicência dos que as escrevem, mas sim pela falta de informações que costuma acompanhar as mortes. Os crimes passam a ser relacionados ao narcotráfico não pela coleta de provas, mas pela ausência delas.

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Vivendo o paradoxo de ter em seu território uma guerra ao mesmo tempo silenciosa e barulhenta, o país acompanhou no final do mês passado o relato de mais um crime violento com características de execução por narcotraficantes. O candidato a governador do departamento (estado) de Tamaulipas Rodolfo Torre Cantú foi assassinado a caminho do ae­­roporto de Ciu­­dad Victória, após realizar uma série de eventos de campanha na região. Além do candidato, outras quatro pessoas que estavam no comboio da candidatura foram mortas.

Cantú é adicionado agora à contagem de 23 mil mortos associados à guerra ao narcotráfico mexicano desde 2006, quando o conservador Felipe Calderón foi eleito presidente com a promessa de entregar o mandato tendo co­­mo anexo uma declaração de vi­­tória sobre os narcotraficantes.

A iniciativa do presidente me­­xicano recebeu o apoio financeiro dos EUA. Em 2008, o Congresso americano aprovou a implantação da Iniciativa Mé­­rida (também conhecida como Plano México), que já liberou mais de US$ 1,1 bi­­lhão para o combate ao narcotráfico ao sul da fronteira (leia re­­por­­ta­­gem na página seguinte).

Porém, após um primeiro ano de mandato pautado pela colocação do exército nas ruas para combater o tráfico, Calderón vê a cada ano as políticas antidrogas ficarem menos eficientes, enquanto os grupos atuantes no país se consolidam como os mais ricos, audazes, bem-armados e violentos do mundo.

Intermediário

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Os narcotraficantes mexicanos se especializaram como atravessadores da cocaína e da maconha produzida na Amé­­rica do Sul. A opção foi influ­­enciada pela posição geográfica do México, que acaba ser­­vin­­do de entreposto entre os grandes países produtores (Co­­lômbia, Peru, Venezuela) e os consumidores (Estados Uni­­dos e Europa). Na América Cen­­tral, os cartéis mexicanos não encontram dificuldades para estabelecer rotas de tráfico que driblem a frágil fiscalização de fronteira dos países da região.

A violência relacionada ao tráfico ocorre por causa da disputa de territórios e diferentes mercados. "Os cartéis mexicanos avançam, em parte, corrompendo e intimidando mem­­­­bros das forças policiais", afirma Collen Co­­ok, analista de as­­suntos latino-americanos do Con­­gresso americano, em re­­latório apresentado ao Capi­­tólio. "Por exemplo, a polícia municipal de Nuevo Laredo (de­­parta­­men­­to de Tamauli­­pas) foi acusada de sequestrar integrantes do Cartel do Golfo para entregá-los aos Zetas (gru­­po paramilitar rival)", informa.

Uma das maiores dificuldades das autoridades mexicanas é mapear a atuação de todos os cartéis de tráfico que atuam no país. Embora os grupos e seus líderes sejam conhecidos (veja quadro na página seguinte), as áreas e métodos de atuação são uma surpresa constante para os investigadores mexicanos.

No instável relacionamento entre os grupos, dois cartéis protagonizam uma longa disputa por importância no comércio de narcóticos com os Estados Uni­­dos. O Cartel de Sinaloa, considerado o maior do México, mantém uma sangrenta rivalidade com o Cartel do Golfo, possível controlador da parte leste da fronteira com os Estados Unidos.

Dominar os estados mexicanos que fazem fronteira com os Estados Unidos é fundamental pa­­ra a exportação das drogas. Por causa disso o Cartel de Juárez permanece como uma das grandes forças atuantes no país, mesmo tendo perdido forças devido a capturas e execuções de alguns de seus líderes.

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Na outra parte da fronteira do México, o Cartel de Sinaloa se tornou hegemônico ao edificar para si um "cocainoduto" que se es­­tende de sul a norte do México, e por onde se transporta a droga desde a Amé­­rica Central até os grandes centros consumidores dos Estados Unidos.

Precursor

"O Cartel de Sinaloa é o mais ve­­lho do México", relata à Gazeta do Povo Raúl Be­­ni­­tez, especialista em assuntos de segurança da Universidade Nacional do Mé­­xico. "Os ex­­portadores de maconha e heroína começaram a traficar durante a 2.ª Guerra Mun­­dial, quando os soldados norte-americanos começaram a comprar essas drogas para fins médicos e de entretenimento. Quando voltaram da guerra, estavam viciados. O mesmo ocorreu com os combatentes do Vietnã, nos anos 1970, o que fez crescer o consumo nos Estados Unidos e tornou o Cartel de Si­­naloa ainda mais poderoso. Nos anos 1990, começou a aumentar o tráfico de cocaína vindo da Co­­lômbia. A violência explode quan­­do aparece o primeiro cartel rival, o do Golfo, que passa a traficar drogas para o Texas", relata.

Hoje, estima-se que o Cartel de Sinaloa seja o responsável por 45% do tráfico para os EUA. As­­sociado ao fato de que 90% do consumo americano provém do México, isso coloca o Cartel de Si­­naloa como um dos mais lucrativos do mundo. Joaquín Guz­­man, líder em atividade desse cartel, personifica a construção mítica em torno de um chefão das drogas. "El Chapo" (O Baixo), como é conhecido, está na lista da revista Forbes dos homens mais ricos do mundo, amealhando uma fortuna estimada em US$ 1 bilhão.

O narcotraficante de 52 anos chegou a ser preso na Guatemala, em 1993, e permaneceu oito anos sob custódia da justiça me­­xicana. Mas, em 2001, Guzman fugiu de uma prisão de segurança máxima escondido em um carrinho de lavanderia e voltou a comandar as atividades do cartel. "Guz­­man é um grande empresário das drogas. Construiu um grande mo­­nopólio, uma grande empresa transnacional, e estendeu sua influência entre governos estaduais e municipais. Ele se esconde nas montanhas de Du­­rango e Sinaloa, e o governo não consegue prendê-lo devido à gran­­de rede de proteção em torno dele", relata Benitez.

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Território

Devido à disputa entre cartéis, Ciudad Juárez – cidade de 2,6 milhões de habitantes – se tornou a Jerusalém dos cartéis de narcotráfico. Localizada no ex­­tremo norte do México, na divisa com a cidade americana de El Paso (Texas), ela é disputada tanto pelo Cartel de Sinaloa quanto pelo Cartel de Juárez.

A disputa entre as inúmeras pequenas quadrilhas que compõem os dois cartéis tornou Ciu­­dad Juárez uma das cidades mais violentas do país. Somente neste ano, 600 pessoas já morreram por causa da guerra entre traficantes (em 2009, houve um total de 2.600 assassinatos). "A opinião pública mexicana está muito preo­­cupada com o narcotráfico e a violência, e ocorrem muitas críticas ao conceito de guerra às dro­­gas do presidente Calderón. Qua­­­­se a totalidade do exército está envolvida na operação, e es­­tão acontecendo violações de di­­reitos hu­­manos. Existe a impressão de que o governo está perdendo a guerra, porque a violência es­­tá au­­mentando", analisa Be­­nitez.