A proverbial falta de refinamento e inteligência dos neandertais, primos extintos da humanidade que sumiram há menos de 30 mil anos, está sendo contrariada pelos restos de um menu pré-histórico à beira-mar, recém-descoberto por pesquisadores da Espanha, do Reino Unido e do Canadá. Segundo as escavações conduzidas por eles, os neandertais de Gibraltar, um pedacinho de território espanhol sob domínio britânico, teriam se alimentado rotineiramente de frutos do mar, incluindo em seu cardápio mariscos, peixes, carne de foca e de golfinho - quase uma legítima paella.
A pesquisa, coordenada por Yolanda Fernández-Jalvo, do Museu Nacional de Ciências Naturais de Madri, está na edição desta semana da revista científica "PNAS". Brincadeiras sobre a culinária neandertal à parte, o trabalho é importante por confirmar que o repertório comportamental dos hominídeos era mais amplo do que se imaginava. Muita gente considerava os neandertais simplesmente burros demais para explorar recursos marinhos - segundo certos pesquisadores, a capacidade só teria surgido com o Homo sapiens anatomicamente moderno, visto como capaz de recolher uma dieta mais variada.
Fernández-Jalvo e companhia estudaram e dataram restos de fauna oriundos das cavernas de Vanguard e Gorham, em Gibraltar, com idades de ocupação que giram entre 42 mil e 30 mil anos antes do presente, segundo métodos de datação radioativa.
As evidências mais fortes de consumo humano dos bichos marinhos envolvem marcas de corte com ferramentas de pedra, indicando desmembramento dos cadáveres feitas com instrumentos tipicamente usados por neandertais. As focas e golfinhos são, em geral, indivíduos jovens, o que sugere que os hominídeos aproveitavam a vulnerabilidade de filhotes (técnica comum entre caçadores), sabendo, portanto, as épocas do ano em que os mamíferos marinhos procriavam ou costumavam ficar encalhados na costa espanhola.