Quando o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o ditador da Coreia do Norte do Norte, Kim Jong-un, encerraram o encontro da tão aguardada cúpula de Cingapura, em 12 de junho, o republicano declarou triunfalmente que a Coreia do Norte não representava mais uma ameaça nuclear e que uma das crises geopolíticas mais difíceis do mundo estava “em grande parte resolvida”.
Foi um grande passo diplomático, que rendeu apoio e críticas à administração Trump, mas desde então negociadores dos EUA enfrentaram forte resistência de uma equipe norte-coreana experiente na arte do atraso e da incerteza.
Diplomatas americanos afirmam que os norte-coreanos cancelaram reuniões de acompanhamento, exigiram mais dinheiro e sequer mantiveram uma comunicação básica. Soma-se a isso a descoberta de imagens de satélites que indicam melhorias “em ritmo acelerado” em um centro nuclear da Coreia do Norte, mesmo com o compromisso do regime com a desnuclearização, documentado após a cúpula de Cingapura.
Leia também: Coreia do Norte tem 2,6 milhões de ‘escravos modernos’, segundo estimativas
Agora descobriu-se, por meio de um alto comandante do Exército dos EUA, que o material que a Coreia do Norte precisa para construir bombas nucleares continua intacto. “A capacidade de produção nuclear da Coreia do Norte ainda está intacta. Nós não vimos uma parada completa da produção ainda”, afirmou o general do Exército Vincent Brooks, comandante das forças norte-americanas na Coreia do Sul, ao Aspen Security Forum.
Uma instalação de testes com motores de mísseis que Trump disse que seria destruída permanece intacta. Além disso, oficiais da inteligência dos EUA dizem que Pyongyang está trabalhando para esconder os principais aspectos de seu programa nuclear.
Frustração
A falta de progresso imediato, embora prevista por muitos analistas, frustrou Trum. A portas fechadas, o presidente demonstrava irritação com seus assessores, ao mesmo que elogiava publicamente o sucesso das negociações.
“As discussões estão em andamento e estão indo muito bem”, disse Trump a repórteres na terça-feira passada (17).
Os relatos da dinâmica interna da administração vêm de conversas com assessores da Casa Branca, funcionários do Departamento de Estado e diplomatas, que falaram sob condição de anonimato.
Leia também: Kim escreve para Trump e diz ter apreciado esforços para melhorar as relações entre a Coreia do Norte e os EUA
Autoridades dizem que Trump foi cativado pelas negociações nucleares, pedindo aos funcionários atualizações diárias sobre o status das negociações. Sua frustração com a falta de progresso acompanhou sua irritação com a cobertura da mídia sobre a declaração conjunta que assinou em Cingapura - um documento que não contém cronograma ou detalhes sobre a desnuclearização, mas reduziu as tensões entre os dois países.
"Trump foi atingido por uma forte dose de realidade nas negociação da Coreia do Norte, o que é sempre difícil para os americanos entenderem", disse Duyeon Kim, um especialista em Coreias do Centro para uma Nova Segurança Americana.
Os foras de Pompeo
O interesse de Trump pela questão colocou o secretário de Estado, Mike Pompeo, sob os holofotes. Ele tentou extrair concessões de sua contraparte Kim Yong Chol, ex-chefe de espionagem visto pela administração Trump como intransigente e incapaz de negociar qualquer coisa que não estivesse dentro das diretivas explícitas de Kim Jong-un.
Um dos fracassos da comitiva dos EUA foi a negociação dos detalhes para a repatriação de restos mortais de tropas norte-americanas que lutaram a guerra da Coreia. A questão foi discutida em várias reuniões e foi vista pelos Estados Unidos como um caminho fácil para a Coreia do Norte demonstrar sua sinceridade. Mas quando Pompeo fez sua terceira visita a Pyongyang, os norte-coreanos insistiram que ainda não estavam preparados para se comprometer com planos específicos, segundo diplomatas a par das discussões.
