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Nem política, nem terrorismo. Ataque a russos na Inglaterra pode ter outra motivação: dinheiro

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A escalada de acusações e da disputa diplomática entre a Rússia e o Reino Unido após o envenenamento do ex-espião russo Serguei Skripal e de sua filha, Iulia, em Salisbury, no dia 4, ofusca um debate incômodo para Londres. Apesar do clima de tensão sobre uma suposta tentativa de assassinato político e das revelações dignas de thriller de espionagem, o tema central nos casos de ataques a russos em solo britânico pode ser bem mais simples: dinheiro.  

Para especialistas em política russa reunidos em Londres na noite de segunda (19), o país se tornou um "porto seguro" para a lavagem de dinheiro sujo russo. A questão financeira e a corrupção podem estar por trás de mais de uma dezena de casos parecidos com o de Skripal.  

"Meu marido foi assassinado porque ameaçava o dinheiro sujo que criminosos russos lavam em Londres", disse Marina Litvinenko. Autora do livro "Morte de um Dissidente" (Companhia das Letras), ela foi casada com uma das vítimas mais célebres de crimes deste tipo, Alexander Litvinenko, morto em 2006, envenenado com polônio, uma substância radioativa. Segundo uma investigação pública no Reino Unido, o governo russo foi responsável pelo assassinato dele.  

"Se você quiser punir os responsáveis, é preciso impossibilitar o uso do dinheiro sujo na Europa. Não aceitar o dinheiro sujo", disse Marina sobre o caso Skripal.  

Disputas por dinheiro russo aparecem com frequência entre as prováveis motivações de crimes contra ex-espiões, segundo Jane Bradley, co-autora de uma investigação do site Buzzfeed sobre 14 assassinatos de que a Rússia é suspeita no Reino Unido.  

"Nas mortes que investigamos, havia gente que era vista como traidora da pátria, mas outras que ameaçavam o dinheiro do Kremlin em Londres", disse. "Londres é vista como um lugar seguro e fácil de trazer o dinheiro sujo da Rússia", completou.  

"Acho que a questão financeira, o dinheiro, é mais motivador desses crimes do que a honra do país", concordou Mary Dejevsky, ex-correspondente da imprensa inglesa em Moscou.  

Lavagem de dinheiro

Segundo revelações recentes do Projeto de Cobertura de Crime Organizado e Corrupção (OCCRP, na sigla em inglês), empresas e bancos do Reino Unido são usados com frequência por sistemas de corrupção da Rússia para lavar dinheiro sujo.  

Para Bradley, o fator financeiro por trás das disputas com a Rússia faz com que a resposta do governo britânico deva vir por este lado, não apenas pela expulsão de diplomatas russos. "O dinheiro que entra aqui tem que ser legítimo, e a cidade não pode ser um centro de lavagem de dinheiro. O problema é que a economia britânica também depende desse dinheiro russo", disse.  

Segundo Marina Litvnenko, entretanto, as sanções do Ocidente em casos assim precisam ser direcionadas às pessoas envolvidas nesses crimes e em lavagem de dinheiro, sem punir o povo russo, ou o governo pode usar isso a seu favor.  

"É muito difícil explicar aos russos que uma medida assim não é contra eles, mas contra os corruptos do governo. A mídia do país é censurada, então eles só ouvem a versão do governo de que o Ocidente está atacando a Rússia", disse. "Isso me lembra o período stalinista. As pessoas sofriam, mas ainda assim confiavam em Stálin. Agora as pessoas acreditam em Putin. Elas têm orgulho do que ele está fazendo."  

Para Dejevsky, o Reino Unido não deve ser tolerante com o dinheiro de corrupção que chega ao país, mas não deve atacar ou responsabilizar apenas os russos. "Há gente de muitas nacionalidades com dinheiro sujo em Londres, e não deveria ser preciso um assassinato para controlarmos crimes financeiros."  

Armas químicas

Mesmo sem uma definição clara no debate sobre a motivação dos crimes envolvendo russos no Reino Unido, o país precisa evitar que mais assassinatos usando armas químicas voltem a acontecer.  

"Não importa se o crime foi por traição ao país ou às máfias, por dinheiro. Os dois casos são assustadores. A primeira preocupação agora é descobrir se ainda há algo do agente neurotóxico no país. O Ocidente precisa se unir, ou casos assim podem se espalhar. O Reino Unido foi o alvo porque os espiões escolheram viver aqui, mas a questão importa a todo o mundo", avaliou Chris Phillips, ex-chefe do Escritório Nacional de Segurança do Terrorismo com especialização em estratégia de combate ao terrorismo.

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