Curitiba O Sudão se transformou na primeira colônia chinesa na África. É o que diz uma ONG sudanesa e a imprensa internacional sobre o apoio da China ao governo de Cartum. As acusações envolvem denúncias de violações de direitos humanos e infrações ambientais das empresas chinesas que operam no Sudão, sob o aval do governo local. O governo do Sudão, que vive um conflito que já deixou mais de 200 mil mortos desde 2003, é considerado, assim como o da China, um violador dos direitos humanos.
O Grupo de Pesquisa Piankhi questiona, por exemplo, a construção da represa de Merowe (veja mapa), na quarta catarata do Rio Nilo e que produzirá 1.250 megawatts. Estima-se que mais de 70 mil moradores terão de ser deslocados da região.
A Rede Internacional de Rios aponta que apesar de a China ter investido US$ 6 bilhões em projetos para o desenvolvimento da África, por outro lado, Pequim leva corrupção, destruição ambiental e repressão à região retomando práticas do antigo colonialismo.
O Sudão não seria o único país a vivenciar esse problema, estão na lista também a África do Sul, Zimbábue, Zâmbia, Etiópia e Nigéria. São cerca de 800 empresas chinesas atuando em projetos africanos. Mas, a situação parece estar mudando, dizem as ONGs, com a pressão internacional algumas empresas chinesas estão realizando estudos de impacto ambiental onde atuam.
Nesta semana, o presidente dos EUA, George W. Bush, anunciou novas sanções econômicas contra o governo do Sudão por causa do conflito no país, considerado pelos EUA como genocídio.
Condenando as sanções dos EUA ao Sudão, o representante especial da China para o conflito de Darfur, Liu Guijin, afirmou que os investimentos chineses na região "ajudarão a pôr fim ao conflito", uma vez que alavancam o desenvolvimento econômico do país.
Geopolítica
Mesmo no Conselho de Segurança da ONU, a China que é um dos membros permanentes sempre se abstém nos casos que envolvem crises sociais sob o argumento (presente no Direito Internacional) de não interferência em questões internas, analisa Denise Galvão, mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB) e professora do Centro Universitário Unieuro. Ou seja, a China ao estabelecer laços comerciais com países da África não leva em conta a corrupção, a violação de direitos humanos cometidas pelos governos locais. "Nos últimos cinco anos, o comércio entre China e África cresceu pelo menos quatro vezes. Ao firmar acordos, a China não impõe nenhuma condição sobre direitos humanos." Até 2010, o comércio entre China e África alcançará US$ 100 bilhões.
Apesar de considerar um exagero a expressão "neocolonialismo" chinês no continente africano, Denise concorda que essa idéia está presente no imaginário do povo, que acaba por não ver melhorias em sua condição de vida por falta de políticas públicas. "O comércio entre China e África não cria empregos para os africanos. Os acordos trazem benefícios para os chineses e para os governos africanos que estabelecem contratos vantajosos para a exploração de recursos naturais. Ao mesmo tempo, há uma invasão de produtos chineses no mercado africano, mas boa parte da população está à margem."
A sugestão do termo "neocolonialismo" parece se aplicar à realidade na África na medida em que a China amplia seu comércio com países de estruturas internas frágeis, avalia Leonardo Arquimimo de Carvalho, pesquisador da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas. "Alguns países trocam mercadorias por infra-estrutura. Boa parte se vê limitada em estabelecer barreiras tarifárias, por exemplo."
Luciana Worms, professora de Geopolítica do Curso Positivo, acha que os acordos entre a China e Sudão, por exemplo, são coerentes uma vez que os dois governos são violadores dos direitos humanos.
A África é um continente abandonado pela Europa e pelos Estados Unidos, e a China, por sua vez, mostra sua grande capacidade de articulação econômica e também no cenário internacional, comenta Arquimimo. "O avanço econômico chinês na África pode reverter em um apoio de todo o continente (54 países) a Pequim, reforçando sua posição no cenário global."
Arquimimo considera que nem os EUA nem a União Européia têm legitimidade para dizer o que a China deve fazer. "O que se vê são ONGs denunciando a falta de cuidados com o continente. Negócios em que não se analisam os impactos ambientais e assim por diante."
A China é um assunto delicado aos EUA por conta do pacto comercial estabelecido nos anos 70, complementa Luciana. No período da Guerra Fria, EUA e União Soviética "dividiram" a África em áreas de influência. "O que se percebeu após a queda da URSS foi a perda de interesse pelo continente africano", diz.