O atraso irritou as autoridades dos EUA, que estavam sob pressão para cumprir o anúncio prematuro de Trump em 20 de junho de que a Coreia do Norte já havia "devolvido" os restos mortais de 200 soldados. O sentimento se agravou quando Kim Jong-un escolheu não se encontrar com Pompeo durante sua estada, como era esperado. Pompeo depois negou que uma reunião foi planejada, contradizendo diplomatas que afirmaram que o secretário inicialmente pretendia ver o líder norte-coreano.
Incapaz de garantir um acordo sobre restos mortais durante sua viagem, Pompeo agendou uma reunião entre os norte-coreanos e seus colegas do Pentágono para discutir a questão na zona desmilitarizada em 12 de julho.A Coreia do Norte, no entanto, manteve as autoridades de defesa americanas esperando por três horas antes de ligar para cancelar, segundo diplomatas. Os norte-coreanos então pediram uma futura reunião com um oficial militar de alto escalão.
"Deixar outra autoridade dos EUA esperando ansiosamente que o representante norte-coreano apareça, acrescenta insulto à injúria", disse Bruce Klingner, estudioso da Coreia do Norte na Heritage Foundation. "Pyongyang voltou a usar suas pesadas táticas de negociação".
Paciência
Na quarta-feira, Trump garantiu um compromisso da Rússia em "ajudar" na questão da Coreia do Norte. "O processo está se movendo", ele tuitou. Entretanto, na sexta-feira, a embaixadora dos Estados Unidos na ONU, Nikki Haley, acusou a Rússia de bloquear os esforços para disciplinar o contrabando ilegal da Coreia do Norte.
Trump e sua equipe sênior "não desistiram totalmente" do objetivo da desnuclearização completa, mas estão preocupados, segundo contou uma pessoa familiarizada com as discussões.
Leia também: EUA esperam grande desarmamento da Coreia do Norte até 2020
Deixando para trás a retórica inicial, Trump disse à CBS nesta semana que não está com pressa. Essa abordagem mais paciente contrasta com as exigências anteriores da administração Trump para que a Coreia do Norte desmantele seu programa nuclear dentro de um ano.
"Trump está muito envolvido para desistir agora", disse Victor Cha, um especialista em Coreia do Norte que a administração Trump quase escolheu para ser o próximo embaixador dos EUA em Seul. "Pelo menos até depois das eleições de novembro".
O negociador norte-coreano
Autoridades norte-americanas colocam parte da culpa em Kim Yong Chol, que, apesar de ser o principal negociador da Coreia do Norte, tem consistentemente bloqueado as discussões dizendo que não tem poderes para falar sobre uma série de questões pertinentes.
Essa dinâmica provocou a ira das autoridades norte-americanas em uma reunião no início de julho em Panmunjom, quando ele se recusou a discutir a abertura de um canal de comunicação confiável ou mesmo objetivos específicos da próxima viagem de Pompeo a Pyongyang, segundo diplomatas a par dos encontros.
Os oficiais dos EUA na reunião, liderados pelo oficial do Departamento de Estado, Sung Kim, e o oficial da CIA, Andy Kim, queriam discutir a visita de Pompeo e fazer progressos no retorno dos restos mortais dos soldados mortos. Mas Kim Yong Chol disse que estava autorizado a receber apenas uma carta que Trump havia escrito para Kim Jong-un.
Quando funcionários dos EUA tentaram levantar questões substanciais, Kim Yong Chol resistiu e continuou pedindo a carta. Incapaz de avançar, os americanos finalmente entregaram a carta e terminaram a reunião depois de apenas uma hora.
Leia também: Como o encontro de Trump e Kim nos afastou da iminência de uma guerra
"[Kim] tem uma reputação de ser extremamente rude e agressivo", disse Sung-Yoon Lee, estudioso da Coreia do Norte na Universidade Tufts.
As táticas de negociação de Kim Yong Chol frustraram tanto as autoridades norte-americanas que vários manifestaram a esperança de que ele seria substituído como negociador principal por Ri Yong Ho, o mais agradável ministro de Relações Exteriores da Coreia do Norte. A troca parecia possível por causa da declaração conjunta em Cingapura, que explicitamente nomeou Pompeo como o principal negociador dos EUA, mas referiu-se a sua contraparte apenas como "oficial relevante de alto nível da RPDC".
"Acho que há um debate dentro da Coreia do Norte sobre a designação de Kim Yong Chol ou Ri Yong Ho como a contraparte", disse Cha, que também é um estudioso da Universidade de Georgetown. "Ri conhece melhor as questões e pode falar inglês perfeito. Kim é um ex-espião, não um negociador."
Ri cumprimentou Pompeo no aeroporto no início deste mês ao lado de Kim Yong Chol, mas o ex-chefe de espionagem passou mais tempo com Pompeo do que qualquer outro alto funcionário norte-coreano durante a visita de dois dias, aparentemente solidificando sua posição.
Repatriação de restos mortais
Em uma reunião na zona desmilitarizada no domingo passado, os dois lados concordaram em recomeçar as operações de campo para procurar os restos mortais de cerca de 5.300 americanos ainda desaparecidos da guerra na Coreia do Norte. Pompeo disse nesta semana que acredita que os primeiros conjuntos chegarão aos Estados Unidos "nas próximas duas semanas".
Autoridades norte-americanas familiarizadas com as discussões disseram que o Norte prometeu devolver 55 conjuntos de restos mortais em 27 de julho, o 65º aniversário da assinatura de um armistício que encerrou a guerra. Mas as autoridades do Pentágono, que enviaram casos de trânsito para a zona desmilitarizada semanas atrás, estão cautelosas com as promessas da Coreia do Norte, dadas as suas anulações anteriores.
Leia também: Os interesses e o papel da China nas negociações de paz na Península Coreana
Um dos principais objetivos de Pompeo antes da reunião de Pyongyang era melhorar as comunicações básicas com o Norte, que tinham sido instáveis e sem resposta por meio de canais diplomáticos e de inteligência, disseram autoridades dos EUA. Os dois lados criaram grupos de trabalho com o objetivo de melhorar o problema de comunicação, disse uma autoridade do Departamento de Estado.
Muitas das principais autoridades de segurança e inteligência do presidente há muito duvidam que a Coreia do Norte cumpra seus compromissos. Mas dada a falta de opções fora do âmbito diplomático, alguns analistas disseram que uma abordagem tolerante ainda oferece as melhores perspectivas.
"Preocupa-me que Trump possa perder a paciência com a extensão e complexidade das negociações que são comuns quando se lida com a Coreia do Norte, e se afastar e reverter a sérias considerações sobre a opção militar", disse Duyeon Kim, estudioso da Coreia. "Chegar a um acordo nuclear leva muito tempo e implementá-lo será ainda mais difícil".
Coreia do Norte pede mais
Um oficial com conhecimento das conversas com a Coreia do Norte afirmou em entrevista à CNN que a continuidade das negociações depende da vontade dos EUA em substituir o armistício firmado ao fim da guerra da Coreia por um acordo de paz permanente que garantiria a sobrevivência do regime de Kim Jong-un.
O estabelecimento de um tratado de paz exigiria a aprovação de dois terços do Senado dos EUA.
Leia também: Seis grandes questões deixadas pelo encontro entre Trump e Kim
O oficial também afirmou que a Coreia do norte está pressionando a administração Trump para que comece a afrouxar as sanções contra o país, sob a justificativa de que eles têm “feito muito” ao congelar testes nucleares, destruir centros instalações nucleares e facilitando a repatriação dos restos mortais das tropas americanas.
Tecnicamente, Coreia do Norte e EUA estão em guerra desde 1950. O encontro entre Trump e Kim, em Cingapura, foi o primeiro entre os líderes dos dois países desde então.